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Metáfora do relacionamento

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 Percepção do Serviço e do Servidor Público Brasileiro

4.3.7 Metáfora do relacionamento

Considerando que todos os indivíduos possuem uma rede de pessoas com as quais mantêm contato, fica fácil encontrar a metáfora do relacionamento. Ela se refere ao fato de os indivíduos desenvolverem suas carreiras com base em relacionamentos construídos no decorrer da vida. Esses relacionamentos podem possibilitar ao profissional aproveitar diversas oportunidades e devem ser mantidos ativos. Também deve existir uma reciprocidade dos contatos, e os membros devem oferecer auxílio quando necessário, mas também solicitar quando preciso (GOULDNER, 1960 apud INKSON, 2007).

As pessoas entrevistadas acreditam que a rede de relacionamento altera o curso da carreira. É o tão conhecido “quem indica”, existe não apenas em empresas privadas, mas também no setor público. Os entrevistados afirmam que pessoas que possuem uma influente rede de relacionamentos conseguem o que desejam dentro das instituições, tornando mais ágil a evolução na carreira. É possível verificar isso nos depoimentos que se seguem:

“[...] acredito que você ao pleitear uma vaga e concorrer a um concurso não, mas, a busca de graduação e de crescimento aí sim, isso pode haver uma influência, né, de... de... de terceiros dentro desse processo pra você pleitear e crescer dentro do serviço

público.” (Depoimento de concursando, grifo nosso).

“[...]. Infelizmente. Isso em todos os sentidos, a questão do jeitinho brasileiro de ser. [...]. Fui agora convocado pra polícia, a vaga que eu concorri pra polícia civil é

justamente, pro interior de Minas Gerais. [...] eu falo: nossa às vezes eu tenho que ir

pro interior [...], eu não sei pra onde eu posso ser mandado. Todo mundo fala, não,

não tem problema não, eu tenho um amigo advogado, eu tenho um amigo juiz, eu tenho um amigo delegado, que ele pode ajeitar o seu jeitinho pra você vir pra onde

você quiser. Infelizmente, nós somos geridos assim, é a cultura do Brasil, é o jeitinho brasileiro.” (Depoimento de concursando, grifo nosso).

“Infelizmente também interfere, porque no serviço público são raros os casos em que

tem planejamento claro e transparente de progressão do cargo. Tem muitas pessoas que não tem o menor conhecimento da área, mas tem um amplo conhecimento com quem está no poder, então essas pessoas são usadas, são colocadas naquele cargo,

mas não tem nenhum domínio técnico. Então, a técnica fica muito prejudicada nesse sentido. Se a política fosse desenvolvida com mais técnica, com menos

apadrinhamento, com certeza o serviço público teria uma outra legitimidade.” (Depoimento de servidora pública, grifo nosso).

“[...] obviamente que sim, quem for mais ágil nesse jogo tira proveito [...]. Não

deveria ser, deveria ser democracia [...]. Mas, o Max Weber mesmo fala isso em

outros termos, é política como vocação. Existe o funcionário público de carreira que

ele chama de funcionário administrativo e tem funcionário público que não é de carreira que chama de funcionário político. [...].” (Depoimento de servidor público, grifo nosso).

“Pois é, a questão é que a diretora que escolhia qual área você iria, eu até fui

conversar com ela pra pedir pra ela me colocar, mas ela disse que agora não dá.

Acho que é porque ela não quis mesmo. Ela disse que futuramente, talvez, mas não sei. Porque essa diretora que está lá agora, ela favorece quem ela gosta.” (Depoimento de servidora pública em estágio probatório, grifo nosso).

Alguns entrevistados acreditam que apenas há interferência da rede de relacionamento na evolução da carreira quando o profissional se encontra inserido no setor público. Ou seja, essa interferência existiria apenas para uma promoção, para conseguir assumir o cargo que deseja, para pleitear uma transferência, para atingir uma posição de liderança ou um cargo de confiança. Conforme esses entrevistados, o protecionismo existe apenas para quem é servidor público e conhece pessoas no órgão que tenham poder e possuam algum tipo de influência para materializar o que o outro deseja.

Outros entrevistados, porém, creem que essa interferência se dá não apenas no que concerne à evolução dentro do serviço público, mas também para se tornar um servidor. Esses entrevistados não acreditam na lisura dos processos seletivos para entrada nos órgãos públicos, ou seja, os concursos existem, mas não necessariamente estão livres de corrupção. Os profissionais possuem dúvida se o processo seletivo para a área pública é mesmo democrático ou se há apadrinhamento, se é possível utilizar o “jeitinho brasileiro” para selecionar pessoas para cargos públicos. Para

alguns entrevistados, nem existem dúvidas: o apadrinhamento existe, e a rede de relacionamento influi sobremaneira para a conquista de um cargo no setor público.

Os entrevistados falam de rumores sobre a venda de vagas, o que torna a imagem do concurso público ainda mais desgastada. Esse aspecto pode ser observado nos depoimentos a seguir:

“É possível. Vamos imaginar a pessoa está na lista de espera, é a próxima a ser

chamada, o concurso vai vencer daí duas semanas, se ela tiver uma boa rede de relacionamentos pode ser, a gente consegue imaginar que ela consiga procurar alguém que vai chegar, que tem esse poder de decisão e vai chamá-la. Agora, fora disso, é muito difícil, parte pra ilegalidade, mas mesmo assim há. [...].” (Depoimento de servidor público, grifo nosso).

“Pode, eu vejo que tem. Hoje, concurso público no Brasil, eu posso te dizer que é o

seguinte, é reservado vagas pros apadrinhados e praqueles que estudam mesmo.

Então, você concorre com quem estuda muito e com os apadrinhados e quem está lá dentro influencia sim e leva. Infelizmente você mora no Brasil.” (Depoimento de concursanda, grifo nosso).

“Até é um certo mito assim. A gente não pode falar que isso não existe. Eu acredito

que em alguns concursos já tenha aquelas vaguinhas determinadas pra algumas pessoas. Mas, eu quero levar a crer que as coisas estão mudando e não existe mais esse favorecimento. Mas assim, é inevitável não afirmar que não exista. Existe, com

certeza existe, eu sei de alguns casos, porque era filho de fulano de tal, teve a prova

olhada com melhor olhos.”(Depoimento de concursanda, grifo nosso).

“Olha, já ouvi que sim, mas desconhece. Tem fraudes nos concursos. Dizem que é 100

mil reais a vaga, se você conhece a pessoa certa. Tem aqueles cargos que não são

concursados, mas que entram no concurso, aí com certeza. Mas, num concurso sério

assim, a rede de relacionamento não funciona. O que funciona é o dinheiro, um concurso que não é idôneo você poderia pagar, agora pra entrar num cargo que existe

prova, título eu não acredito.”(Depoimento de concursanda, grifo nosso).

Alguns entrevistados acreditam que há interferência nos concursos públicos, algumas vagas já são selecionadas para determinadas pessoas que são apadrinhadas por servidores que possuem poder para interferir na seleção, embora seja passado que a seleção é democrática. Frases como “infelizmente você mora no Brasil”, possuem uma conotação de desdém com o que acontece no país, especificamente com a forma de selecionar os candidatos para os cargos públicos. Há, inclusive, a conjectura de venda de vaga, citada no último depoimento.

O que foi detectado nesta pesquisa é que a metáfora do relacionamento está presente nos depoimentos dos entrevistados. Com exceção de um entrevistado servidor público, todos os demais acreditam que a rede de relacionamento pode influir na evolução da carreira no setor público, devido aos favorecimentos e aos apadrinhamentos.

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