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Uma distribui¸c˜ao de massa μ pode ser espalhada sobre uma regi˜ao de tal maneira que a concentra¸c˜ao de massa seja altamente irregular. Na verdade, o conjunto de pontos onde

a concentra¸c˜ao local de massa obedece a uma lei de potˆencia com ´ındice α, digamos μ(B(x, r))≃ rα,

para r pequeno, pode determinar um fractal diferente para diferentes valores de α. Assim, uma varia¸c˜ao completa de fractais pode surgir a partir de uma ´unica medida, e podemos examinar a estrutura destes fractais e de suas inter-rela¸c˜oes.

Uma medida μ com uma estrutura rica em detalhes ´e chamada uma medida multifrac- tal ou simplesmente um multifractal.

Medidas multifractais s˜ao observadas em muitas situa¸c˜oes f´ısicas, por exemplo, tur- bulˆencia de fuidos, distribui¸c˜ao de precipita¸c˜oes pluviom´etricas, distribui¸c˜ao de massas no universo, dedos viscosos, redes neurais, reservat´orios de petr´oleo e em muitos outros fenˆomenos.

Existem duas abordagens b´asicas para a an´alise multifractal, a teoria fina, onde s˜ao examinadas a estrutura e as dimens˜oes dos fractais que surgem com um determinado α, e a teoria grossa, onde s˜ao consideradas as irregularidades da distribui¸c˜ao das medidas das bolas de pequenos raios positivos r e, ent˜ao, toma-se um limite quando r → 0.

Em geral, a an´alise multifractal fina encontra um paralelo com a dimens˜ao de Hausdorff dos conjuntos, enquanto a teoria grossa est´a relacionada com a dimens˜ao de contagem de caixas.

A abordagem grossa ´e normalmente mais pr´atica quando examina-se exemplos f´ısicos ou experiˆencias em computadores e a teoria fina pode ser mais conveniente para uma an´alise matem´atica.

Existem muitos paralelos entre as abordagens fina e grossa, e em muitas medidas am- bas abordagens levam ao mesmo ‘espectro multifractal’.

Consideremos o exemplo de uma medida multifractal auto-similar em um conjunto de Cantor. Exatamente como o conjunto de Cantor, C, da Figura 1.1, ilustra muitas caracter´ısticas matem´aticas dos fractais, esta medida auto-similar, que tem como suporte o conjunto de Cantor C, ´e t´ıpica para uma classe muito grande de medidas multifractais, ver Figura 1.24.

Para obter este multifractal, sejam p1, p2 > 0 dados, onde p1+ p2 = 1. Constru´ımos

uma medida μ no conjunto de Cantor,

C =

k=0

Ck,

0 1

C

0

C

1

C

2

C

3

C

4 0 1

C

0

C

1

C

2

C

3

C

4

Figura 1.24: Constru¸c˜ao da Medida Auto-similar do Conjunto de Cantor C. A massa em cada intervalo de Ck na constru¸c˜ao do Conjunto de Cantor, indicada pela ´area do retˆangulo, ´e dividida na propor¸c˜ao p1 : p2.

Neste exemplo tomamos p1 = 13 e p2 = 23, ou seja, usamos a propor¸c˜ao 1

3 : 2

3, entre os dois subintervalos de Ck+1. Continuando, este processo

Como vimos anteriormente, Ck compreende 2k intervalos do n´ıvel k de comprimentos

3−k. Atribu´ımos ao intervalo da esquerda de, C

1, a massa p1, e ao intervalo da direita a

massa p2.

Dividimos a massa em cada intervalo de C1 entre seus dois subintervalos de C2 na

propor¸c˜ao p1 : p2. Continuamos com esta pr´atica, de maneira que a massa em cada

intervalo de Ck seja dividida na naz˜ao p1 : p2 entre seus dois subintervalos de Ck+1. Este

procedimento define uma distribui¸c˜ao de massas em C . Se I for um intervalo do k-´esimo n´ıvel de Ck, ent˜ao

μ(I) = p1rp2k−r,

onde, pela constru¸c˜ao de I, um intervalo da esquerda ´e tomado r vezes e um intervalo da direita ´e tomado k− r vezes. Se p1 = p2 e k ´e muito grande, as massas dos intervalos do

k-´esimo n´ıvel ir˜ao variar consideravelmente, e isto ´e uma manifesta¸c˜ao de multifractali- dade.

