Mediações da Favela Fm com instituições

A Rádio Favela gesta sua existência como mídia através de relações com governos, grupos políticos, sindicatos, associações, instituições de ensino, igrejas e pequenas empresas da região (MARTÍN-BARBERO, 1998; CANCLINI, 1997; CASTELLS, 2006), conforme apresentado no item 1.2.2 desta dissertação. Todavia, a trajetória de resistências, mobilização

e luta pelo direito de a emissora funcionar e o trabalho social deram uma visibilidade que a colocaram numa situação privilegiada em seus intercâmbios com outros agentes sociais.

A Favela já recebeu duas condecorações da Organização das Nações Unidas (ONU) pela atuação no combate às drogas e à violência (1997 e 1998), o Mérito Cultural do Ano concedido pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (1997) e o Mérito Legislativo Municipal (SIMÕES; FRANÇA, 2001, p. 2)

As duas comendas da ONU reconheceram o trabalho da emissora em retirar os jovens da criminalidade e das drogas. Na pesquisa das comunicólogas brasileiras Cláudia Mesquita e Tânia Caliari (2001), Hudson é citado como exemplo. Ele trabalhava como avião do tráfico nos morros, responsáveis por 25% dos crimes de Belo Horizonte. Depois que conheceu a Rádio Favela, ele se tornou repórter volante da emissora e saiu do narcotráfico. Também por isso, o Sindicato dos Jornalistas da Alemanha declarou que a Rádio Favela é um exemplo de mídia para o terceiro mundo. Depois desses reconhecimentos internacionais, a emissora foi homenageada por organizações e governos em diversas partes do Brasil, como o Conselho Federal de Entorpecentes, duas honras ao mérito da Câmara Municipal de Belo Horizonte e o prêmio veículo de Comunicação do Ano de 1997, do Centro Cultural do Alto Vera Cruz. A história da rádio se tornou inspiração para o longa-metragem “Uma Onda no Ar”, de Helvécio Raton, vencedor de vários prêmios audiovisuais. Essa notoriedade também deu maior força de barganha para a Rádio em suas mediações políticas, econômicas e sociais.

Ao invés de constantemente procurar políticos com cargos nos governos – como, geralmente acontece com as pequenas e médias emissoras, a Rádio Favela é procurada não só para possibilitar a interlocução com a comunidade como também para receber benefícios. Colaborar de alguma maneira com o funcionamento da emissora pode dar uma visibilidade para atuação de qualquer agente público. Um exemplo foi a iniciativa do senador Francelino Pereira, do então Partido da Frente Liberal (hoje com a denominação de Democratas), de viabilizar o pedido de concessão na modalidade educativa para a emissora (MESQUITA & CALIARI, 2001). Mesmo pertencente a um partido sem tradição na mobilização popular, conservador (descende do Partido da Social Democracia que apoiava a ditadura militar) e defensor do neo-liberalismo (política que defende a abertura de mercado, a pouca intervenção estatal e a livre iniciativa), o senador atuou “contraditoriamente” para ajudar a emissora, podendo assim ganhar o reconhecimento de milhares de seu ouvintes (e eleitores) e admiradores da Favela Fm. “O senador nos deu apoio: como fazer, quem procurar” (Nerimar Teixeira, 2007).

Até presidentes e presidenciáveis já subiram o morro para participar da programação da emissora. Na campanha presidencial de 2002, candidatos à chefia do executivo federal visitaram a Rádio Favela. O acesso aos microfones, todavia, foi restrito para respeitar a legislação eleitoral. Foi permitido apenas informar jornalisticamente os ouvintes sobre suas visitas. “(...) foram muitos os pedidos de apoio às candidaturas, mas não tiveram espaço” (MORAIS, 2002). O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), também já subiu o morro para ser entrevistado nos estúdios da emissora.

“Não aceitamos dinheiros de políticos e nem de grupos comerciais. Continuamos rádio pirata. Somo rádio do povo, independente”, defende seu diretor, Misael Avelino dos Santos (MORAIS, 2003). Essa independência da Favela Fm resulta da notoriedade que a emissora obteve a partir de sua ação social, sua resistência e seu pioneirismo. A rádio passou a ser, para muitos políticos e artistas, necessária para suas visibilidades antes mesmo da Favela Fm precisar deles.

Todavia, significa que muitas conquistas da emissora foram resultados de negociação e colaboração de agentes fora do morro. Além da concessão na modalidade educativa, a emissora ganhou de seus apoiadores equipamentos e recursos para a construção de seu prédio. “Isso não modifica nossa forma de fazer rádio” (Nerimar Teixeira, 2007). A linha editorial pode não ser diretamente influenciada, mas as novas condições dão novas possibilidades que podem produzir condições possivelmente de acordo com o desejo dessas instituições parceiras.

Não há um espírito forte de planejamento na Rádio Favela. Isso diminui a importância da gestão da emissora por outras associações da comunidade. A participação, os encontros e as reuniões acontecem ao vivo, no ar. As mediações sonoras da Favela Fm são espécies de gestoras da emissora. Formam um organismo vivo. “A qualquer hora qualquer representante pode ligar para denunciar, informar, dar sua sugestão ou criticar no ar” (Nerimar Teixeira, 2007). Essa característica reforça o conceito de táticas diferenciadas das estratégias de Certeau (1994), apresentadas no item 1.3.4 desse trabalho. Vive-se o agora e o presente, inventando e reinventando as saídas para os desafios.

As pesquisadoras Paula Simões e Vera França observaram também que, apesar de uma rádio com trajetória comunitária, seu diretor “Misael se coloca como proprietário do veículo e tem um discurso, muitas vezes, autoritário (...), lançando ironias à universidade e às pessoas do ‘asfalto’”. Esta pesquisa tentou entrevistar três vezes Misael. Na primeira vez, ele pediu

para ligar no dia seguinte desde que a entrevista fosse rápida. No dia seguinte, ele atendeu a ligação e desligou o telefone quando o pesquisador se identificou. Na terceira vez, o diretor, Wanderlei Teixeira, se ofereceu para ser entrevistado no lugar de Misael.