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Os anos 1930: os primeiros passos para a construção de um Sistema Nacional

CAPÍTULO I A FORMAÇÃO DE GESTORES ESCOLARES NO BRASIL: DOS

1.3 Os anos 1930: os primeiros passos para a construção de um Sistema Nacional

Todo esse movimento social e político de grande efervescência ideológica da década de 1920, aliado a fatores sociais, históricos e políticos, resultou na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência da República. Na educação a expressão mais visível desse conjunto de movimentos sociais políticos e ideológicos que se iniciaram na década de 20 foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932 por um grupo diversificado de intelectuais da sociedade.

Dirigido ao povo e ao governo, o Manifesto dos Pioneiros de 32, como ficou conhecido esse documento, constitui-se na mais nítida expressão da tomada de consciência da problemática educacional do País. Redigido por Fernando de Azevedo e tendo entre os seus signatários Anísio Teixeira e Lourenço Filho, esse documento propunha a reconstrução educacional no Brasil, traçando as linhas gerais de um plano de educação.

O Manifesto tece uma crítica radical à fragmentação e desarticulação das reformas educacionais realizadas até aquele momento no País; a falta de espírito filosófico e científico na resolução dos problemas da administração escolar e a consequente falta de visão global do problema educativo.

Quanto à formação de professores o Manifesto faz uma crítica ao tratamento diferente e descuidado dado à formação de docentes, propondo uma cultura múltipla e diversa para os educadores. Nessa área particular o Manifesto caracteriza-se ainda pela defesa da elevação do nível de formação dos professores, até então realizado no nível secundário (escolas normais) para instituições superiores. Afirma que:

Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades

ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

O Manifesto dos Pioneiros de 32 foi lançado num momento em que o quadro sócio-político e a estrutura pedagógica dos cursos de formação de professores encontravam-se ainda num processo inconcluso de definições. As reformas estaduais da década anterior introduziram mudanças as mais diversas na estrutura curricular e na duração dos cursos entre os vários estados. A organização pedagógica, o funcionamento e as condições de oferta dos cursos revelavam, entre outros aspectos importantes, um forte dualismo e diversificação na oferta, com a existência de escolas normais primárias e escolas normais secundárias, separação em ciclos de formação geral e profissional e escolas normais rurais.

No que se refere à gestão dessas instituições, desde o final do Império foram criadas inúmeras escolas normais de iniciativa privada e municipal que foram importantes no processo de expansão do ensino normal, principalmente no interior do País. Importante destacar nesse aspecto que o número de escolas públicas, mesmo no período de expansão da década de 1930, não superou o número de escolas normais particulares, que eram criadas principalmente por iniciativa de ordens religiosas ligadas à Igreja Católica.

Os anos de 1930 inauguram também um período de crescente urbanização e transformações econômicas e sociais. O País passa de um modelo agrário exportador dependente para um modelo econômico baseado na substituição de importações, consolidando a nascente industrialização. Com esse cenário aumenta a necessidade de maior escolarização, principalmente para os trabalhadores, o que requer um conjunto de medidas concretas, visando garantir a escolarização das massas. No âmbito do governo federal delineiam-se as primeiras ações basilares para a construção de um Sistema Nacional de Educação. No início do governo de Getúlio Vargas, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), que teve como seu primeiro titular Francisco Campos, que conduzira a reforma educacional em Minas Gerais na década anterior. Até aquele momento a administração da educação no âmbito federal restringia- se a departamentos no Ministério da Justiça.

No governo provisório de Getúlio Vargas também são implementadas medidas de caráter normativo, visando garantir organicidade e princípios de unidade à educação nacional. Ainda em 1931 foi publicado o Estatuto das Universidades Brasileiras, que criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, no interior desta, um setor

responsável pela formação de professores para curso secundário. Como nos lembram Gatti e Barreto (2009) até então esse trabalho era exercido por profissionais liberais ou autodidatas, no entanto, é importante considerar que o número de escolas secundárias, bem como o número de alunos, era bem pequeno (GATTI; BARRETO, 2009, p. 37).

Com as iniciativas políticas de expansão do ensino a partir da década de 1930, começam a ser oferecidos cursos regulares de aperfeiçoamento e formação de administradores. A criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) em 1938 foi de grande importância nesse sentido. Esse órgão passou a contemplar as necessidades de qualificação de pessoal para a administração escolar, oferecendo cursos para diretores e inspetores de ensino dos Estados (TANURI, 2000, p.74).

Com a nova normatização federal dada às universidades, algumas instituições de formação de professores foram elevadas a nível superior. O primeiro a elevar a formação para o nível superior foi o Instituto de Educação do Distrito Federal, criado em 1932. Em 1935 foi criada a Universidade do Distrito Federal, sendo o Instituto de Educação uma de suas unidades, tendo entre seus fins o de prover a formação do magistério em todos os seus graus e ramos. Considerando as dimensões territoriais do Brasil e o aumento da demanda por escola essas ações se mostraram pontuais e inexpressivas. Na prática as universidades criadas vão assumindo circunstancialmente e secundariamente a formação de professores.

Em 1937 o Presidente Getúlio Vargas, com um golpe de Estado, instala um regime autoritário que se autodenomina Estado Novo, que vigorou até 1945. Logo em seguida impôs uma Constituição outorgada como ordenamento legal do Estado Novo. Em matéria educacional essa Constituição representou um grande retrocesso suprimindo grande parte dos direitos e garantias da Constituição de 1934, que teve grande influência dos educadores liberais.

