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Escalas temporais e espaciais atômico-moleculares são muito menores que as macroscópicas. Os tempos típicos de colisões moleculares de um gás na tempe- ratura ambiente são da ordem de 10-10 segundos, extremamente menores que os

mais rápidos instrumentos de medida que podemos construir. Durante a medição de alguma propriedade (a temperatura ou a pressão, por exemplo), por menor que

3 O físico norte-americano de origem norueguesa Lars Onsager enunciou o teorema da reciprocidade, base da termodinâmica dos processos irreversíveis, pelo qual ganhou o Prêmio Nobel de Química de 1968. Pela sua importância e generalidade, o teorema é frequentemente reconhecido como quarta lei da termodinâmica.

seja o tempo que levamos para medi-la, os átomos e moléculas daquele corpo pas- sam por um número extremamente grande de modificações: colidem umas com as outras, giram, vibram, mudam suas posições e velocidades (a velocidade média das moléculas do ar na temperatura ambiente é de cerca de 1.800 km/h, o que corres- ponde a cerca de 10 bilhões de colisões por segundo, por molécula!). Pela enor- me diferença entre a nossa escala e a dos átomos e moléculas, somos incapazes de perceber tantas coordenadas, e, do ponto de vista macroscópico, o sistema é caracterizado por poucas variáveis (temperatura, pressão). A consequência disso é que medidas macroscópicas necessariamente são médias temporais de estados microscópicos: a pressão, por exemplo, é relacionada a uma espécie de média das transferências de quantidade de movimento resultante das colisões moleculares que ocorrem em uma determinada área.

A média reduz o número de variáveis. Considere uma relação de alturas de 100 pessoas (100 informações). Se tomarmos a média dessas alturas, a informação fica reduzida para um único número. Necessariamente ocorre perda de informa- ção quando se toma uma média. A imensa maioria das informações microscópi- cas é perdida, quando se faz uma medida macroscópica. Mas a perda não é total. Algumas coordenadas microscópicas conseguem sobreviver macroscopicamente, digamos assim, e podem ser medidas. O volume é um exemplo, que é um reflexo macroscópico das distâncias intermoleculares. A distinção entre coordenadas que sobrevivem ao processo de média e coordenadas que ficam, de certo modo, ocul- tas pelo valor médio, serve-nos para diferenciar trabalho de calor. Trabalho é uma transferência de energia para coordenadas microscópicas sobreviventes, corres- ponde a uma transferência de energia de modo coerente: em um gás, é possível transferir energia resultando no aumento das distâncias intermoleculares médias, o que vai se manifestar macroscopicamente no aumento do volume, no trabalho de expansão. Calor é uma transferência de energia para coordenadas não sobre- viventes, uma transferência de modo incoerente: é possível transferir energia resultando no aumento das velocidades médias das moléculas do gás e o reflexo macroscópico disso é o aumento na sua temperatura.

A diferença entre as escalas micro e macroscópicas é consequência do gi- gantescamente grande número de Avogadro, cerca de 6,02 x 1023, que é o número

de moléculas em um mol4 de substância (em 18 gramas de água, p. ex.). Para ilus-

4 Este número foi determinado pelo físico francês Jean Baptiste Perrin (1870-1942), mostrando definitiva- mente a natureza atômica da matéria, pelo que ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1926. Perrin homena- geou o cientista italiano Amedeo Avogadro (1776-1856), dando-lhe seu nome à constante.

trar como é grande esse número, imagine um experimento hipotético, concebido por Kelvin, no qual seja possível identificar as moléculas de água contidas em um copo. Jogamos esse copo d’água ao mar, e, após elas se misturarem uniformemen- te em todos os oceanos da Terra, enchemos novamente o copo, com água retirada do oceano. Surpreendentemente, esse volume deve conter da ordem de 100 mo- léculas daquelas que lançamos ao mar!

Caos

A mecânica é formulada com equações diferenciais cuja variável indepen- dente é o tempo, denominadas equações do movimento: a segunda lei de Newton, – Força = massa x aceleração (F = ma). Essa lei diz como as coordenadas (posições e velocidades) variam no tempo. A esse conjunto de equações (pode haver várias equações, uma para cada partícula) deve-se acrescentar condições iniciais, que são valores conhecidos dessas coordenadas, em algum instante de tempo (usualmente chamado instante inicial). Com isso, a integração das equações diferenciais leva a funções que descrevem as trajetórias das partículas. As equações diferenciais são determinísticas: as mesmas condições iniciais resultam sempre nas mesmas traje- tórias. Para que o sistema possa ser resolvido, é necessário conhecer-se todas as condições iniciais.

