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CAPÍTULO II – O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

4 Ministério Público e o Poder Judiciário

Mesmo tendo conhecimento de que o Ministério Público não faz parte do Poder Judiciário, percebemos que ocorrem dúvidas por parte dos cidadãos quanto à localização do mesmo na estrutura do Estado brasileiro.

A organização do MP é feita em níveis de atribuição e em correspondência com a divisão de competências do Poder Judiciário, citando como exemplo o fato de o MP e o Poder Judiciário não terem mais férias coletivas: “depois que acabaram as férias coletivas, não foi uma medida bem pensada. Atrapalhou muito, muito o funcionamento do Judiciário e do MP.

Até a OAB que mais defendeu o fim das férias coletivas. Hoje ela já mudou de idéia”. (E 13) E ainda, por mais que essa organização do MP seja feita em níveis de atribuição e tenha

correspondência com a divisão de competências do Poder Judiciário, um Promotor entrevistado faz uma crítica quanto ao fato de o poder Judiciário não ter uma vara ou tribunal somente para a educação:

Agora se o Tribunal de Justiça resolver criar uma vara específica para tratar de questão educacional, isso é uma decisão do Tribunal de Justiça. Nós temos duas Promotorias de Educação e, no entanto não existe uma Vara da

Educação (grifo nosso), porque não existe uma vara especializada. Pode ser

que no futuro a questão educacional ganhando tanta relevância que amanhã o Tribunal decida, estou aventando uma hipótese, resolva criar uma nova Vara para a educação. (E 14)

Os integrantes do MP têm a clara visão de um sistema de justiça e de que “realmente o poder de julgar não é do Ministério Público. O Ministério Público ele tem uma feição de movimentar, de provocar o Judiciário” (E 09). Entretanto, para os cidadãos comuns contatamos que o sistema de justiça não é compreendido em sua totalidade.

trata de ter acesso à Justiça, muitos falam que é o mesmo de ter acesso ao Judiciário. Isso observamos também na fala de um Promotor entrevistado. Em sua fala constatamos que o mesmo entende que os cidadãos “acreditam mais no MP do que na justiça” (E 07). Depreendemos que esse entrevistado pretendia dizer “acreditam mais no MP do que no Poder Judiciário”:

Eu acho que eles [alunos e professores] acreditam mais no Ministério Público que na justiça. [...] porque a justiça é morosa, a justiça não dá uma resposta imediata. [...] E elas não acreditam que na justiça elas vão ter restituídas a cidadania ou o amor próprio. Elas acreditam que só no Ministério Público elas vão conseguir. (E 07)

Observamos que ao longo de sua fala, esse mesmo Promotor atribui esperança na justiça e no ingresso de novas pessoas com novos perfis no MP. Depreendemos que há também uma confusão entre acesso à justiça e acesso ao Poder Judiciário:

Há uma grande esperança na justiça. É que tem muita gente nova no Ministério Público e no Judiciário com ideais, pessoas que ainda têm ideais, pessoas que captam e atendem. E é uma caixa de ressonância: a gente capta e dá ressonância a sociedade os anseios dela. (E 07)

A partir de 1988 debates que outrora não eram discutidos tornam-se temas abordados igualmente nos meios jurídicos. Segundo Sousa Junior, um dos debates contemporâneos, não apenas no Brasil, mas em muitos países ocidentais, é também o papel do Poder Judiciário na democracia. Para o autor,

[...] a pergunta básica: é possível então, em uma sociedade democrática, um Judiciário conservador? Incapaz, portanto, de assimilar, reinventando-se, formas democráticas e participativas de mediação para conflitos e para o reconhecimento dos direitos novos, instituídos permanentemente na experiência democrática? A resposta, obviamente, é não. Não é possível uma democratização plena da sociedade se uma de suas instituições essenciais se conserva como modelo instrumental resistente, porque ele se tornará obstáculo à própria mudança (SOUSA JUNIOR, 2003, p.02).

Arantes (1999) destaca que o Ministério Público brasileiro está passando por um importante processo de reconstrução institucional que, associado à normatização de direitos coletivos e à emergência de novos instrumentos processuais, “tem resultado no alargamento do acesso à Justiça no Brasil e, em especial, na canalização de conflitos coletivos para o âmbito judicial” (Arantes, 1999, p.82).

