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O processo de instalação dos Postos Indígenas do SPI em Porto Real do Colégio e

Por intermédio do Padre Alfredo Damaso,223 em 1944, o SPI implantou um posto indígena em Porto Real do Colégio (AL), destinando atendimento aos Kariri-

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SOUZA, Josefa Adriana Cavalcante Ferro de. A trajetória da educação escolar em Palmeira dos Índios (AL), ontem e hoje: o caso do Colégio Estadual Humberto Mendes. Maceió, UFAL, 2010, p. 33. (Dissertação Mestrado em Educação).

221

COSTA, C. Op. Cit. 1931, p. 21.

222

COSTA, C. Op. Cit. 1931, p. 29.

223“Os Dâmaso eram uma família tradicional na Zona da Mata de Alagoas, proprietários de uma fazenda

(engenho) de cana-de-açúcar chamada “Cariri”, localizada em uma região para onde se deslocavam contingentes de índios moradores nos municípios próximos de Palmeira dos Índios (AL) e Águas Belas

Xokó. O grupo reivindicava as terras de um aldeamento de índios Kariri, quando no local existiu uma missão jesuítica do século XVIII, extinta em 1759. Segundo Arruti224 baseando-se na memória dos indígenas, o Imperador Dom Pedro II, numa viagem à Cachoeira de Paulo Afonso, teria visitado a cidade de Porto Real do Colégio e ao tomar conhecimento de queixas indígenas, autorizara a concessão de novas terras para o aquele povo indígena. O mesmo autor ainda lembrou que os Xokó, com quem os indígenas de Porto Real do Colégio mantinham relações vivenciaram um período de violenta expropriação numa região mais acima do São Francisco, intensificando sua migração para junto dos Kariri, originando uma etnia composta que quando o SPI estabeleceu um Posto Indígena era autodenominada Kariri-Xokó. A demarcação de terras para os indígenas, no entanto, só ocorreu em 1949. A regulamentação oficial ainda não foi finalizada.

Carlos Estevão de Oliveira225 entrou em contato com os Xukuru-Kariri e, junto ao Deputado Federal alagoano Medeiros Neto, iniciou o processo de reconhecimento pelo SPI. Os indígenas, no entanto, aguardaram, até 1952, para que o órgão estatal adquirisse uma fazenda, instalasse um Posto Indígena e depois passasse a reunir e a receber famílias indígenas oriundas de diferentes localidades próximas226.

A presença do SPI em Alagoas ocorreu em meio a um movimento de visita a “antigos aldeamentos” iniciado por Carlos Estevão de Oliveira e o Padre Alfredo Damaso que percorreram entre as décadas de 1930 a 1950, não só em Alagoas, mas também Pernambuco.

Dos oito aldeamentos oficialmente extintos, em finais do século XIX, apenas o de Porto Real do Colégio e o de Palmeira dos Índios foram visitados, os demais não se recompuseram numa cartografia no século XX. Isso porque a eficácia histórica de (PE), em busca do trabalho sazonal na colheita da cana. O conhecimento dessa situação possivelmente levou o Padre Alfredo a se portar como um defensor e protetor dos índios, particularmente dos moradores em Águas Belas, frente aos desmandos dos latifundiários da localidade. O sacerdote também foi muito próximo dos índios moradores em Palmeira dos Índios. Durante muitos anos foi pároco em Bom Conselho, cidade pernambucana situada na fronteira entre o Agreste pernambucano e a Zona da Mata alagoana. A proximidade geográfica do município favorecia sua constante presença em Águas Belas, onde também foi pároco.” SILVA, E.Op. Cit. 2008, p. 218.

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ARRUTI, J. A. Op. Cit. 1995, p. 73.

225“Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946). Pernambucano, formado em direito e com carreira

jornalística, desenvolveu interesses pela etnografia indígena na região, pautou suas intervenções em defesa dos povos indígenas e atuou como interlocutor entre as populações e o Estado brasileiro.” SECUNDINO, Marcondes. "Índios do Nordeste": alguns apontamentos sobre a formação de um domínio da Antropologia. In: OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2011, p.631-652.

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enunciados proferidos por agentes indigenistas dependia das forças sociais mobilizadas em torno deles.227 Assim, procuramos analisar os processos históricos articulados entre indígenas e indigenistas como movimento em permanente construção, numa rede de interdependência.

