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CATÍTULO II RECUPERANDO A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE GESTÃO

2.5 O Cenário da Gestão da Educação no Piauí

2.5.2 Metas e diretrizes da Política educacional do Piauí

A Constituição Estadual do Piauí, promulgada em 05 de outubro de 1989, transcreve os mesmos princípios estabelecidos na Constituição Federal no seu artigo 206, remetendo a regulamentação da gestão democrática para lei posterior. Em 1999 foi aprovada a Lei Estadual nº 5.101 de 23 de novembro de 1999 que dispõe sobre o Sistema Estadual de Ensino do Piauí. Aprovada durante o segundo mandato do Governador Francisco de Assis de Moraes Souza (Mão Santa, naquele momento pertencente ao PMDB), essa lei também não inova e não regulamenta a gestão democrática na Rede Estadual de Ensino, mantendo praticamente o disposto da LDB, determinando que:

Art. O ensino público na educação básica observará normas de gestão de registro democrático, conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e na escolha de seus dirigentes;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos equivalentes; III – progressivo grau de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira das unidades escolares (PIAUÍ, 1999).

Pela letra da lei a escolha de dirigentes escolares restringe-se apenas aos profissionais da educação, excluindo os demais membros da comunidade escolar. No entanto, na prática, nenhuma alteração concreta aconteceu no tocante à escolha de diretores por eleição direta até 2003.

No período de 1996 a 2000 a Secretaria de Educação do Piauí, no que tange a formação continuada dos profissionais da educação estabeleceu como principal estratégia a criação de Oficinas Pedagógicas. Estas foram instaladas em todas as Diretorias Regionais de Educação20 e tinham como principal ação a criação de grupos de estudo envolvendo profissionais dos diferentes segmentos da Comunidade Escolar para a construção do Projeto Político-Pedagógico das escolas. Os grupos de estudo seriam os verdadeiros responsáveis pelos eventos de formação continuada e assistência técnico-pedagógica. Essa proposta procurou vincular a formação continuada à realidade escolar, no entanto, apenas nove grupos foram formados e nem todos esses grupos funcionaram efetivamente (GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ, 2009). Muitas foram criadas sem a estrutura adequada de funcionamento e ainda utilizadas como espaço de

20 Atualmente são Gerências Regionais de Educação (GREs) num total de 18, localizadas nos municípios

aparelhamento político-partidário, inviabilizando na prática qualquer proposta consistente de formação continuada.

A partir de 2003 o governo do Piauí passou a regulamentar a gestão democrática do ensino, porém, ao contrário do que determina a legislação federal e a própria legislação estadual (Constituição Estadual), o marco legal da gestão democrática no Piauí foi estabelecido por meio de decreto21 do governador do Estado. Dessa forma, atualmente, o Decreto nº 13.867 de 30 de setembro de 2009, disciplina a gestão democrática nas escolas da Rede Pública Estadual de Ensino do Piauí. Segundo esse decreto.

Art. 1º a gestão democrática da Rede Pública Estadual de Ensino, princípio constitucional, será exercida pelo Núcleo Gestor da Escola com o auxílio e a fiscalização do Conselho Escolar, observando os seguintes preceitos: I – autonomia pedagógica;

II – transparência nos mecanismos administrativos e financeiros; III – respeito à organização dos segmentos da comunidade escolar;

IV – participação dos segmentos da comunidade escolar nos processos decisórios e em órgãos consultivos;

V – participação e valorização dos profissionais da educação;

VI garantia da descentralização do processo educacional (PIAUÍ, 2009).

A gestão escolar é exercida por um núcleo gestor, constituído pelo Diretor, Diretor-Adjunto, Coordenador Pedagógico e Secretário Escolar e ainda pelo Conselho Escolar. Este último tem suas atribuições definidas no Decreto nº 9.425 de 22 de novembro de 1995.

O marco legal de gestão democrática do Piauí garante a escolha do diretor e diretor-adjunto pela comunidade escolar por meio de eleições. A autonomia da escola é garantida na legislação em análise por meio da construção do Projeto Político- Pedagógico, do Regimento Escolar e do Plano Anual de Trabalho da Escola.

