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4 ABORDAGENS METODOLÓGICAS

4.1 Discussão Teórica

4.1.3 Meta-Etnografia

A Revisão Sistemática da Literatura (RSL) indica um conjunto de procedimentos a serem seguidos para a garantia do rigor em uma pesquisa de revisão. O desenvolvimento de uma questão de pesquisa e a estratégia de seleção das pesquisas são etapas importantes. Entretanto, a coleta e a análise dos dados devem adotar métodos bem definidos e capazes de responder à questão de pesquisa proposta (DIXON-WOODS et al., 2005). A escolha de um método adequado para sintetizar os dados presentes na literatura levantada faz-se necessário, havendo uma variedade de possibilidades.

Kitchenham et al. (2009) destacam o potencial da RSL em abordagens quantitativas, incorporando a meta-análise como método de estratificação, validação e análise de dados estatísticos. Segundo os autores, a meta-análise pode ser considerada como um tipo de revisão sistemática, de modo a possibilitar a fusão de dados estatísticos oriundos de várias pesquisas primárias em um único trabalho (pesquisa secundária). No entanto, para o emprego de abordagens qualitativas ou mistas, Dixon-Woods et al. (2005) acreditam ser necessário o emprego de métodos complementares que venham a dar conta de responder às questões de pesquisa.

Dixon-Woods et al. (2005) descrevem em seus trabalhos um levantamento de 11 métodos aplicáveis à síntese de pesquisas qualitativas, apresentando em seus resultados uma tabela relacionando para cada um deles os pontos positivos e negativos. O objetivo dos autores era conceber um guia prático de métodos para que o pesquisador responsável pela RSL seja capaz de selecionar aquele mais adequado à sua pesquisa. Os métodos analisados por DIxon-Woods et al foram: Sumário Narrativo (Narrative Summary); Análise Temática (Thematic Analysis); Teoria Fundamentada (Grounded Theory); Meta-Etnografia (Meta-Ethnography); Síntese Realista (Realist Synthesis); Meta-Estudo (Meta-Study); Miles and Huberman Analysis; Análise de Conteúdo (Content Analysis); Enquete de Caso (Case Survey); Análise Comparativa Qualitativa (Qualitative Comparative Analysis), e; Meta-Análise Bayesiana (Bayesian Meta-Analysis).

Dixon-Woods et al. (2005) mencionam também o fato de pesquisas relacionadas à saúde pública demandarem de revisões sistemáticas capazes de lidar com a síntese de dados tanto quantitativos quanto qualitativos. Desse modo, vê-se necessário um método flexível quanto às variadas apresentações dos dados, mas que, ao mesmo tempo, mantenha uma sistemática capaz de conduzir a uma análise criteriosa dos dados.

[...] decisões políticas que procuram compreender as barreiras ao acesso aos cuidados de saúde terão de recorrer a evidências qualitativas (talvez gerada através etnografias e entrevistas estudos de comportamento de busca de ajuda, por exemplo), bem como evidências quantitativas (talvez gerada através de estudos de coorte de taxas de referência, por exemplo). (p. 45, tradução nossa)

Dada a variedade de possibilidade para realização de uma RSL, Dybå, Dingsøyr e Hanssen (2007, p. 227) apontam que, para revisões cujos dados são coletados por abordagens variadas (quantitativas, qualitativas e mistas), a Meta Etnografia se apresenta como a mais adequada. A existência de um grupo de pesquisa especializado em desenvolver esse método, e sua objetividade nos procedimentos a serem seguidos foram pontos críticos para a escolha da Meta Etnografia para a coleta e análise de dados em RSL.

[...] meta-etnografia é talvez o método mais bem-desenvolvido para síntese de dados qualitativos, e uma das poucas áreas em que existe uma pesquisa metodológica ativa para síntese qualitativa. (DYBÅ; DINGSØYR; HANSSEN, 2007, p. 227, tradução nossa)

A Meta Etnografia, como o próprio nome indica, foi desenvolvida com o objetivo de permitir a síntese de diferentes pesquisas etnográficas, permitindo a comparação dos dados entre elas (NOBBLIT; HARE, 1988). Muitos dos trabalhos etnográficos são descritos por Nobblit e Hare como de caráter interpretativo - ou seja, se fundamentam em teorias para a interpretação de uma realidade através da narrativa. Para dar conta de pesquisas com essas características, a Meta Etnografia se propõe a trabalhar com uma coleta de dados na própria narrativa dos textos, e muitas vezes não tabulado ou estruturado em uma lista, quadro ou tabela.

