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Políticas de gestão educacional do governo Lula: o que há de novo?

CATÍTULO II RECUPERANDO A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE GESTÃO

2.3 Políticas de gestão educacional do governo Lula: o que há de novo?

Em janeiro de 2003 assume o comando do Estado brasileiro o operário Luis Inácio Lula da Silva. Duas questões preliminares são importantes para contextualizarmos a realidade sócio-política da sociedade brasileira em 2002, que favorece a chegada de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República.

Araújo (2007) aponta o fracasso das políticas de cunho neoliberal da presidência de Fernando Henrique Cardoso como o principal fator de favoritismo do candidato Lula nas eleições de 2002. Com efeito, a vitória de um candidato proveniente das classes populares resultou em grandes expectativas para a população brasileira e principalmente os movimentos sociais que esperavam uma profunda mudança de rota na condução política do País.

Ao iniciar o seu governo o Presidente Lula dá continuidade ao ciclo de reformas do seu antecessor, colocando como norte imediato a aprovação das reformas previdenciária e tributária, empregando toda a sua capacidade de gerar força política para conseguir a aprovação dessas reformas no Congresso (SADER, 2004, p. 74).

Sob o argumento da necessidade de manter a governabilidade e garantir base parlamentar para aprovação dos seus projetos no Poder Legislativo, o governo construiu um leque variado de alianças políticas que:

[...] incluía a grande maioria do PT, os partidos que se haviam aliado no primeiro e no segundo turnos, mais outros que foram se somando – dos quais o mais importante é o PMDB -, um apoio geral na grande mídia, especialmente pelos elementos de continuidade com o governo anterior – tanto a política financeira quanto as duas reformas e o tom moderado dos

discursos do presidente. No plano externo, o governo Lula passou a contar com o apoio dos organismos multilaterais – entre eles o FMI e o Banco Mundial -, apontado como exemplo de combate à pobreza sem abandono das políticas de ajuste fiscal. As críticas eram localizadas, com a oposição – dentro da esquerda e na direita tradicional – isolada (SADER, 2004, p. 80).

O programa para a educação do candidato Lula, denominado “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, estabelecia três diretrizes gerais: a) democratização do acesso e garantia de permanência; b) qualidade social da educação; c) instauração do regime de colaboração e da democratização da gestão. Essas três diretrizes principais iam ao encontro das reivindicações dos movimentos sociais organizados do campo da educação, que, não tendo interlocução efetiva na Presidência de Fernando Henrique Cardoso, tinham como desaguadouro natural das suas demandas o Partido dos Trabalhadores (PT).

A rotatividade dos titulares do MEC15 imprimiu orientações e prioridades diferentes nas políticas educacionais do governo Lula, caracterizando um movimento zigue-zague nas ações, como descrito por Cunha (2009)16. No entanto, no que pese esse movimento ambíguo, em linhas gerais e no que se refere às questões de fundo, a orientação política do governo Fernando Henrique Cardoso foi mantida no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo tendo sido tomadas medidas que alteram substancialmente alguns aspectos da regulamentação da LDB, não se constatou ruptura (SAVIANI, 2008, p. 10). Essa avaliação é também compartilhada por Oliveira (2009) segundo a qual, o primeiro mandato do presidente Lula foi marcado, no campo educacional, muito mais por permanências, que rupturas em relação ao governo anterior.

Para essa autora:

Tendo sido herdeiro de uma reforma educacional de longo alcance e complexidade, que durante os dois mandatos do governo que o precedeu – FHC – mudou os rumos da educação brasileira do nível básico ao superior, restava a esse governo re-reformar a educação ou conservar e manter iniciativas anteriores. A opção parece ter sido pelo segundo caminho (OLIVEIRA, 2009, p. 198).