A mobilização dos Fulni-ô e do Padre Alfredo provocou, em um primeiro momento, a partir de meados dos anos 1920, a articulação de uma rede de emergências para o reconhecimento, pelo SPI, de vários grupos indígenas,

em Pernambuco e Alagoas”.228 Num segundo momento, “os próprios grupos

recém reconhecidos passam a atuar entre o órgão e os futuros grupos, em

novas emergências” que ocorrerão até meados dos anos 1950.229

É importante salientar que a extinção oficial dos aldeamentos indígenas em Alagoas significava que não seriam assistidos pelo órgão “protetor”, portanto os caminhos percorridos pelos indígenas seria o inverso daqueles que o próprio SPI identificava, como ocorreu a partir da instalação das linhas telegráficas, com as frentes de expansão do Mato Grosso até a Região Amazônica. Os nomeados “caboclos” ou “descendentes” de indígenas em Alagoas recorreram a influências políticas como Oliveira e Damaso, mas também, a recursos que envolveram o universo do simbólico para reconstruir as imagens e discursos existentes no imaginário da sociedade sobre o que caracterizava os nativos nos séculos passados.

Nenhum povo indígena em Alagoas tinha domínio de suas línguas maternas no momento da inicial do SPI, mas apresentaram para o órgão estatal umas expressões socioculturais e religiosas. Os Kariri-Xokó praticavam os rituais do Ouricuri utilizados como condição para o reconhecimento étnico oficial pelo SPI. Os Xukuru-Kariri foram reconhecidos por expressões socioreligiosas mesmo sem acesso a espaços que consideravam sagrados como algumas matas. Referindo-se ao processo de atuação de Carlos Estevão de Oliveira o pesquisador Arruti230 afirmou que foi um momento de inflexão na história indígena no Nordeste, iniciando um rápido e tumultuoso processo de revitalização de tradições e invenção cultural tornando a região atualmente muito importante em se tratando da presença indígena.

Desde meados do século XVIII, disputas políticas em torno de classificações étnicas para assegurar ou não direitos indígenas reconhecidos pela legislação ocorriam231, portanto as reivindicações para o reconhecimento oficial Kariri-Xokó e

227

OLIVEIRA, J. P. 2004, Op. Cit. p. 45.

228

SILVA, E. Op. Cit. 2008, p. 219.

229

ARRUT, apud SILVA, E. Op. Cit. 2008, p. 219.

230

ARRUTI, J. M. A. Op. Cit. 1995, p. 59.

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Xukuru-Kariri pelo SPI significou uma continuidade histórica das mobilizações indígenas em Alagoas, aos moldes do século XX.

Foi necessário ao órgão oficial reconhecer que as mudanças físicas e socioculturais ocorridas com os indígenas em Alagoas resultaram de processos históricos, e, portanto como lembrou Almeida232 falar português, participar de discussões políticas, reivindicar direitos por meio do sistema jurídico, enfim, participar intensamente da sociedade dos “brancos” e aprender seus mecanismos de funcionamento, não significava deixar de ser índio e sim as possibilidades de agir, sobreviver e defender seus direitos.

A Escola do SPI foi defendida pelos indígenas Kariri-Xokó e Xukuru-Kariri como possibilidades de apreender as formas de controle dos “brancos” e estabelecer novos contornos para suas histórias a partir de um tipo específico de poder que só se apropriavam por meio da escolarização. Não existiram outros caminhos para chegar ao conhecimento formal senão pela aquisição de títulos e diplomas que comprovassem as competências. Mas a instituição coordenou também um aprendizado informal ligado a uma rede que aglutinava e acumulava um conjunto de informações oriundas dos PIs sob a sua esfera de intervenção233.

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Idem.

233

Mapa 3 – Indicando os Municípios com povos indígenas em Alagoas – 2016. Mapa elaborado com base no IBGE e FUNAI.

CAPÍTULO 3

ENSINO E COTIDIANO ESCOLAR: AS MEMÓRIAS DE ESTUDANTES INDÍGENAS E AUXILIAR DE ENSINO DAS ESCOLAS DOS POSTOS

INDÍGENAS DO SPI EM ALAGOAS

Somente em circunstâncias excepcionais as pessoas realmente vão além da sua experiência local, de seus valores vividos e apresentam um desafio mais amplo234.