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Antônio Celestino da Silva, 78 anos, foi aluno em 1952, único ano em que consta seu nome na frequência escolar. Com 15 anos de idade e aproveitamento “regular”, equivalendo a uma nota média seis, com 10 presenças e nove faltas. Situação informada pela Auxiliar de Ensino Professora Aracy Albuquerque Neto, em setembro do mesmo ano465. Em entrevistas que realizamos como Antonio Celestino, o mesmo não informou se continuou os estudos posteriormente em outras escolas, mas ficou evidente que foi alfabetizado tendo domínio de leitura e compreensão política da situação indígena no contexto brasileiro.

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ELIAS, N. Op. Cit. 1993, p. 193-194.

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Museu do Índio. Rio de Janeiro. Frequência Escolar. 1952. Mf. 167. Fotog. 06-07; Museu do Índio. Rio de Janeiro. Frequência Escolar.1956. Mf. 167. Fotog. 304; Museu do Índio. Rio de Janeiro. Frequência Escolar. Mf. 167. Fotog. 1188.

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Figura 18 – Estudantes da Escola do PI Irineu dos Santos. Fonte: Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira.

Recife, Museu do Estado de Pernambuco/MEPE s/d.

O entrevistado tornou-se Pajé e ainda é uma das lideranças atuantes do povo Xukuru-Kariri que fortaleceu o movimento indígena no estado, na segunda metade do século XX. Suas ações enquanto religioso, não se restringiu ao universo do sagrado, mas também nas mobilizações pela terra, moradia, saúde e educação específica, como forma de fortalecer as expressões socioculturais do seu povo. A formação de Antônio Celestino ocorreu por meio das experiências construídas no cotidiano tenso, envolvido de conflitos e reelaborado constantemente reconhecendo a força das contradições políticas, econômicas e culturais que o Estado brasileiro afirmava e praticava na projeção para uma sociedade dita “civilizada”.

A formação escolar de Antônio Celestino foi interrompida, possivelmente aos 16 ou 17 anos, porém não impediu sua projeção como liderança indígena. O mesmo reconheceu que a escolarização foi indispensável para viver na sociedade brasileira no século XX. Ser indígena, no contexto alagoano, era sobreviver às adversidades impostas pela história local, que revelou períodos de constantes embates entre os indígenas e a sociedade palmeirense, mas também de alianças, quando foram necessárias.

Figura 19 – Antônio Celestino da Silva, Pajé Xukuru-Kariri. Aldeia Mata da Cafurna, terra indígena Xukuru-Kariri.

Fotografia: Gilberto Ferreira. Junho/2014.

O atual Pajé Xukuru-Kariri Antônio Celestino da Silva, é filho de Antônia Raquel da Conceição e de Alfredo Celestino da Silva. Seu pai foi Cacique e uma das principais lideranças que contribuiu para o reconhecimento étnico oficial e para presença do SPI, enquanto órgão assistencialista, julgado necessário para aquele momento. O Pajé casou-se com Marlene Santana da Silva, atualmente com 73 anos, com quem teve seus filhos.

A trajetória de Marlene, enquanto aluna da Escola do PI Irineu dos Santos, foi dos anos de 1956, iniciada aos 14 anos de idade até o ano de 1958. Em 1956, sua presença teve média de 90%, com aproveitamento 10, correspondente ao conceito “Muito Bom”. Em 1958, teve presença média de 90% e aproveitamento nove, correspondente também ao conceito “Muito Bom”466

.

A aluna Marlene retornou à escola do PI, como Professora de Corte e Costura, formando uma turma em 1965. Quando entrevistada, não informou sobre sua formação como costureira, mas assumiu uma postura de orientadora e foi contratada pela Associação Indígena. Em suas lembranças estavam presentes uma viagem a São Paulo e o retorno para trabalhar na roça. Segundo suas afirmações não havia muito tempo para

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Museu do Índio. Rio de Janeiro. Frequência escolar. 1956. Mf. 167. Fotog. 300-301; 1958. Mf. 167. Fotog. 470-471.

os estudos, embora os registros demonstraram aproveitamento excelente em toda sua formação registrada na escola do PI.

Figura 20 – Marlene Santana da Silva. Aldeia Mata da Cafurna, terra indígena Xukuru-Kariri.

Fotografia: Gilberto Ferreira. Junho/2014.

Figura 21 – Francisca de Andrade.

Aldeia Fazenda Salgado, terra indígena Xukuru-Kariri. Fotografia: Gilberto Ferreira. Junho/2014.

Francisca Martins dos Santos, 78 anos, teve seu nome modificado para Francisca Andrade, com 77 anos, após o casamento, afirmou que o Cartório indicou a mudança de seu nome, misturando os sobrenomes do seu pai, com a mãe e o marido. Estudou até os 18 anos quando se casou. Afirmou que em dois ou três dias por semana estava na roça e os demais na Escola. Às vezes não frequentava as aulas, principalmente na época de plantio e colheita. Estudou o ABC, a cartilha, o primeiro, o segundo e interrompeu os estudos para se casar. Acrescentou que “mesmo assim, ainda sabe rabujar o nome. Ler letra de mão não, mas letrinha assim eu leio tudo, letra de máquina. Tem até nome meio inglês que eu leio também”467

. Francisca descreveu parte da sua trajetória escolar argumentando que sabia ler porque quando estudou, a professora ensinava a soletrar e a pronunciar, “a conhecer as letras; letra por letra, tinha que conhecer”. Ainda tratou da metodologia, tecendo algumas críticas ao ensino atual afirmando que:

Hoje, não é mais desse jeito, menino lê esse nome, que nome é esse “a”, “e”, “d” num sei o que mais lá, num sei o que mais lá, o nome é “d”, que nome dá? O menino fica assim com a cara pra cima, aí fica o “d” com “e” é “de”, “d” com “i” “di”, um “d” com num sei o que. Num era assim que a gente estudava, a gente estudava diferente468.