A ação política do governo federal no primeiro ano de mandato foi marcada pela prioridade dada à democratização do acesso à escolarização e a implantação da qualidade social da educação, com ênfase absoluta no Programa Toda Criança

15 A partir de 2003 o Ministério da Educação teve três ministros: Cristovam Buarque de 01/01/2003 a

27/01/2004, Tarso Genro de 27/01/2004 a 29/07/2005 e Fernando Haddad de 29/07/2005 até o momento.

16 Para maiores detalhes ver Cunha (2009), As Políticas Educacionais entre o Presidencialismo Imperial e

Aprendendo (BRASIL, 2004, p. 09). No tocante a gestão educacional e escolar não há iniciativas novas e a ênfase é dada ao Programa Fundescola em execução desde o governo anterior pelo FNDE.

Em 2004 foi aprovada uma nova estrutura organizacional e regimental para o MEC com a criação de novas secretarias, departamentos e coordenações setoriais. A então Secretaria de Educação Fundamental transforma-se em Secretaria de Educação Básica. Algumas áreas, historicamente marginalizadas nas ações ministeriais, como a alfabetização e a diversidade ganham status de Secretaria17.

Nesse período o MEC estabelece quatro eixos de ação para a educação básica: a) Redefinição e ampliação do financiamento da educação básica;

b) Inclusão social;

c) Democratização da gestão;

d) Formação inicial e continuada dos profissionais da educação.

A democratização da gestão é definida como um dos eixos prioritários de atuação, entendida como processo político-pedagógico e administrativo por meio do qual se orienta, organiza e viabiliza a prática social da educação, devendo ser, portanto, compartilhada por todos os que compõem a comunidade local e escolar (BRASIL, 2006, p. 19).

Verifica-se que nesse período o MEC demonstrou abertura política ao diálogo com os vários segmentos do campo educacional, em especial os educadores, por meio de entidades científicas e sindicais, propiciando espaços institucionais para que os diversos atores participassem da definição das políticas públicas de educação. Nesse sentido, o reconhecimento das reivindicações históricas do movimento dos educadores em prol da gestão democrática, bem como a necessidade de materializar esse princípio constitucional nos sistemas de ensino e nas escolas, constituíram algumas das fortes razões que induziram o MEC a inscrever na sua agenda de prioridades à ampliação dos espaços de participação nas escolas de educação básica (AGUIAR, 2008, p. 131).

Três programas de alcance nacional, com público-alvo e metodologias diferenciados, foram desenvolvidos pelo MEC, visando apoiar os sistemas de ensino e escolas na democratização da gestão. São eles o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, o Programa de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho) e o Programa Escola de Gestores da Educação Básica.

O Pró-Conselho propõe-se a ampliar a capacidade de entendimento e de atuação dos conselheiros municipais de educação para uma gestão democrática dos sistemas de ensino e para consolidar a autonomia dos municípios no gerenciamento de suas políticas educacionais. Esse programa foi estruturado tendo como ações principais a criação de um Sistema de Informações dos Conselhos Municipais de Educação (SICME) e a realização de encontros estaduais de capacitação dos conselheiros municipais.

O Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares visa fornecer subsídios a prática político-pedagógica de todos os membros da comunidade escolar e também aos técnicos dos sistemas de ensino em relação à atuação dos conselhos escolares com o objetivo de ampliar as discussões sobre a importância desses órgãos colegiados. A metodologia de ação do programa envolve a realização de encontros estaduais de formação, realização de curso de extensão a distância e distribuição de kits de cadernos para a formação de conselheiros em cursos efetuados pelos estados e municípios. Aguiar (2008), ao analisar a estratégia de implementação desse programa pela SEB/MEC, ressalta como aspectos importantes do programa a ênfase dada nos textos dos Cadernos Temáticos aos temas que tratam de participação, democracia e cidadania, escolha direta de diretores, relacionados à construção do Projeto Político- Pedagógico da escola. Para essa autora o Programa vem favorecendo,

no âmbito das redes públicas de ensino, a compreensão de que o Conselho Escolar pode ser construído de forma coletiva, como um lugar de participação e decisão de caráter pedagógico e político, como um espaço de debate e negociações em torno das necessidades e prioridades da escola e como um canal de democratização da gestão escolar (AGUIAR, 2008, p. 141).