Observamos tamb´em que, os fractais aleat´orios tˆem uma estrutura topol´ogica compli- cada porque, em geral, s˜ao multiplamente conexos, ver Apˆendice A.

Consideremos os aspectos topol´ogicos de uma constru¸c˜ao, semelhante `a do Tapete de Sierpinski da Figura 1.5, com a diferen¸ca que esta ´e uma constru¸c˜ao estatisticamente auto-similar e dependente de um parˆametro cont´ınuo p, onde 0 < p < 1.

Iniciamos com o quadrado unit´ario, T0, da Figura 1.25. No primeiro passo, dividimos

T0em 9 quadrados de lado 1/3. Em seguida selecionamos, aleatoriamente, um subconjunto

destes quadrados para formar T1, de tal maneira que, cada quadrado tenha probabilidade

independente, p, de ser selecionado.

Similarmente, cada quadrado de T1, ´e dividido em 9 quadrados de lado 1/9, e cada

um destes tem probabilidade independente, p, de ser escolhido para ser um quadrado de T2.

No terceiro passo, cada quadrado de T2, ´e dividido em 9 quadrados de lado, 1/27, de

onde selecionamos, aleatoriamente, com probabilidade independente p, um subconjunto destes para formar T3.

Continuamos com este processo, de modo que, Tk, seja uma cole¸c˜ao aleat´oria de

quadrados do k-´esimo n´ıvel com lado 3−k.

Este procedimento define um fractal aleat´orio Tp, dependente da probabilidade p,

Tp = ∞

T0 T1

T2 T3

T0 T1

T2 T3

Figura 1.25: Os primeiros passos da constru¸c˜ao de um fractal dependente de uma probabilidade p. Neste exemplo, p = 0, 6.

Esta constru¸c˜ao pode ser descrita mais precisamente em termos probabil´ısticos [3], considerando as poss´ıveis seq¨uˆencias de quadrados, Tk, como o espa¸co amostral.

As dimens˜oes de Hausdorff e de contagem de caixas de Tp coincidem e s˜ao dadas por,

dimHTp = dimBTp =

ln 9p

ln 3 . (1.74)

Seja N o n´umero aleat´orio de quadrados em T1. Ent˜ao,

P(N = j) = 9 j  pj(1− p)9−j, (1.75) onde,  n k  = n! k!(n− k)!, (1.76) ´e o coeficiente binomial, de modo que a probabilidade que Tp = ∅ ´e, a menor solu¸c˜ao

positiva da equa¸c˜ao, t = 9 j=0  9 j  pj(1− p)9−jtj = (pt + 1− p)9. (1.77) Cada quadrado de T1 tem lado 3−1 de onde resulta que,

1 = E  N λsi  = E  N 3−s  = 3−sE(N ) = 3−s9p,

onde cada um dos nove quadrados de lado 3−1 ´e selecionado com probabilidade p, de

maneira que o n´umero esperado escolhido ´e 9p. Assim,

dimHTp = dimBTp =

ln 9p

ln 3 . (1.78)

Um breve coment´ario qualitativo que fazemos a respeito deste conjunto aleat´orio, ´e que, Tp, muda significativamente quando p cresce de 0 para 1.

Para valores pequenos de p, temos que o conjunto Tp ´e totalmente desconexo, uma vez

que, poucos quadrados s˜ao selecionados em cada passo de sua constru¸c˜ao. Por outro lado, para valores de p pr´oximos de 1, muitos quadrados s˜ao selcionados em cada passo desta constru¸c˜ao, de tal modo que, possivelmente, haja conectividade entre dois lados opostos de T0, atrav´es de Tp. Quando isto acontece, dizemos que ocorre percola¸c˜ao entre estes

lados.

Nos cap´ıtulos seguintes faremos uma abordagem mais abrangente sobre a Teoria da Percola¸c˜ao e a usaremos em problemas espec´ıficos desta tese.

Algumas mudan¸cas de nomenclatura se processar˜ao naturalmente. Por exemplo, o que chamamos de quadrado unit´ario subdividido em pequenas c´elulas quadradas neste cap´ı- tulo, adotaremos a denomina¸c˜ao rede quadrada, onde as c´elulas quadradas ser˜ao chamadas de s´ıtios da rede.

Cap´ıtulo 2

Percola¸c˜ao

Eu n˜ao contei para vocˆes toda verdade: vida ´e mais do que apenas uma rede quadrada.