No período do Estado Novo a tecnocracia getuliana, representada principalmente pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, formulou e executou reformas de caráter centralizador, materializadas nas Leis Orgânicas do ensino. Também chamadas de Reforma Capanema, as Leis Orgânicas constituíram-se num conjunto de decretos-lei baixados durante o Estado Novo e a última em 1946, que regulamentou o ensino normal, já após o término desse período político da história brasileira. Ao todo foram seis decretos-lei que ordenavam o ensino primário, secundário, industrial, comercial, normal e agrícola. Para Guiradelli Jr. (2000) “foi uma reforma elitista e conservadora, e

só não incorporou todo o espírito da Carta de 37 porque vingou já nos anos de liberalização do regime, no final do Estado Novo”.

De acordo com Tanuri (2000), as Leis Orgânicas ampliaram a reduzida articulação existente no ensino brasileiro, na medida em que relacionaram o primeiro ciclo da escola secundária com todas as modalidades de segundo ciclo, inclusive a normal. Apenas o segundo ciclo do ensino secundário, que se dividia entre o clássico e o científico, conduzia às universidades. No caso do curso normal, a articulação somente ocorria com alguns cursos das Faculdades de Filosofia. Essa organização hierárquica e vertical do ensino criou um caminho “natural” que, devido às melhores condições salariais e de status dos professores dos níveis secundário e superior, passou a ser seguido pelos professores primários de um modo geral. Como afirma Tanuri (apud Mello, 1985), “o professor primário ia do ensino das crianças ao ensino dos adolescentes”.

O modelo pedagógico definido para a formação de docentes para o curso secundário estruturou-se tendo como base a formação de bacharéis. Dessa forma aos que pretendiam atuar no magistério acrescentava-se um ano com disciplinas da parte específica da educação, incluindo a Didática, metodologias e Prática de Ensino, num esquema que se tornou clássico e ficou conhecido como esquema 3 + 1. Gatti e Barreto (2009) nos lembram que esse modelo foi aplicado também ao curso de Pedagogia, regulamentado em 1939, destinado inicialmente a formar bacharéis ou especialistas em educação e, complementarmente, formar professores para as Escolas Normais, os quais tinham também, por extensão e conforme portaria ministerial, a possibilidade de lecionar algumas disciplinas no ensino secundário.

Sobre a gênese do curso de pedagogia Brzezinski (2006) a identifica nos cursos pós-normais realizados nas antigas escolas normais. Quanto à qualidade acadêmica desse curso e dos demais cursos de formação de professores, eram orientados por um pragmatismo funcional, carentes de fundamentação teórica e sem vocação para a pesquisa o que “gerou uma situação peculiar bastante contraditória: a pedagogia foi transformada em um campo prático” (BREZEZINSKI, 2006). Dessa forma:

O professor assim formado passava a dominar métodos e técnicas adequados à prática docente, mas não se aprofundava em estudos da pedagogia como área de saber, isto é, não buscava a teoria elaborada por meio da pesquisa, como se fosse possível separar o indissociável: teoria e prática (BRZEZINSKI, 2006, p. 42).

Com um padrão formativo mais de caráter profissional, vai se expandindo a oferta do curso de pedagogia tanto nas instituições públicas como particulares. Esse curso, juntamente com a escola normal, permaneceu em águas calmas até o advento da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961.

Ao final da década de 1930 tem-se um desenho do quadro da estruturação/reestruturação das estruturas administrativas da educação, tanto no âmbito federal como no âmbito dos Estados e como das estruturas formativas de docentes, técnicos e administradores escolares.

Esse processo de reformas, que teve início ainda na década de 1920, no âmbito dos Estados e posteriormente ganhou contornos nacionais, é descrito por Saviani como um processo que se deu em duas direções reciprocamente dependentes entre si:

De um lado trata-se da organização da burocracia estatal no âmbito do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação assim como dos órgãos federais e estaduais, sejam eles integrantes dos anteriores como as Secretarias e Departamentos do Ministério e as Delegacias, Coordenações e Departamentos das Secretarias de Educação, sejam complementares ou autônomos como o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, os Centros Brasileiro e Regionais de Pesquisas Educacionais, a Fundação Nacional do Livro, a Fundação de Assistência ao Estudante, os Conselhos de Educação etc.; de outro lado trava-se da formação dos agentes para operar essa cada vez mais extensa e complexa máquina burocrática. Para atender a essa segunda exigência institui-se, no âmbito das reformas Francisco Campos, pelo Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, o Estatuto das Universidades Brasileiras que previa a implantação de Faculdades de Educação, Ciências e Letras que, ao serem implementadas, acabou por prevalecer a denominação Filosofia, Ciências e Letras. A essa faculdade coube a tarefa de formar os professores das diferentes disciplinas das escolas secundárias, criando-se, em seu interior, o curso de Pedagogia, com a incumbência de formar professores das disciplinas específicas do Curso Normal bem como os “técnicos de educação” (SAVIANI, 2007, p. 28).

Esse é o cenário político administrativo da educação brasileira que vigorou até o início da década de 1960. Novas modificações são introduzidas a partir desse período com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, como será discutido na sessão seguinte.

1.4 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ADMINISTRADORES ESCOLARES A