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4 ABORDAGENS METODOLÓGICAS

4.1 Discussão Teórica

4.1.2 Revisão Sistemática da Literatura

O rigor é um dos conceitos fundamentais para as pesquisas científicas. Teorias, métodos, metodologias e técnicas são produzidas e adotadas na literatura científica, com o intuito de propiciar a reprodutibilidade das pesquisas – tornando-as passíveis, até certo ponto, de comparação através de um método ou técnica padrão. Apoiar-se em pesquisas anteriores para fundamentação é uma prática amplamente realizada pelos pesquisadores, e denominada de revisão de literatura. As abordagens utilizadas anteriormente, os resultados ou considerações trazidas pela literatura servem de evidências e pontos de partida para as pesquisas atuais.

Entretanto, há na literatura científica uma grande variedade de trabalhos que lidam de diferentes maneiras (abordagens, paradigmas, metodologias, métodos etc.) sobre um mesmo assunto; ou até mesmo diferentes resultados com abordagens similares. As evidências disponíveis na literatura, portanto, podem ser muitas, e serem atualizadas constantemente à medida que são testadas e avaliadas. Para um pesquisador, escolher na literatura as pesquisas adequadas em sua revisão torna-se uma tarefa fundamental para o sucesso e a credibilidade dos resultados a serem alcançados. Cada trabalho pode levar a evidências diferentes, que por sua vez pode conduzir a resultados distintos.

Dada essa realidade, cabe ao pesquisador determinar estratégias para garantir uma cobertura satisfatória da literatura. Egger e Smith (2001) entendem haver pesquisas nas quais a maneira pela qual a literatura foi investigada não está claramente descrita. Isso pode ocorrer, segundo os autores, por dois motivos: pela não declaração da estratégia de seleção nas publicações científicas; ou pela seleção de pesquisas de modo acidental, sem um planejamento. Em ambos os casos, a reprodutibilidade e a credibilidade da pesquisa podem ser contestadas.

Assim como em uma análise de laboratório ou em uma entrevista a pessoas, a revisão de literatura é um meio de coleta de dados (evidências), determinada por Hall et al. (2009) como pesquisa secundária. Secundária por obter indiretamente

os dados, obtidos a partir de outra pesquisa (pesquisa primária). Os autores defendem, portanto, o mesmo rigor em uma pesquisa primária ao rigor exigido em pesquisas primárias. A Revisão Sistemática da Literatura (RSL) é um dos instrumentos (métodos) para propiciar o rigor, a credibilidade e a relevância na busca de evidências em revisões de literatura.

A revisão sistemática da literatura é um meio de identificar, avaliar e interpretar todas as pesquisas disponíveis relevantes para uma questão de pesquisa específica, ou área temática, ou fenômeno de interesse. Estudos individuais que contribuem uma revisão sistemática são chamados de estudos primários; a revisão sistemática é uma forma de estudo secundário. (KITCHENHAM, 2004, p. 1, tradução nossa)

Apesar de permitir (a priori) um menor rigor em relação à RSL, a revisão narrativa de literatura cumpre um papel importante nas pesquisas científicas. Dybå, Dingsøyr e Hanssen (2007) entendem serem as pesquisas não sistematizadas um meio satisfatório para o pesquisador que ainda não domina o tema da pesquisa, ou que opta intencionalmente por uma abordagem específica. A RSL é uma alternativa considerada mais adequada para situações nas quais o confronto de diferentes abordagens é importante para a tomada de decisão de qual decisão/ação adotar – quais evidências considerar.

Revisão sistemática permitirá uma avaliação mais objetiva de evidências em comparação a revisões narrativas tradicionais e pode contribuir para resolver essa incerteza quando pesquisas tradicionais de revisão e editoriais discordam [entre si]. (EGGER; SMITH, 2001, p. 23, tradução nossa)

[...] utilizar ou fazer revisões sistemáticas da literatura é atuar sintetizando informações adequadas, definindo evidências que validam as intervenções que usamos no dia-a-dia [práticas relacionadas a saúde]. E, atualmente, é considerada a forma de evidência mais confiável para a tomada de decisões em saúde. (ATALLAH; CASTRO, 1998, p. 26, tradução nossa)

A RSL auxilia no entendimento de quais são as possibilidades existentes e quais dessas possibilidades são mais adequadas à pesquisa. É possível responder, por exemplo, se “um tratamento não é realmente melhor do que o outro [...]”; ou se “o número de casos ou de eventos nos grupos estudados é insuficiente para responder a questão [...]” (ATALLAH; CASTRO, 1998, p. 21). Trata-se de uma metodologia que não promove, diretamente, uma melhoria nos resultados de

pesquisa, mas capaz de “[...] recomendar que os novos estudos não cometam os mesmos erros” (p. 25).

A RSL, originalmente empregada na área da medicina a partir do início do século XX (ATALLAH; CASTRO, 1998), é hoje empregada em várias áreas, como aquelas relacionadas à saúde (EGGER; SMITH, 2001), a Engenharia de Software (PAI et al., 2005) e a Ciência da Informação (AMORIM; BIOLCHINI, 2013). Atualmente, seu método é aplicado para responder diversas questões de pesquisa, e aplicadas para estudos qualitativos, quantitativos ou mistos.

