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CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS

3.2 Análise da prática linguística, sócio-discursiva e a emergência de mal-entendidos

3.2.3 Silvana e Bento: futebol

Nos próximos excertos, analisamos as negociações sobre futebol. No excerto 11, Bento compartilha uma informação sobre uma declaração de Pelé referente ao jogador brasileiro Neymar Júnior e deste, em relação ao jogador argentino Lionel Messi. Essa informação remete ao discurso de rivalidade entre os dois países sulamericanos e de dominância do futebol no campo dos esportes no Brasil. Tal informação é discursivamente partilhada pelos interagentes, embora Silvana pareça não compreender a fala de Bento, especificamente com relação à notícia sobre Pelé. A interagente brasileira, então, não desenvolve o assunto, e observamos uma mudança brusca (l. 176) por meio da qual ambos retornam a compartilhar gírias que, paralelamente, eram abordadas no chat.

E11, D1, INT. 16 ABR

159 B: ((pausa)) there was a thing in the news that I heard about Pelé, did you hear about it?

160 S: what?

161 B: there was a thing in the news about Pelé...

162 S: music popular?

163 B: sorry, what? sobre Pelé? did you hear what he said?

164 S: hummm yes!

165 B: it's really funny. you heard about Neymar? and he said that he is better than Messi?

166 S: the video I see, I saw, the video Pelé?

167 B: no, no, no, did you hear what he said?

168 S: about Pelé?

169 B: no, what Pelé said, what he said about Neymar

170 S: no

171 B: he said that Neymar is a better soccer player than Lionel Messi which is kinda/I don't/it's kinda 172 crazy to say, cause Neymar is so young, he is really really good, I don't think people really say 173 that, at least not yet, and so Maradona responded saying that “ok, maybe Neymar is better, but 174 only if Messi is from a different planet.” it's funny ((Silvana parece não ter entendido))

175 S: yes...

177 S: in São Paulo, but the others, another regions speak...

178 B: ah mano é como espanhol

179 S: yes ((risos)) yes! and ((pausa))

180 B: “sacaram” para “você entende”?

181 S: yes ((pausa))

O início da negociação de sentidos no excerto 11 (entre as linhas 159 e 169) se dá a partir de uma pergunta de Bento em relação a uma notícia sobre Pelé. Silvana não compreende a pergunta e responde de modo direto (“What?”). Essa resposta direta, embora aparentemente não tenha causado um desconforto em Bento, poderia ser percebida como uma forma rude de pedido de esclarecimento. No entanto, especulando, a posição de ambos como aprendizes e a informalidade da interação pode ter possibilitado que a situação não tenha causado nenhum estranhamento evidente.

A partir do pedido de esclarecimento de Silvana, ambos empreendem um esforço colaborativo – para reformular a pergunta (Bento) e para compreendê-la (Silvana). Nesse processo, Silvana, por não entender a pergunta, parece tentar estabelecer inferências para se aproximar de um sentido possível. Na linha 166, por meio de uma pergunta retórica (“the video I see, the video Pelé?”), Silvana parece se aproximar do contexto da pergunta, ao se referir a um vídeo de Pelé. No entanto, ela é corrigida na sequência por Bento que retoma o foco principal da pergunta (se ela ouviu o que Pelé disse sobre Neymar – no contexto de um vídeo ou de outro gênero de notícia, não especificado). Ao receber a resposta negativa à sua pergunta (l. 170), Bento explica a notícia à qual ele se referia. Após essa explicação, Silvana responde apenas com um “sim”, e logo muda de assunto.

Nesse excerto, embora haja uma aparente dificuldade linguística de apreensão do significado das perguntas de Bento, podemos observar que o contexto no qual ela surge também pode ter comprometido a compreensão inicial. Assim, ao se reportar a uma notícia que ele ouviu, Bento traz para a interação uma informação nova que, no contexto do que os interagentes estavam tratando (estavam ambos aparentemente compartilhando expressões por meio do chat, paralelamente ao diálogo), pode ter causado a dificuldade de compreensão. Além disso, as incompreensões identificadas são decorrentes não unicamente de questões linguísticas e estruturais da língua portuguesa ou inglesa (no nível da análise do texto), mas do nível da prática social e discursiva. Conforme observaremos no excerto seguinte, as relações estabelecidas por ambos os interagentes com o tema futebol envolve os conhecimento das práticas sociais e dos discursos possíveis sobre o tema.