Dietrich Stauffer

2.1

Introdu¸c˜ao

A teoria da percola¸c˜ao ´e um ramo da teoria das probabilidades que trata das pro- priedades dos meios aleat´orios. Os primeiros processos percolativos foram desenvolvidos por, Paul J. Flory (1941) e Walter H. Stockmayer (1943), com o objetivo de descre- ver como as ramifica¸c˜oes de pequenas mol´eculas reagiam para formar mol´eculas muito grandes. Entretanto, Flory e Stockmayer n˜ao denominaram esta teoria como sendo um processo de percola¸c˜ao.

Na literatura matem´atica os processos de percola¸c˜ao foram introduzidos, com essa terminologia, por Simon R. Broadbent e John M. Hammersley, num artigo publicado em 1957 [10]. Broadbent e Hammersley introduziram tamb´em os relevantes conceitos ge- om´etricos e probabil´ısticos ao modelo [11].

O desenvolvimento da teoria de transi¸c˜ao de fases nos anos seguintes, em particular o m´etodo da expans˜ao em s´erie e a teoria dos grupos de renormaliza¸c˜ao estimularam signi- ficativamente as atividades de pesquisa nas transi¸c˜oes geom´etricas de percola¸c˜ao.

Os conceitos fractais introduzidos por Mandelbrot, transformaram a teoria da perco- la¸c˜ao em uma ferramenta poderosa dispon´ıvel nos dias atuais.

aleat´orios em geral, assim como, de ´areas tipo engenharia de petr´oleo, fractais matem´ati- cos, f´ısica da indu¸c˜ao magn´etica e transi¸c˜oes de fases.

Inicialmente, tratou-se o conceito de propaga¸c˜ao de um fluido hipot´etico atrav´es de um meio aleat´orio. Os pr´oprios pioneiros da teoria da percola¸c˜ao, explicaram como per- cola¸c˜ao e difus˜ao, por exemplo, podiam ser vistos como modelos que tratam com fluidos em um meio poroso, no sentido mais geral, por´em com diferen¸cas nos enfoques.

Na difus˜ao, por exemplo, a aleatoriedade ´e atribu´ıda ao fluido, isto ´e, o fluido decide por onde as part´ıculas v˜ao se deslocar no meio poroso.

Na percola¸c˜ao, por sua vez, a ˆenfase est´a na aleatoriedade do meio, ou seja, o meio determina os caminhos para o fluxo das part´ıculas.

Esta era a nova situa¸c˜ao considerada por Broadbent e Hammersley, que decidiram chamar este novo enfoque de processo de percola¸c˜ao.

Para ilustrar melhor esta situa¸c˜ao, suponha que colocamos uma rocha porosa em um balde com ´agua e fa¸camos a seguinte indaga¸c˜ao: Qual ´e a probabilidade que o centro da rocha esteja molhado?

A formula¸c˜ao de um modelo estoc´astico para representar esta situa¸c˜ao fez surgir os modelos de percola¸c˜ao [12].

Os termos fluido e meio eram vistos como totalmente gerais. Um fluido poderia ser um l´ıquido, um g´as, fluxo de calor, corrente el´etrica, e assim por diante.

O meio, atrav´es do qual o fluido se propaga, poderia ser os espa¸cos dos poros de uma rocha, uma distribui¸c˜ao de ´arvores em um campo, as regi˜oes perme´aveis em um ambiente imperme´avel etc [13, 14].

Alguns sistemas f´ısicos, qu´ımicos e biol´ogicos, dentre muitos outros, s˜ao considera- dos sistemas complexos pelo fato de apresentarem um grande n´umero de elementos que os comp˜oem e que interagem entre si. Estes sistemas se caracterizam por apresentarem comportamento n˜ao linear e, geralmente, quando representados por modelos matem´aticos n˜ao tˆem solu¸c˜oes anal´ıticas e ent˜ao recorremos `as simula¸c˜oes num´ericas. Apesar de serem compostos por elementos simples, tais sistemas se comportam, globalmente, de forma muito complicada, com flutua¸c˜oes que n˜ao est˜ao dentro de um padr˜ao conhecido.

Reservat´orios de petr´oleo, por exemplo, se enquadram nessa classe de sistemas, porque apresentam grandes heterogeneidades geol´ogicas em um amplo intervalo de escalas de com- primento, desde cent´ımetros at´e quilˆometros [15].