A legislação citada apresenta grande sintonia com os princípios e diretrizes da Reforma do Aparelho do Estado ao estabelecer que os diretores e diretores-adjuntos eleitos ficam “obrigados” a aderir ao Contrato de Gestão, o qual contém as competências de gestão administrativa, pedagógica e financeira, além de outras decorrentes do cargo. O diretor só poderá candidatar-se para mandatos subseqüentes tendo cumprido satisfatoriamente o Contrato de Gestão após avaliação realizada pela

21 Aqui é importante ressaltar o nível superior de hierarquia das leis em relação aos decretos

regulamentares. O processo de elaboração das leis, em contraste com os dos regulamentos, confere às primeiras um grau de controlabilidade, confiabilidade, imparcialidade e qualidade normativa superior aos segundos, ensejando, pois, aos administrados um teor de garantia e proteção incomparavelmente maior.

Secretaria de Educação. Observa-se a contradição em termos quando se estabelece que os eleitos ficam “obrigados” a “aderir” ao contrato de gestão.

A partir de 2003, com a chegada ao comando do Poder Executivo Estadual do líder sindical Wellington Dias22, do mesmo partido político do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política educacional do Piauí passa a ter profunda articulação com as diretrizes e ações do MEC, conforme assinalado pela própria SEDUC como “afinidade de projetos políticos entre o Governo do Piauí e o governo federal” (PIAUÍ, 2005). A SEDUC elege para a realização de suas ações a prática da elaboração de Planos Anuais de Ação e estabelece quatro eixos estratégicos:

Eixo Estratégico I – Democratização do Acesso à Educação Básica Eixo Estratégico II – Elevação do Padrão de Qualidade da Escola Pública Eixo Estratégico III – Valorização dos Profissionais da Educação

Eixo Estratégico IV – Modernização do Sistema de Planejamento, Administração e Articulação Interinstitucional

Para cada um dos eixos estratégicos são definidos objetivos que se desdobram em metas e ações. Numa análise dos Planos de Ação da SEDUC no período de 2004 a 2006 constata-se no Eixo Estratégico II a prioridade dada a institucionalização da gestão democrática por meio da escolha democrática dos gestores; fortalecimento das instâncias de participação da comunidade escolar (conselhos escolares, grêmios estudantis, associações de pais); prática de planejamento e gradativa autonomia administrativa e financeira das escolas.

A implementação de projetos de formação continuada dos gestores escolares da rede pública estadual também perfila entre as ações, com metas de formação também para os gerentes, coordenadores e técnicos das Gerências Regionais de Educação. A análise dos planos do período citado acima evidencia o não cumprimento de muitas metas e ações que vão sendo elencadas nos anos subseqüentes.

A partir de 2007, com o lançamento do PDE pelo governo federal a SEDUC redimensiona os seus eixos estratégicos, acompanhando as linhas de ações e as vinte e oito diretrizes do Compromisso Todos pela Educação do PDE/MEC. A SEDUC passa a orientar os sistemas de ensino a elaborarem o Plano de Ações Articuladas (PAR), com programas e ações da política educacional planejada, objetivando resultados eficientes

22 O governo Wellington Diais compreendeu dois mandatos: de 01 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro

de 2006, e de 01 de janeiro de 2007 a 31 de março de 2010, quando o mesmo renunciou ao cargo para disputar novo mandato eletivo, desta vez para o Senado Federal.

na aprendizagem dos alunos da escola pública, o que repercute na qualidade e sucesso do educando (SEDUC, 2007, p. 1).

A partir de 2008, as ações desenvolvidas passam a ser organizadas em seis novos eixos estratégicos, quatro dos quais presentes no PAR:

a) Democratização do Acesso à Educação Básica; b) Gestão eficiente e democrática da Escola;

c) Práticas Pedagógicas Curriculares Contextualizadas e Significativas; d) Valorização dos Profissionais da Educação;

e) Melhoria da Infra-Estrutura Física e dos Recursos Tecnológicos; f) Modernização e Articulação do Sistema de Ensino.