Tomemos como exemplo ilustrativo um pêndulo simples: uma corda de mas- sa desprezível, presa no teto através de uma articulação idealmente sem atrito,5

com uma pequena massa presa em sua extremidade. Colocamos esse pêndulo a oscilar, soltando-o a partir de um ângulo inicial, e medimos, através de um dispo- sitivo apropriado, a velocidade quando a massa passa no seu ponto mais baixo. Repetimos esse experimento algumas vezes, sempre soltando a massa com o mes- mo ângulo inicial. As medições de velocidade provavelmente não serão idênticas, em consequência de erros experimentais, mas devem ser muito próximas umas das outras, e podemos tomar o valor médio dos resultados que obtivemos como o valor mais provável para a velocidade do pêndulo, em sua posição mais baixa. Isto ocorre porque, apesar de não ser possível repetir os vários experimentos par- tindo exatamente do mesmo ângulo inicial, pois sempre vai haver alguma diferen- ça nas diversas montagens, essa diferença é, em geral, mínima e imperceptível, e

5 Movimentos mecânicos são sempre acompanhados de efeitos térmicos nos corpos vizinhos, por ação do atrito, exceto em relação ao movimento dos corpos celestes.

não altera significativamente o resultado final. Pequenos desvios nas condições iniciais não são amplificados e levam a pequenos desvios nas condições finais – o sistema é insensível às condições iniciais.

Tornando o que falamos um pouco mais quantificável, denominemos por Dx a distância entre as duas condições iniciais – não necessariamente uma distância física, em um espaço tridimensional, mas algo que expresse o quão diferente são os dois experimentos: uma distância no espaço de fases. Dx deve ser pequeno, sim- bolizando experimentos arbitrariamente próximos. Em um sistema ordenado, Dx decresce com o tempo. Para sermos mais precisos, decresce exponencialmente com o tempo, ou seja,

Dx(t) = Dx(t0)elt (1)

(Dx(t0) é a distância no tempo inicial t0), onde l < 0 (l deve ser negativo em um sistema ordenado) é um parâmetro característico do sistema, conhecido como expoente de Lyapunov.6 A equação diferencial que corresponde ao decaimento

exponencial é

(2)

Entretanto existem sistemas que apresentam expoente de Lyapunov positi- vo (l > 0), nos quais pequenos desvios nas condições iniciais levam a grandes des- vios nas condições finais: o sistema é extremamente sensível às condições iniciais. Essa característica leva à perda de reprodutibilidade, e o sistema é imprevisível, caótico. Caso fosse possível repetir com infinita precisão as mesmas condições iniciais, o resultado seria idêntico, e, por isso, trata-se de um caos determinístico.

Cada conjunto de condições iniciais é representado por um ponto no espaço de fases. A impossibilidade experimental de repetir exatamente esse ponto faz o es- paço de fases ser representado por células, ou grãos, que correspondem ao nosso limite de precisão. O caos surge pela granulação grosseira desse espaço (em inglês diz-se coarse graining). A sensitividade exponencial às condições iniciais faz que o es- paço de fases seja totalmente visitado durante uma medida macroscópica (isso leva

6 Essa é uma visão simplificada do quadro, pois, a rigor, existem, ou podem existir, vários expoentes de Lyapunov. Mas esse detalhe pode ser desconsiderado, para o que queremos ilustrar, e estamos tomando l como sendo o máximo dos expoentes de Lyapunov.

à satisfação da chamada hipótese ergódica, que será definida na seção seguinte). Um sistema com expoente de Lyapunov positivo tem um espaço de fases maior que ou- tro sistema com l < 0, e consequentemente maior entropia. Essa relação permite que a entropia possa ser interpretada como uma medida de desordem.

A moderna teoria do caos teve início nos trabalhos do matemático e físico francês Jules Henri Poincaré (1854-1912). Interessado em questões relacionadas à estabilidade do sistema solar, Poincaré mostrou que é possível haver órbitas não pe- riódicas em um sistema com apenas três corpos, trabalho pelo qual ganhou um prê- mio do Rei da Suécia, em 1887. A teoria do caos permaneceu adormecida por muito tempo, tendo sido retomada a partir dos anos 60 do século XX, com os trabalhos do matemático e meteorologista norte-americano Edward Lorenz (1917-2008).