Estas heterogeneidades, causadas pelos processos sedimentares respons´aveis pelas de- posi¸c˜oes das rochas e das subseq¨uentes a¸c˜oes sobre as mesmas, tˆem um impacto significa-

tivo sobre a recupera¸c˜ao de hidrocarbonetos.

Um sistema ´e considerado homogˆeneo quando suas propriedades s˜ao independentes do seu tamanho linear. Quando existem heterogeneidades que persistem em diferentes comprimentos de escala, o comportamento global do sistema depende dos processos de transporte, tais como, difus˜ao, condu¸c˜ao etc, que s˜ao os modos como os fluidos se dis- tribuem no meio poroso.

Tomando-se como exemplo o fluxo de um fluido num reservat´orio de petr´oleo, vemos que o mesmo ´e afetado por estas heterogeneidades em todos os seus aspectos, tornando- se necess´aria a constru¸c˜ao de modelos matem´aticos para se fazer predi¸c˜oes de determi- nadas realiza¸c˜oes. Entretanto, as medidas obtidas diretamente das propriedades do fluxo, dispon´ıveis atrav´es das amostras colhidas em po¸cos de explora¸c˜ao, representam muito pouco do volume total de um reservat´orio t´ıpico, na ordem de 10−13 [16, 17].

Testemunhos e po¸cos de testes tˆem maior representatividade, da ordem de 10−4e 10−7,

respectivamente, do volume total de um reservat´orio t´ıpico, mas os resultados devem ser interpretados para inferir propriedades de fluxo, quando, por sua vez, o fluxo ocorre na escala dos poros que ´e da ordem de 10−21do volume do reservat´orio [18]. Portanto, existe

uma grande incerteza a ser considerada quando tratamos a respeito da distribui¸c˜ao espa- cial das heterogeneidades que influenciam o fluxo.

A abordagem convencional no tratamento destas incertezas ´e feita atrav´es da constru- ¸c˜ao de modelos detalhados de reservat´orios que necessitam de uma probabilidade adequada agregada a cada uma incerteza para se obter a melhor performance.

O problema com este tipo de abordagem ´e que torna-se computacionalmente muito caro e muito pesado. Por isto, existe um grande est´ımulo `a produ¸c˜ao de modelos alterna- tivos mais simples que possam predizer as incertezas. Estes modelos se baseiam na f´ısica que determina o processo de deslocar um fluido atrav´es de outro.

Sabe-se que o fluxo de um fluido num meio poroso heterogˆeneo ´e determinado pelos contrastes de permeabilidade. Ou seja, locais de baixa ou nenhuma permeabilidade, e locais de alta permeabilidade. Embora existam outras influˆencias, estas s˜ao as caracter´ıs- ticas predominantes que afetam o fluxo.

Utiliza-se exatamente estes contrastes de conectividade para modelar o fluxo em reser- vat´orios de petr´oleo, isto ´e, considera-se que o meio ´e distribu´ıdo espacialmente de forma aleat´oria entre perme´avel e imperme´avel [19, 20]. O modelo matem´atico b´asico para repre- sentar as conectividades e transporte em sistemas geometricamente complexos ´e a teoria da percola¸c˜ao. Ou seja, percola¸c˜ao ´e um modelo matem´atico que pode ser ´util na repre-

senta¸c˜ao de alguns sistemas muito complexos, dentre os quais podemos citar, transi¸c˜ao de fases, difus˜ao em meios desordenados, recupera¸c˜ao de petr´oleo atrav´es da inje¸c˜ao de ´agua ou de um g´as misc´ıvel e fluxo de fluidos em meios porosos.

Este modelo tem uma defini¸c˜ao simples em termos geom´etricos, por´em n˜ao tem solu¸c˜ao anal´ıtica no caso geral.

O problema da percola¸c˜ao apresenta caracter´ısticas f´ısicas, tais como, fenˆomeno cr´ıtico, fractalidade e n˜ao linearidade.

Alguns tipos de percola¸c˜ao que podemos citar dentre os modelos discretos s˜ao, per- cola¸c˜ao por s´ıtios, percola¸c˜ao por liga¸c˜oes e percola¸c˜ao por s´ıtios e liga¸c˜oes. Em meios cont´ınuos existe a percola¸c˜ao cont´ınua. Uma caracter´ıstica interessante ´e que todas estas variantes de modelos se mostram idˆenticas em quase todos os aspectos importantes.

Na pr´oxima se¸c˜ao, descrevemos a vers˜ao mais simples de um exemplo de percola¸c˜ao.