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1. Pressupostos teóricos

2.4 Mediações tecnológicas

2.5.3 Recepção do Rádio

Assim como as demais mídias eletrônicas, o rádio se caracteriza por possuir um emissor que produz uma mensagem recebida simultaneamente por vários receptores. No entanto, essa definição está longe de sintetizar o processo promovido por essa relação, principalmente no que tange à recepção. Para melhor compreender essa relação dos ouvintes com essa mídia, vão ser apresentadas quatro investigações na linha de estudos da recepção.

Numa pesquisa realizada em Córdoba, Argentina, a comunicóloga Cristina Matta (2005) observou que se podem analisar três dimensões de recepção do rádio: a discursiva que leva em conta a situação e a competência dos receptores; a de consumo, que reflete suas necessidades, desejos e experiências que geram um sistema de adesões e rejeições; e a cultural, que são as práticas especificamente significantes e as relações com outros sistemas não especificamente significantes. Enquanto o presente trabalho sobre o uso social do som da Rádio Favela na Internet está situado nesta última dimensão, a pesquisa da argentina leva em conta o consumo.

Cristina Matta conclui que a recepção depende do período histórico em que o ouvinte conheceu o rádio. Ela conseguiu, a partir da história oral dos receptores, caracterizar cinco tipos de consumo:

• Material: ouvintes da década de 20 que, a partir do rádio, passam a ter acesso às novas tecnologias.

• Cultural: ouvintes da década de 30 que foram educados para o gosto popular, o divertimento e o entretenimento;

• Conhecimento: ouvintes da década de 40 que buscavam o acesso ao saber; • Informação: ouvintes da década de 50 quando o rádio passou a ser necessidade

de ambientação social.

Freqüência Modulada o rádio passou a representar distração e companhia.

Esses diferentes tipos de consumos são moldados pelo contexto político e sócio- econômico de cada época e pelas reapropriações dos ouvintes, confirmando a tese de Raymond Williams que “as inovações culturais podem não só ser compatíveis com uma ordem social e cultural herdado, podem também no próprio processo de modificação do mesmo, ser as condições necessárias para sua reprodução” (WILLIAMS apud MATTA in MEDITSCH, 2005, p. 281). Desta maneira, os ouvintes de rádio são uma construção histórica:

(...) produtos de um determinado meio em inseparável conjunção com as mudanças da época, os novos artefatos técnicos, o crescimento de cidades, a ascensão social relativa e o acesso a desfrutar de bens culturais, a ampliação da cidadania. Por isso, ser ouvinte é algo mais que um dado quantitativo – base de medições – e parte de um “enorme conglomerado sociocultural” (MATTA in MEDITSCH, 2005, p. 276).

O comunicólogo brasileiro Jairo Greisa realizou pesquisa semelhante com algumas ouvintes do programa Sérgio Zambiasi, da Rádio Farropilha de Porto Alegre. Ainda que utilize as mesmas técnicas de história oral, usadas por Critina Matta, ele busca compreender não somente o consumo, mas o sentido cultural da escuta, levando em conta a memória sobre o rádio, o uso atual e as perspectivas de futuro.

O sentido cultural é uma experiência cultural que abarque o aspecto diacrônico (trajetória) e sincrônico (configuração) a partir de uma base concreta, empírica, ou seja, o “pulsar da própria vida”. (...) uma interação “cultural” do receptor com essa mensagem. (...) É a cultura que vai permitir entender “lo que ha sido, lo que es y lo que será, y también lo que nunca ha sido y nunca será, pero es posible” (Galindo Cáceres, 1997: 40). (GREISA, 2003, p. 48).

Sua pesquisa localizou os seguintes sentidos do rádio para os receptores:

• Solidariedade: promove ajuda aos necessitados.

• Lúdico: serve de um entretenimento que alenta as situações adversas das vidas dos ouvintes.

• Afetivo: possibilita uma relação com o meio através de laços predominantemente emocionais.