Figura 22 – Maria Francisca de Andrade. Fazenda Salgado, terra indígena Xukuru-Kariri.

Fotografia: Gilberto Ferreira. Junho/2014.

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ANDRADE, F. Op. Cit. 2014.

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A Xukuru-Kariri Maria de Lourdes Martins passou a ser chamada Maria Francisca de Andrade após seu registro em cartório como maior idade. Suas memórias sobre a escola remeteram aos dias da semana em que estudava separadamente cada disciplina, afirmando que gostava das aulas, porque aprendia alguma coisa. Descreveu as disciplinas semanais: na segunda era Português, terça Geografia, quarta Ciências, quinta Matemática e na sexta Ensino Religioso. Embora cada professora organizasse as aulas e os dias para as disciplinas, conforme as necessidades e os indicativos curriculares considerando as horas/aulas semanais por área do conhecimento:

Sei que era os cinco dias, cada um tinha religião. Cada um dia da semana era assim, ela ensinava. Ela ficava contando, sei lá, eu num lembro muito não, ficava contando o assunto daquela história, contando história, história, quem descobriu o Brasil, em que ano, como era, como era que o povo vivia naquela época, aquela coisa que ela contava assim. E a gente estudava também, ela dava lição pra gente estudar, aí a gente estudava. Antigamente ela pegava aquela leitura, por exemplo, Brasil, um tal de descobrimento do Brasil essas coisas, ela pegava aquela lição e ela dizia assim, essa lição aqui você vai trazer ela decorada, Virgem Maria do Céu! Decore ela e estude 469.

Nas palavras da entrevistada e de sua irmã Francisca, as mesmas teriam que estudar e “levar tudo na cabeça decorado para dar a lição a Professora”470

, pois se errassem, recebiam um corretivo, mas não por meio do uso da palmatória, também não foi encontrado nenhum documento referente a este tipo de prática. A metodologia era estudar, decorar textos de livros ou das escritas dos cadernos copiados do quadro em sala de aula. Fizeram comparações do ensino de sua época, afirmando que “era desse jeito que a gente estudava, por isso que eu digo, que hoje os meninos num aprende porque num é dessa maneira. Quando errava ia estudar de novo”, assim argumentou Francisca471

Tinha palmatória, mais eu nunca levei nenhuma não, ela num batia ninguém não, e num dava castigo a ninguém não. Sei que ela tinha esse direito, tinha menino que merecia, mas ela conversava que ela uma professora muito boa. Mas antigamente se respeitava os mais velhos, hoje os meninos são tudo rebelde472, hoje ninguém respeita as professora473.

As irmãs descreveram a Escola e as aulas, afirmando que às vezes tinha merenda. Mas, que só começou a chegar com a presença do Padre Ludugero, por volta dos anos de 1960. Lamentaram por não ter biblioteca, pois “tinha um birô velho que a

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ANDRADE, F. Op. Cit. 2014.

470 Idem. 471 Idem. 472 Idem. 473 Idem.

Professora botava os livros lá pra dentro. Era uma sala só, que as salas do posto era grande, aí a gente ficava na sala do posto”474

. Escola e Posto Indígena se misturavam, confundindo as ações, impondo uma pedagogia para a obediência ao Chefe do Posto como hierarquia superior a Professora.

Era só leitura, mas antigamente era só leitura mesmo, ler, escrever, saber falar, saber tratar. Até mesmo hoje, ela ensina pras meninas essas coisas do mundo... Nesse tempo as meninas num sabia nada disso, elas num ensinava isso, ela ensinava outras coisas leitura, escrever, a saber tratar, saber o que era isso o que era aquilo475.

No espaço do Posto a Escola funcionava numa sala com alunos e alunas separados por grupos. Maria afirmou que “tinha a parte para os meninos e para as meninas476. Era tudo numa sala só, mas não ficava tudo misturado, era um lado das mulheres e outro dos meninos”477

e numa mesma sala de aula ensinavam as instruções básicas para a alfabetização como necessidades construídas historicamente. O que, porém, não deixou de ser um universo de tensões, onde os indígenas demarcaram limites étnicos, mas também as possibilidades de se reinventarem no contexto do século XX. 474 Idem. 475 Idem. 476

ANDRADE, M. F. Op. Cit. 2014.

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CAPÍTULO 4

MOBILIZAÇÕES, PROCESSOS FORMATIVOS E EDUCACIONAIS KARIRI-XOKÓ E XUKURU-KARIRI

Se a muitos desses “pobres” se negava o acesso à Educação, ao que mais eles podiam recorrer senão à transmissão oral, com sua carga pesada de “costumes”478

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4.1. A Escola como condição para o acesso ao universo “civilizado” da