Ainda sobre esse Programa Dourado (2007) afirma que:

constitui-se em um avanço importante frente ao pragmatismo das políticas do governo para a gestão escolar. Ao mesmo tempo, ao disputar espaço com programas financiados pelo Banco Mundial, estruturados sob forte égide gerencial, pode vir a ser secundarizado nas políticas e gestão das escolas no país (p. 937).

O Programa Escola de Gestores, como já mencionado no primeiro capítulo, tem como um dos seus princípios básicos o pressuposto de que a formação dos gestores escolares é fator fundamental para o alcance da democratização da gestão. Dessa forma, esse programa articula-se aos Programas de Fortalecimento dos Conselhos Escolares e Pró-Conselho (BRASIL, 2006). Ressalta-se também que esses três programas atendem às diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação.

Mesmo com um conjunto diversificado de ações voltadas para a melhoria da educação básica em todo o País, os resultados das avaliações nacionais e internacionais realizadas vinham colocando o Brasil em posições vexatórias perante a comunidade internacional. Como uma forma de “dar uma resposta” tanto à comunidade nacional como à comunidade internacional e aos organismos de cooperação multilateral, tendo em vista os acordos internacionais de que o Brasil é signatário, a Presidência da República lança em 2007 um plano para a educação, denominado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

Esse plano foi lançado no início do segundo mandato do governo Lula, incluindo um conjunto de novos programas, como programas já em andamento desenvolvidos pelo MEC. Seus programas podem ser organizados em torno de quatro eixos norteadores: educação básica, educação superior, educação profissional e alfabetização (BRASIL, s/d, p. 15), tendo como “objetivo principal e declarado atacar o problema dos baixos níveis da qualidade do ensino” (SOUSA, 2009, p. 01).

O lançamento do PDE teve ampla repercussão dos meios de comunicação, sendo, no entanto, alvo de inúmeras críticas por não ter sido submetido à análise e discussão dos movimentos e entidades do campo educacional (SAVIANI, 2009; CNTE, 2008). Um outro ponto de críticas foi o fato de não levar em conta as metas e objetivos estabelecidos no Plano Nacional de Educação e secundarizar esse plano, que se constitui numa política de Estado para a educação nacional e ainda em plena vigência.

Por meio do PDE, o MEC vem promovendo uma “reorientação” no cumprimento da sua função redistributiva e supletiva, no que se refere à assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Seus eixos principais, estabelecidos por meio do Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, são o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Plano de Ações Articuladas (PAR).

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação estabelece 28 (vinte e oito) diretrizes que incidem tanto sobre o trabalho dos professores, suas práticas pedagógicas em sala de aula e o trabalho dos demais profissionais da escola, como diretrizes que implicam novas ações administrativas e pedagógicas por parte dos sistemas e redes de ensino, bem como diretrizes que dependem da articulação com os entes federados. O cumprimento das 28 diretrizes, de acordo com o Decreto nº 6.094, será feito por meio do IDEB. Esse índice desenvolve uma engenharia matemática de cálculo, que combina dados de fluxo como aprovação, evasão e repetência, com o

desempenho dos alunos na Prova Brasil18. O PAR é um planejamento de caráter plurianual construído com a participação dos gestores e educadores locais, baseado em um diagnóstico de caráter participativo, elaborado a partir da utilização do Instrumento de Avaliação de Campo, que permite a análise compartilhada do sistema educacional em quatro dimensões: gestão educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, práticas pedagógicas, avaliação e infra-estrutura-física e recursos pedagógicos (BRASIL, s/d. p. 25).

O PDE desenha um novo formato de relacionamento institucional do MEC com os entes federativos, o que, nas palavras do Ministro Fernando Haddad, “inaugura um novo regime de colaboração”. Com efeito, a execução desse plano promove profundas alterações na gestão educacional e escolar. A partir do lançamento do PDE todas as transferências financeiras voluntárias da União aos Estados e Municípios passaram a ser condicionadas à adesão dos entes federativos ao Compromisso Todos pela Educação, com a elaboração do respectivo Plano de Ações Articuladas.