• Distinção Social: estabelece uma afirmação identitária baseada numa estratificação social não estanque.

se reconhecerem nela.

• Segurança Ontológica: dá a certeza ao ouvinte que tem uma identidade humana.

• Ritualização: ocupa um momento especial, opondo-se ao tempo ordinário, à rotina e ao cotidiano.

• Parceria: funciona como companhia, principalmente, nas situações adversas de vida.

• Pedagógico: promove a aprendizagem da vida.

• Comunhão: possibilita a inserção social conectando o ouvinte ao mundo. O pesquisador conclui, a partir desses diversos sentidos possíveis que os sujeitos “(...) fazem usos particulares do rádio, de acordo com seus contextos, nos quais suas relações com ele não são tão passivas (...) usa como um mediador dos seus contextos” (GREISA, 2003, p. 37). Para ele, o rádio passa então “a ser entendido como um fato ou experiência cultural. É um meio histórico que se desenvolveu a partir de avanços técnicos mas, fundamentalmente, de processos culturais que o transformaram” (GREISA, 2003, p. 36).

Outra investigação também, nesta mesma linha, da comunicóloga brasileira Marta Maia reconstitui os gêneros radiofônicos (notícias, radionovelas, músicas e humor) das décadas de 30 e 40 do rádio paulista a partir da história oral dos ouvintes. A pesquisadora confirma a tese de Martín-Barbero dos “gêneros (como) uma mediação fundamental entre a lógica da produção, isto é, do formato, e a lógica do consumo, dos modos de ler e de usar” (MAIA, 2003, p. 98).

A comunicóloga Catarina de Oliveira parte desse pressuposto para sua pesquisa sobre a recepção da rádio comunitária Mandacaru Fm, de Fortaleza, e da rádio educativa Casa Grande Fm, de Nova Olinda, ambas no Ceará. Suas conclusões avançam na caracterização de dois tipos de recepções diferenciadas das emissoras: a individual e a grupal. A primeira acontece principalmente nos programas que possuem um formato próximo das rádios comerciais. Neste contexto, “os laços entre programas e receptores são frágeis e desfazem-se quando os receptores enfrentam problemas pessoais, familiares ou no trabalho” (OLIVEIRA, 2007, p. 226).

Já no caso de programas que envolvem movimentos culturais organizados é possível observar a escuta coletiva em bares, calçadas e clubes. A pesquisadora observou essa situação

nos programas de reggae e hip hop em ambas emissoras. Esses programas funcionam assim como uma mediação que esses grupos estabelecem, fortalecendo os laços societários entre seus membros e a recepção grupal. “(...) a atmosfera das vivências retomadas por meio do programa e no contexto fora dele pela audiência que estivesse ligada a articulação de trabalhos sociais e culturais de caráter mais coletivo e social” (OLIVEIRA, 2007, p. 227).

No exemplo da escuta sonora do rádio pela Internet, é menos provável essa prática de recepção grupal dado as características, moldadas historicamente pelos usos sociais, dos computadores pessoais (PCs), principais formas de acesso à convergência digital desse veículo. Esses equipamentos se caracterizam por suas interfaces (mouse, teclado e monitor) serem projetadas para o uso por uma única pessoa. Até mesmo suas caixas amplificadoras de som geralmente possibilitam uma propagação sonora adequada ao limite de um a dois metros, o que também reforça a dificuldade de escuta grupal. O acesso interativo à Internet também requer constantes escolhas de caminhos (abrir páginas, clicar em hiperlinks, escolher opções em menu) que poderão ser mais rapidamente respondidas se o poder de decisão for de um único usuário. Essa tendência não impede, no entanto, os usos desviados por grupos, pois são exatamente essas práticas que, conforme defende essa pesquisa, possibilitam as transformações das mídias.

O caminho desse estudo é a relação de uso das mídias pelos ouvintes no seu contexto cultural. Assim se faz necessário também analisar como a recepção modelou historicamente o rádio que se constitui como o principal veículo envolvido nesse processo de convergência digital através da Internet, objeto da presente pesquisa.