Com o lançamento do PDE todo o planejamento da política educacional do Piauí assume a metodologia do PAR proposta pelo MEC. O diagnóstico do PAR revela uma situação precária em muitos dos indicadores do PAR. No tocante a gestão educacional o diagnóstico afirma que:

1) O Estado ainda não possui Plano Estadual de Educação aprovado por meio de lei estadual;

2) A escolha dos membros do Conselho Estadual de Educação não é feita de forma democrática e o mesmo não atua junto a SEDUC na formulação das políticas educacionais;

3) O Conselho de Alimentação Escolar (CAE) não exerce o seu papel de órgão de acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos da merenda escolar. Não tem um plano de trabalho e não dispõe de infraestrutura e de pessoal; 4) Os mecanismos de cumprimento do dispositivo constitucional dos recursos da

educação existem, porém, não estão acessíveis à comunidade escolar e não estão inteiramente claros para a sociedade em geral;

5) O Ensino Fundamental de nove anos está em processo de implantação, porém, não houve reestruturação da proposta pedagógica, nem ações de capacitação dos profissionais, adequação de espaços físicos, mobiliários, equipamentos e materiais didáticos e pedagógicos compatíveis com a faixa etária da criança de 6 anos.

Entre as ações de expansão e melhoria da qualidade do ensino, a Secretaria de Educação vem investindo em três principais ações, concorrentes entre si. A implantação do Programa Mais Educação em regime de colaboração com o governo federal e desenvolvido políticas próprias como a Jornada Ampliada e a criação dos Centros

Estaduais de Tempo Integral. Em 2009 foram implantados 14 Centros Estaduais de Tempo Integral, localizados nos municípios de Teresina, Parnaíba, Campo Maior, Regeneração, Oeiras, São Raimundo Nonato e Guaribas, sendo cinco Centros de Ensino Médio, três de Educação Profissional e seis de Ensino Fundamental.

No período investigado, a SEDUC vem dando grande prioridade à implantação de programas do Instituto Ayrton Senna (IAS), como os Programas Acelera, Se Liga e Gestão Nota 10. Dado o tempo ainda recente de implantação desses programas a SEDUC não divulgou uma avaliação dos resultados dessas ações. Pesquisas realizadas em outros estados e municípios que implantaram programas do IAS têm demonstrado que esses programas visam à introdução da lógica gerencial nas escolas em detrimento do princípio legal e constitucional da gestão democrática do ensino.

Segundo Peroni (2008):

Na proposição de seus programas o Instituo Ayrton Senna expõe uma lógica gerencial com um forte viés tecnicista e produtivista, por meio dos seus testes standartizados e das técnicas advindas da administração privada, baseadas em uma qualidade não explícita em seu conteúdo (PERONI, 2008, p. 07).

Ainda para essa autora, nos programas do IAS:

[...] verifica-se a preocupação em estabelecer diálogo com a comunidade escolar. Pelo contrário, o mesmo kit de aprendizagem usado no interior do RS é usado para os índios no Pará, sem qualquer preocupação com os princípios da gestão democrática e curricular (PERONI, 2008, p. 07). A realidade da formação de gestores no Piauí apresenta-se ainda bastante diversificada, tanto no que diz respeito à formação inicial como continuada desses profissionais. O marco regulatório do processo de escolha dos gestores exige apenas formação em nível superior, em curso de licenciatura plena em qualquer área e experiência de dois anos em sala de aula.

O PAR do Piauí aponta uma situação de formação de gestores concentrada na capital, através do Progestão, e cursos desenvolvidos pelo Fundescola. Além de capacitações pontuais desenvolvidas pelo Programa PDE Escola a SEDUC aponta o Programa Escola de Gestores e o Programa Formação pela Escola, este último visa capacitar a comunidade escolar para a melhor utilização dos programas do FNDE, não sendo voltado exclusivamente para a gestão escolar.

Essa tentativa de recuperação da trajetória das políticas voltadas para a gestão educacional nas duas últimas décadas, tanto no Brasil como no Piauí, revela um quadro

marcado pela hegemonia dos organismos de cooperação internacional na definição de diretrizes, orientações e marcos legais e operacionais indutores de reformas educacionais com vistas ao ajustamento da educação à nova ordem econômica mundial. Os sucessivos governos têm priorizado a gestão educacional e escolar como condição fundamental para a elevação da qualidade do ensino e, dessa forma, ensejando um conjunto de programas e ações, na maioria das vezes fragmentadas, superpostas e sem articulação e organicidade entre si, com concepções antagônicas. Dessa forma, predomina no campo da gestão educacional uma dualidade conflitiva entre elementos de participação e ações gerencialistas.