Sousa (2009), em análise sobre a implementação do PDE, afirma que o processo de assistência técnica aos municípios foi marcado por uma heterogeneidade de modos e critérios de preenchimento do PAR no SIMEC19, fruto de distintas orientações que recebiam as equipes que saíam a campo, comprometendo tanto o processo de elaboração como a análise (SOUSA, 2009, p.14). O autor identificou alguns problemas no processo interno do MEC de análise dos Planos de Ações Articuladas, que comprometem a capacidade institucional do Ministério em atender as demandas dos entes federativos:

1) O processo de análise é feito a partir de dados estatísticos do Censo Escolar 2006, gerando divergências entre o preenchimento feito pela equipe municipal, que possui os dados atuais da rede, e a equipe de análise do MEC com dados desatualizados;

2) O processo não leva em conta a real capacidade de atendimento dos setores fins das Secretarias do MEC;

3) O trabalho não envolveu o quadro de servidores efetivos do Ministério. As atividades são realizadas por consultores contratados por organismos internacionais, universidades públicas e CENPEC (SOUSA, 2009, p.14)

18 Aplicada pela primeira vez em 2005, é uma avaliação universal aplicada aos alunos de 4ª e 8ª séries que

avalia habilidades em Língua Portuguesa e matemática.

No que se refere especificamente à gestão escolar, algumas diretrizes do Decreto nº 6.094/2007 trazem novos horizontes e concepções. Entre elas estão:

XVI – envolver todos os professores na discussão e elaboração do projeto político pedagógico (...);

XVII – incorporar ao núcleo gestor da escola coordenadores pedagógicos que acompanhem as dificuldades enfrentadas pelo professor;

XVIII - fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor de escola;

XIX – divulgar na escola e na comunidade os dados relativos à área de da educação, com ênfase no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB (...); (BRASIL, 2008).

Werle (2009), em análise sobre o PDE, assinala a ausência de referências ao princípio constitucional da “gestão democrática do ensino público” (CF art. 206) e a sua substituição pelo termo gestão participativa. Ao explicitar as diferenças conceituais e semânticas dos termos citados a autora afirma que:

[...] gestão democrática do ensino público tem outros desdobramentos especialmente focalizando a representatividade dos segmentos da sociedade civil, a possibilidade de esses profissionais participarem na tomada de decisões e a importância do trabalho coletivo. Gestão democrática do ensino público acena para uma dimensão político-pedagógico-participativa, enquanto gestão participativa tem uma ênfase eminentemente operacional e

programática de manutenção da infra-estrutura escolar e principalmente de

controle (WERLE, 2009, p. 108, grifos nossos).

De acordo com o Decreto nº 6.094/07, a eleição de diretores, uma das estratégias de democratização da gestão escolar e uma antiga e histórica reivindicação dos educadores é eliminada. A nomeação do diretor de escola, com o PDE, deve considerar mérito e desempenho e não ser pautada por escolha direta pelos membros da comunidade escolar.

A principal ação voltada para a melhoria da gestão escolar é o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) que, como já foi destacado, tem como substrato teórico uma concepção gerencial, que não se harmoniza com o Projeto Político-Pedagógico. Esse programa, antes com abrangência restrita as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, passa a ser estendido a todas as escolas do País.

Dessa forma, tanto no marco regulatório como nos seus programas, o PDE induz os sistemas de ensino e escolas a uma “nova gestão educacional”, pautada por uma lógica meritocrática, divergente com os princípios democráticos constantes tanto na Constituição Federal como na LDB.

A seção seguinte analisa e discute o paradigma da gestão democrática da educação com destaque para os desafios da sua implementação no contexto atual da sociedade brasileira.

2.4 A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO: DAS NORMAS LEGAIS AOS