• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E O DIREITO À

1 O papel do Estado na compreensão de políticas públicas

1.1 O Estado brasileiro: movimentos e legislação

O Estado Brasileiro assume características de casos de um não-desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social. Conforme Aureliano e Draibe, o Estado Brasileiro apresenta no mínimo um tipo anômalo de formação e implementação dos sistemas de proteção social. As autoras entendem que no nosso país há uma ausência de organização da política social com “a multiplicidade das contribuições e fundos sociais, uma fragmentação da máquina administrativa, marcada por superposições e pela pouca transparência do gasto social” (Aureliano e Draibe, 1989, p.87). Compartilhamos dessa visão, sobretudo ao entendermos que as políticas públicas educacionais são políticas sociais.

Segundo Mendonça, o Estado Brasileiro é marcado por ordenamentos patrimonialistas. Esse autor, utilizando-se do referencial weberiano, lembra que o patrimonialismo é “uma forma de organização social baseada no patrimônio, uma forma tradicional de organização da sociedade, inspirada na economia e no poder doméstico50 e baseada na autoridade santificada pela tradição” (Mendonça, 2000, p.50). E considerando o Estado patrimonial como uma categoria para análise da gestão democrática do ensino público entende que o “Estado brasileiro herdou a tendência para o gigantismo, o centralismo e a função empreendedora de produtor da riqueza da Nação” (idem, p. 52).

Há valores autoritários que presidem as relações sociais brasileiras e se incrustaram em nossa cultura desde os tempos coloniais. A Constituição Federal de 1824 refletia valores de uma cultura escravagista e uma rígida estratificação da sociedade brasileira. O tratamento dado à educação nesta Constituição é “reduzido e reproduz o entendimento da _____________

50

Mendonça entende esse poder doméstico, como de satisfação das necessidades pessoais, de ordem privada, da família do chefe da casa (MENDONÇA, 2000, p. 51)

época em que a educação ficava a cargo, preponderantemente, da família e da Igreja” (Maliska, 2001, p.21).

Azevedo (2004) destaca que a Constituição do Império não forjou o reconhecimento da escolaridade das massas e poucos foram considerados cidadãos plenos ou ativos, em relação ao usufruto de seus direitos políticos. Essa Constituição garantia apenas a instrução primária e gratuita, deixando claro que o escravo era ainda uma coisa e uma propriedade particular.

O caráter laico e descentralizado do ensino surge com a Constituição de 1891. Maliska (2001) afirma que a Constituição de 1824 e a de 1891 têm a forma de Estado e de Governo diferentes, porém o paradigma liberal continuou o mesmo. Após a Primeira Guerra Mundial, emerge no Brasil a problemática educacional com mais vigor. Novos grupos surgiram com votos do povo instruído, porém dirigir a nação ainda era tarefa para as elites.

Um dos fatos marcantes na história da educação no Brasil ou marcos que refletem a polarização entre o público e o privado na educação brasileira como na década de 30, foi a laicidade presente no Manifesto dos Pioneiros. Houve ainda campanhas de alfabetização e pela universalização do ensino primário. A influência de John Dewey na educação é percebida e relatada por Freitag, pois

A educação exigida por Dewey vem a ser uma doutrina pedagógica específica da sociedade democrática. Educação não é simplesmente um mecanismo de perpetuação de estruturas sociais anteriores, mas um mecanismo de implantação de estruturas sociais ainda imperfeitas: as democráticas. (FREITAG, 1986, p.19)

A Constituição Federal de 1934, segundo Maliska (2001) deixou a tradição liberal democrática da primeira Constituição Republicana para aproximar-se da tradição de Weimar, ou seja, novos títulos relativos à ordem social, econômica, familiar, educacional, cultural foram anexados, bem como contribuições relativas aos direitos sociais. Essa Constituição estabelece “a necessidade de um Plano Nacional de Educação, que coordene e supervisione as atividades de ensino em todos os níveis” (idem, p.50).

Com a Constituição de 1937, o Brasil viveu sua experiência sob um regime fascista. Essa Constituição, de espírito autoritário propõe a relevância do poder executivo. Freitag relembra que

Com o auxílio de certos grupos militares (tenentes) e apoiados pela classe burguesa, Vargas assume o poder em 1930, implantando, em 1937, o Estado Novo, com traços ditatoriais. Isto significa que a sociedade política invade

áreas da sociedade civil, subordinando-as ao seu controle... A política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e sua implantação. Essa política visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas. (idem, p. 50-52)

A Assembléia Nacional Constituinte, tomando por base a Constituição de 1934, cujos reflexos são sociais e democráticos, promulgou a quinta Constituição Brasileira. A Constituição Federal de 1964 apresenta pela primeira vez o fato de a União legislar sobre as diretrizes nacionais da educação e leis orgânicas do ensino por setor. Há também o embate da iniciativa privada x ensino público.