Com o passar do tempo, seu emprego foi ampliado, estando presente em trabalhos, como por exemplo, da área da saúde (JAMAL et al., 2013; BRITTEN et al., 2002) e da Engenharia de Software (DYBÅ; DINGSØYR; HANSSEN, 2007). Dentre os grupos de referência nos estudos de metodologias aplicadas à RSL está o National Coordinating Centre for Research Methodology (NCCRM), do Department of Health da University of Birmingham, na Inglaterra. O objetivo desse grupo é, dentre outros, avaliar as aplicações de diversos métodos para análise de dados em uma RSL – e servindo de referência para pesquisas secundárias que envolvem as áreas da saúde e relacionadas à saúde.

Britten et al. (2002) descrevem em seus artigos o emprego da Meta-Etnografia em uma revisão sistemática, a partir de 4 pesquisas primárias selecionadas. Os autores utilizaram os sete passos de Nobblit e Hare (1988) como procedimento de coleta e análise dos dados (vide Quadro 5, na página seguinte), e utilizando como estratégia para organização dos dados em uma tabela que correlaciona as evidências em forma de conceitos (nas linhas) com as pesquisas primárias investigadas (nas colunas). Dessa maneira, é possível comparar como cada trabalho apresenta os conceitos, e assim permite conduzir a “[...] teorias de médio alcance na forma de hipóteses que podem ser testadas por outros pesquisadores” (BRITTEN et al., 2002, p. 209, tradução nossa).

Nobblit e Hare (conforme Quadro 5) propõem o levantamento da literatura a ser sintetizada e o estabelecimento claro da questão de pesquisa (etapa 1). Em seguida, é necessário determinar quais dados serão coletados, definindo, por exemplo, quais as sessões do documento a serem lidas e critérios para seleção dos dados (etapa 2). Faz-se a leitura das pesquisas (item 3) e são analisados possíveis trabalhos de um mesmo grupo de estudo, de uma mesma população ou de uma

mesma linha teórico-metodológica (item 4). A organização dos dados e a comparação entre as pesquisas é realizada (item 5), destacadas as similaridades, discordâncias e complementariedades (item 6), e por fim, produzida uma apresentação dos resultados da revisão (item 7).

Quadro 5 - Etapas da meta-etnografia de Nobblit e Hare

1. Iniciação

2. Decisão do que é importante para o interesse inicial 3. Leitura dos estudos

4. Determinação de quais os estudos que estão correlacionados

5. Tradução dos estudos entre si 6. Síntese das traduções

7. Apresentação da síntese

Fonte: Noblblit e Hare (1988, tradução nossa)

A transcrição dos trabalhos entre si correspondem à etapa de comparação das evidências coletadas nas pesquisas. O objetivo dessa etapa, e o ponto de destaque da Meta Etnografia, está no fato de fornecer condições para a comparação (BRITTEN et al., 2002). Destacam-se: quais conceitos são convergentes entre os trabalhos, reforçando a evidência; quais conceitos são divergentes, levantando contradições nas evidências, e; quais conceitos são complementares, possibilitando o levantamento de hipóteses.

Nobblit e Hare (1988) destacam, entretanto, o cuidado quanto à comparação entre conceitos. Sobretudo em trabalhos qualitativos, a narrativa pode não deixar claro os “contornos” do conceito; ou até mesmo, conceitos diferentes serem expressos em um mesmo termo. A comparação entre as diferenças conceituais também é trazida por Nobblit e Hare como critérios de comparação na etapa de tradução dos trabalhos entre si. As diferenças na população investigada, em contextos específicos etno-geográficos e as abordagens teórico-metodológicas são também possíveis critérios comparativos.