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Metáfora do encaixe

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 Percepção do Serviço e do Servidor Público Brasileiro

4.3.4 Metáfora do encaixe

A carreira como encaixe diz respeito ao fato de as habilidades do indivíduo se enquadrarem no trabalho que ele deseja realizar, para uma busca de satisfação tanto do empregado, como da organização. As empresas buscam indivíduos com perfis que se encaixam em sua cultura organizacional. Inkson (2007) coloca essa metáfora em questão, uma vez que o mercado passa por transformações a todo o momento, o que pode fazer com que a metáfora do encaixe sofra pressões crescentes.

Com relação ao setor público, conforme se mostrou em outras partes desta pesquisa, muitos indivíduos decidem fazer concurso por falta de oportunidade de trabalho em sua área de formação. O concurso se torna uma alternativa para conseguir voltar para a área de formação e principalmente para buscar estabilidade financeira. Como a maior parte dos entrevistados cita como motivo de sua migração para o setor público essa busca por estabilidade econômica e por segurança, o encaixe pode ficar em segundo plano. Nem sempre as habilidades se encaixam no cargo em que o servidor se encontra ou no cargo que o concursando busca. Alguns chegam a se referir ao cargo público como uma “estação de espera” até que se decidam quanto ao que querem

realmente fazer. Se o interesse maior for a estabilidade financeira, a tendência de não ocorrer o encaixe perfeito entre as habilidades do indivíduo e o cargo que ele ocupa é ainda maior:

“[...]. Meu interesse é principalmente, a estabilidade, a segurança, fazer um pé de meia pro futuro, saber que você vai ter a aposentadoria legal.” (Depoimento de concursanda, grifo nosso).

“Olha, bom, o interesse é ter a renda mensal, realmente não quero ficar aqui até o final da minha vida, é mais uma estação de espera até eu decidir. Em relação às minhas habilidades eu me acho uma pessoa bem comunicativa, a gente tem muito contato com o pessoal [...].” (Depoimento de servidor em estágio probatório, grifo nosso).

“Olha, meus interesses atuais seria mais outra área, seria a jurídica [...], mas não

quer dizer que eu venha prestar concurso pra outras áreas, [...]. Mesmo porque não valeria muito a pena, por questões de tempo, de aposentadoria, porque eu teria que

trabalhar mais 10, 15 anos. E não vejo isso como uma vantagem, então, em termos profissionais posso me sentir bem realizado.” (Depoimento de servidor público, grifo nosso).

Muitos profissionais podem escolher seu cargo devido a oportunidades de trabalho que aparecem no decorrer da trajetória de carreira. Muitas escolhas profissionais não se pautam necessariamente na carreira interna, nas preferências, nas habilidades do profissional, este não busca um encaixe perfeito e toma por base oportunidades surgidas, mesmo sem um planejamento. Isso pode ser percebido no depoimento a seguir:

“[...]. Durante todo o meu curso eu me interessei pela área de recursos humanos, [...] nunca pensei em trabalhar na área clínica, nem em outra área. No meu último semestre aqui na Universidade X [...] surgiu uma oportunidade de um estágio mais na

área administrativa, na área de educação. [...] apesar de não ser na área de psicologia, eu me formei estando lá dentro, fui contratada pela empresa e fiquei lá mais três anos. Então, quando eu sai eu não consegui voltar para minha área de psicologia. Fui chamada para muitos processos seletivos [...]. Eu não consegui voltar

para a área de psicologia. Me sinto um pouco frustrada por isso. Atualmente, eu até tentei outros concursos que acho que é só por meio de concursos que posso entrar na

minha área.” (Depoimento de concursanda, grifo nosso).

Pelo depoimento dessa entrevistada é possível perceber que não houve um planejamento em sua carreira, à medida que as oportunidades apareceram ela as aceitou. Porém, por ter optado a trabalhar em outras áreas anteriormente, no momento possui dificuldades de voltar para a área em que se graduou, ela acredita que apenas através do concurso público poderá voltar a trabalhar

como psicóloga. Considera as oportunidades da iniciativa privada restritas e o concurso público para essa concursanda se torna talvez, a única alternativa viável para trabalhar com o que gosta.

Embora a maior parte dos entrevistados tenha dito que o cargo que ocupa tem ligação direta com a profissão em que se graduou, muitos entrevistados que estão na carreira pública reclamam da burocratização do processo de trabalho. Alguns entrevistados se queixam de que há muito trabalho e poucos servidores para realizá-lo. Com isso, há uma sobrecarga para os que já são servidores. Embora haja ligação com a área de graduação, a burocratização dos serviços pode fazer com que a pessoa fique desmotivada; a repetição, a mecanização do processo pode levar a isso:

“[...], o meu interesse em relação ao que eu atuo hoje, já está plenamente

danificado, sabe, porque é aquela questão de você ter um serviço automatizado que

não tem nenhuma mudança. [...].” (Depoimento de servidor público, grifo nosso). “O serviço público é muito montado, então, ele não te dá muita possibilidade de usar

todas as suas habilidades, de ser flexível [...], tem que ser seguido daquele jeito.

[...].” (Depoimento de servidora pública, grifo nosso).

Em um dos depoimentos anteriores, a servidora pública afirma que seu interesse com relação ao cargo que ocupa e com relação às atividades que exerce como servidora pública já está plenamente danificado. Se algum dia houve encaixe entre seu cargo e sua profissão ou mesmo entre o cargo e suas habilidades, esse encaixe não mais existe. A servidora, ao fazer essa afirmação, deixa clara sua insatisfação acerca do serviço que exerce. De acordo com seu depoimento, o serviço é automatizado e acrescenta pouco para a entrevistada, que, por isso, se encontra insatisfeita.

Apenas uma concursanda afirma que não quer atuar na área em que se formou. Os outros concursandos e servidores em estágio probatório afirmam que o cargo em que atuam tem ligação com a área de graduação, mesmo que de forma indireta.

A necessidade de sobrevivência ou mesmo a ansiedade de construir uma solidez financeira logo depois de formado podem fazer com que o indivíduo aceite trabalhar em cargos oferecidos por organizações privadas, não relacionados com a sua área de formação. Acontece, então, um

distanciamento da profissão em que ele se graduou, e o encaixe pode ser relegado. O concurso público se torna, para muitos profissionais, a única alternativa para migrar de volta à área de graduação. Essa escolha está pautada em uma racionalidade, o que não corrobora a ideia exposta por Inkson (2007) e por autores estudados por ele de que as escolhas profissionais estão longe de se basear em uma racionalidade. Quando se trata de escolha para o setor público, essa racionalidade existe e prevalece até sobre as preferências, as habilidades e os valores em troca dos altos salários e da estabilidade no emprego. Indivíduos em busca da carreira tradicional tentam fugir do arrojo da carreira proteana.

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