No excerto 12, o tema futebol é iniciado por Bento, ao relatar que assistiu a um jogo com os amigos na televisão. Em seguida, Silvana compartilha suas considerações sobre o esporte, apresentando uma generalização (l. 70 – “homem gosta de futebol”) fazendo uma referência ao contexto social brasileiro com o qual ela tem contato.

E12, D1, INT. 23 ABR

70 S: homem gosta de futebol,

71 B: sim. ((riso))

72 S: então ((riso)) é complicado, né?

73 B: uhum, muito,

74 S: aqui no Brasil principalmente, assim, não posso generalizar, né, não são todos brasileiros 75 que gostam de futebol, mas a maioria

76 B: é.

77 S: e aí, é, tem homem que prefere assistir o jogo do que ficar com a mulher assim. ((risos))

78 B: ((risos))

79 S: dar muita atenção ((risos)) é, pois é.

80 B: aqui o futebol não é tão popular como o Brasil, mas aqui em ((cidade)) sabe porque as tem 81 muito ah, hispânicos,

82 S: sim.

83 B: e os hispânicos gostam de futebol, mas aqui baseball é mais popular e basquete também é mais 84 popular que futebol, porque não temos um, um time que é o melhor, sabe?

85 S: sim, uhum.

Nesse momento da interação, identificamos negociações de sentido sobre aspectos relacionados à cultura nacional, como a paixão pelo futebol. Silvana apresenta essa construção discursiva como algo negativo no Brasil (os homens gostarem de futebol e até deixarem de ficar com as mulheres por causa do esporte). Embora a interagente relativize (l. 74 – “não posso generalizar”), predomina em seu discurso uma avaliação pejorativa da relação, evocando, inclusive, um discurso machista de que a paixão pelo futebol seja uma possível causa de desentendimento entre casais heterossexuais. Além disso, o esporte é associado, por ambos, apenas ao gosto masculino o que revela o caráter hegemônico das relações de gênero que excluem as produções e conquistas de mulheres em contextos históricamente altamente masculinizados.

A afirmação de Silvana (l. 70, “Homem gosta de futebol”), indica um isolamento e desinteresse de Silvana por essa prática esportiva. Sua afirmação se dá de modo generalizante e que abrange discursivamente uma relação de distanciamento socialmente construída por ela, como mulher brasileira, e entre mulheres e futebol. O discurso de ambos ressoa a hegemonia das práticas masculinas, que abafam e limitam a visibilidade das práticas e conquistas femininas nos esportes, em especial no futebol, e alimentam um ciclo de

invisibilização e delimitação dos espaços sociais associados ao gênero feminino ou a grupos sociais (hispânicos e brasileiros, por exemplo).

A associação do gosto pelo futebol aos homens, especialmente aos hispânicos residentes na cidade de Bento (l. 80, 83) e mais especificamente aos brasileiros é corroborada por ambos os interagentes em seus discursos. No caso de Silvana suas marcações discursivas reproduzem a relação homem brasileiro e futebol e representa essa prática como um espaço estranho a mulheres. Bento, por sua vez, reproduz discursos que também privilegia a participação masculina e com referências ao contexto latino-americano. As negociações de sentido nesses casos alinham-se ao senso comum no que diz respeito aos sentidos produzidos e associações estabelecidas para determinados temas, como futebol, gênero e nacionalidade. Concluindo a análise dos excertos 11 e 12, observamos que os processos de prática linguística, discursiva e social entre a dupla Silvana e Bento, são permeados por indícios de emergência de mal-entendidos (E11, de modo latente (M3) e E12, de modo velado (M6) (ver Figura 3, p. 88)). No excerto 11, embora questões linguísticas ressaltem na materialidade do texto a identificação das dificuldades de compreensão e mal-entendido das respostas de Silvana para as perguntas de Bento, questões contextuais, discursivas e sociais também estão imbricadas na produção e compreensão dos sentidos pretendidos. Além disso, os modos de negociação entre os pares, marcados por mecanismos de proteção da face podem, de alguma forma, encobrir dificuldades de compreensão ou desconhecimento dos assuntos abordados. No excerto 12, o mal-entendido pode ser associado à reprodução discursiva de generalizações essencialistas, sem problematização e reflexão mais profunda por parte dos interagentes. Nesse caso, o mal-entendido não se evidencia na materialidade do texto, mas, principalmente, no processo interpretativo da pesquisadora pelo compartilhamento de discursos generalizantes entre os interagentes.