Alguns Promotores entrevistados expressaram suas opiniões sobre o Poder Judiciário e observamos que muitos o caracterizaram como moroso, em oposição a um

Ministério Público ágil:

[...] quando a gente entra com mandado de segurança, com uma liminar, nisto a gente consegue uma resposta, mas em via de regra é uma resposta que diz respeito a um universo pequeno. É nesta questão que a gente fica preso, de não conseguir que a máquina judicial dê a resposta. (E 04)

Entretanto, houve um Promotor entrevistado que acredita que o MP e o Poder Judiciário são rápidos, principalmente no Paraná, Santa Catariana e no Distrito Federal para atuação relacionada à infância e juventude.

Tirando o sul: Paraná, Santa Catarina, DF também [...] tanto o Judiciário como o MP são muito rápidos. Então lá há prioridade absoluta para eles é outra coisa. O DF acordou também para isto: Tem uma estrutura boa. (E 08)

Para o Promotor entrevistado (E 10) a atividade judicial é lenta se for comparada à atividade extrajudicial. A atividade extrajudicial no MP é caracterizada como uma nova atividade e com a vantagem de ser mais rápida. Nas Promotorias especializadas em Educação do DF as atividades extrajudiciais tiveram resultado também:

Uma atividade nova e eu pude perceber que a atividade extrajudicial do Ministério Público, às vezes ela surte bem mais resultado até mesmo que a própria atuação judicial que embora surta resultado também, mas é uma atividade que demora mais. Tem a morosidade do Poder Judiciário

quando se trata de atividade judicial (grifo nosso). (E 10)

Talvez porque o MP aciona o Poder Judiciário exista a compreensão de que o Ministério Público seja parte do Poder Judiciário. No nosso entender, essa confusão ocorre porque o MP integra o sistema de Justiça do país, possui muitas Promotorias localizadas fisicamente nos Fóruns de Justiça e mantém uma estrutura e nomenclatura semelhante a do Poder Judiciário.

É uma confusão, é uma confusão. [...] A sociedade espera do Ministério Público como órgão do Poder Judiciário. [...] nós não somos do Poder Judiciário. Nós atuamos juntos ao Poder Judiciário. Primeiro, porque nós

não somos Poder Judiciário. Nós não decidimos nada. (grifo nosso) A

decisão judicial, se ela veio tem que cumprir. A decisão judicial é a ordem de um Poder. [...] Tem que cumprir uma decisão judicial. Não tem discussão. (E 10)

O fato de o Ministério Público estar muitas vezes está situado fisicamente nas dependências dos Fóruns, no próprio Poder Judiciário, dificulta a compreensão dos cidadãos de que esse órgão não pertence a esse Poder. Na fala de um entrevistado, isso é um incômodo:

Daqui quatro meses, se Deus quiser e a Terra e todos também, saio daqui, do Fórum. Teremos nossa sede própria. O Ministério Público é um órgão. [...] órgão auxiliar ao Poder Judiciário. Na verdade, nós não somos o Poder Judiciário. [...] o que temos no máximo são prerrogativas para encaminhar ao Judiciário. (E 05)

Entretanto, essa não é a preocupação de todos Promotores entrevistados. Para Promotor entrevistado (E 14), o fato de uma Promotoria estar localizada fisicamente dentro de um Fórum de Justiça não interfere para que os cidadãos pensem que o MP seja o Poder Judiciário: “Isso é uma questão física, não interfere em nada”. Para esse Promotor, no MP não há juiz e o MP tem sua estrutura de Promotorias vinculadas às varas do Poder Judiciário. Entretanto esse mesmo Promotor se contradiz ao longo de sua fala ao explicar que se o cidadão não tiver um conhecimento prévio sobre o Poder Judiciário e sobre o MP ele não compreenderá o papel do Promotor, do juiz, nem os procedimentos ao participar de uma audiência e nem entenderá que “[...] no Ministério Público não tem juiz” (E 14).

Para um entrevistado a situação de confusão a respeito da localização do MP como pertencente ao Poder Judiciário vem de uma tradição: “É que é assim: tradicionalmente a função do MP, ele era ligado ao Executivo, não ao Judiciário” (E 13). Compreendemos que mudar uma tradição, não acontece de forma rápida. Por mais que se tenham novas leis, que fortaleceram a autonomia do MP, isso não aconteceu no imaginário dos cidadãos.