A Revisão Sistemática da Literatura (Systemic Literature Review) é também conhecida como Revisão Sistemática (Systematic Review), Quasi Revisão Sistemática (Quasi Systematic Review), Meta-Análise (Metanalysis), Synthesizing Research Evidence e Research Syntesis (DYBÅ; DINGSØYR; HANSSEN, 2007; ESPÍRITO SANTO, 2012). Entretanto, a Meta-Análise e a Research Syntesis são aplicadas em abordagens quantitativas, e utilizam métodos estatísticos para coleta e análise dos dados obtidos da literatura.

Egger e Smith (2001), Brereton et al (2007) e Kitchehan (2004) estabelecem 3 fases de uma RSL. Primeiramente, é necessário um planejamento, a fim de estabelecer com clareza qual a questão de pesquisa e quais procedimentos deverão ser seguidos para que seja possível responder tal questão. Em seguida, parte-se para a condução da revisão, executando os procedimentos planejados para coleta, avaliação e análise das pesquisas primárias (definidas na fase anterior). Por fim, é necessário documentar a revisão realizada, servindo de fonte de referência para outros pesquisadores.

Kitchenham (2004) subdivide as três fases da RSL em oito etapas, sendo duas para o planejamento, cinco para a condução e uma para o relato da revisão – vide Quadro 4, na página seguinte. Inicialmente é proposta a determinação da questão de pesquisa (item 1.1). Em seguida, é feito o planejamento do passo-a-passo para todas as etapas de condução da revisão (item 1.2), sistematizando o como fazer da RSL. As etapas de condução (item 2.1 a 2.5) são destinadas ao cumprimento do protocolo estabelecido. Por fim, em uma única etapa, faz-se o relato da revisão.

Brereton et al. (2007, p. 572) segue etapas similares a Kitchenham para a RSL. Porém, incluem duas etapas de validação (uma ao final do planejamento, e outra ao final do relato da revisão), totalizando 10 etapas. O objetivo dos autores em

incluí-las é de garantir que o protocolo planejado será viável durante a condução da revisão, bem como verificar a consistência do resultado final da RSL com sua questão de pesquisa. Brereton et al. deixam claro que a RSL não é um processo rígido, e pode ser modificado à medida em que o pesquisador encontra uma limitação em seu planejamento, em sua condução ou em seu relato. Biolchini et al. (2007) identifica também essa necessidade de flexibilização em uma RSL, e propõe um processo de condução com dois pontos de verificação:

Antes da execução da revisão sistemática, é necessária a garantia de que o planejamento esteja adequado. [...] Da mesma maneira, caso problemas nos motores de busca da web forem encontrados durante a fase de execução, a revisão sistemática deve ser reexecutada. (BIOLCHINI et al., 2007, p. 142, tradução nossa)

Biolchini et al. (2007, p. 142) apontam também para a preocupação em determinar a qualidade e a abrangência da questão a ser respondida em uma RSL. Utilizando o Systematic review protocol template de Kitchenham (2004), Biolchini et al. destacam, dentre outros aspectos, para a sintaxe e para a semântica da questão de pesquisa. A primeira (sintaxe) ressalta o contexto na qual a pesquisa é aplicada e a questão a ser respondida pelas pesquisas primárias. A segunda (semântica) orienta quanto ao alcance da pergunta – ou seja, até que ponto a revisão se propõe a responder à questão.

Quadro 4 - Etapas da revisão sistemática de Kithehan

1. Planejamento da revisão 1.1. Identificação da necessidade de revisão 1.2. Desenvolvimento do protocolo de revisão 2. Condução da revisão

2.1. Identificação das pesquisas 2.2. Seleção das pesquisas primárias 2.3. Análise de qualidade das pesquisas 2.4. Extração de dados

2.5. Análise de dados 3. Relato da revisão

3.1. Construção do relatório final Fonte: Kitchenham (2004, tradução nossa)

A questão de pesquisa é um importante ponto de partida da RSL, pois orienta tanto o modo como ela deverá ser conduzida, quanto o olhar a ser empregado nos dados coletados para sua síntese. Nesse último ponto, Hall et al. (2001) afirmam serem possíveis diferentes perspectivas para a análise dos dados. Pode ser realizada uma síntese: na busca de similaridades nas evidências entre as pesquisas primárias; na busca de controvérsias; e na complementariedade de evidências distintas em contextos similares para construção de novas hipóteses ou teorias. Trata-se de correlacionar diferentes trabalhos e destacar evidências relevantes à questão de pesquisa. Em analogia ao survey e sua capacidade de correlacionar dados de maneira sistemática, Dybå, Dingsøyr e Hanssen (2007, p. 226, tradução nossa) afirmam que “[...] RSL pode ser vista como um método de pesquisa por si só, o que de certa maneira é bem similar à survey – exceto pelo fato da survey envolver pessoas, enquanto a RSL envolve a literatura”.