Conforme Freitag, o Estado será um mediador dos novos interesses depois no período pós-guerra. O período de 45-60 é marcado pela aceleração e diversificação do processo de substituição de importações: é o Estado popular-desenvolvimentista. Surge o capital estrangeiro, “que pelo menos na fase de euforia desenvolvimentista, não é percebido como um inimigo do projeto nacional-desenvolvimentista” (idem, p.55).

A Constituição de 1967 foi precedida de diversos atos jurídicos antidemocráticos que se iniciaram com o golpe ocorrido em março de 1964. Consideramos que essa Constituição foi um verdadeiro retrocesso democrático. A Constituição de 1969 elimina diversas expressões democráticas de seu texto, pois o regime militar muda o panorama da sociedade. Em 1971, há falta de vagas nas universidades e movimentos estudantis dos excedentes, fazendo passeatas e reivindicações.

Behring e Boschetti ao analisar os caminhos da política social no Brasil destacam “o processo contraditório da ditadura militar, que moderniza setores da sociedade e no mesmo passo cria as condições para o seu próprio ocaso: gerou a maior concentração operária do mundo – ABCD paulista – e assalariou os profissionais de nível superior” (Behring e Boschetti, 2006, p.15). Segundo as autoras, na ditadura militar pós-64 constatamos um processo de modernização conservadora. Isso foi traduzido pela industrialização e urbanização aceleradas e modernização do Estado brasileiro, propiciando uma expansão das políticas sociais que eram centralizadas nacionalmente. Entretanto, as autoras afirmam que o que ocorreu na verdade foi o agravamento das contradições sociais do país.

Alguns movimentos em prol da educação acontecem em 1978, 1981 e 1983: educação especial para pessoas portadoras de deficiência, a aposentadoria especial para professores e definição de um percentual mínimo de aplicação dos recursos orçamentários em educação respectivamente. Em 1985, o ensino profissionalizante tem seus dias contados. Há um processo de redemocratização do país pelo desgaste do poder militar. A Assembléia

Constituinte é convocada: houve a participação organizada da sociedade por comissões, subcomissões, audiências públicas, iniciativa popular. Emendas foram apresentadas forçando os educadores a se organizar.

A Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal Brasileira de outubro de 1988, em seu Preâmbulo institui um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, bem como a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, disposta a solucionar de maneira pacífica as controvérsias. A educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados são os direitos sociais estabelecidos pela Constituição em seu Art. 6, Capítulo II, Título II.

Para Telles a concepção universalista de direitos sociais foi incorporada muito tardiamente na legislação brasileira e “é uma referência fundadora de uma modernidade democrática que prometia enterrar de vez 20 anos de governos militares” (Telles, 2006, p. 173). A Constituição Federal de 1988 procurou englobar, à época, a demanda dos educadores organizados. Segundo Mendonça,

[...] a Carta de Goiânia, fruto principal da IV Conferência Brasileira de Educação, que organizou a mobilização de educadores no ordenamento da educação brasileira a ser incluída na Constituição Federal de 1988, propugnou pelo controle da execução da política educacional pela sociedade civil nos níveis federal, estadual e municipal. (MENDONÇA, 2000, p.16)

A Constituição Federal de 1988 apresenta o princípio de direito público e subjetivo. Direito cuja grandeza está em ser inerente ao sujeito51 e não ofertado a ele por nenhum poder externo. Somos sujeitos de direitos52. Entramos no paradigma do Estado Democrático de Direito. Compreendemos que há não apenas homens sujeitos de direitos, mas há sujeitos coletivos de direito. Esses sujeitos de direito surgem da “ação coletiva dos novos sujeitos sociais, [...] em configuração determinada pelos processos sociais e os direitos novos que elas enunciam” (Sousa Junior, 2002, p.47).

Entendemos que há pactos e declarações internacionais importantes no que se refere ao direito à educação e que nossos diplomas legais são também avançados, na medida _____________

51

Para definir sujeito de direito, Habermas (2002) afirma que tudo aquilo que pode ser biologicamente definido como espécie humana deve ser considerado como uma pessoa em potencial, titular de direitos fundamentais: “[...]tout ce qui peut être biologiquement défini comme spécimen humain doit être regardé comme une personne potentielle, titulaire de droits fondamentaux” (HABERMAS, 2002, p. 51).

52

O entendimento de direitos individuais, difusos e coletivos nos auxiliaram a compreender o homem como um sujeito de direitos.

em que estabelecem o cidadão, mesmo sendo criança ou adolescente, como sujeito de direito. Estevão (2006) compreende que a universalização favorecida pela educação transforma a escola em um fórum público a que todos devem ter acesso e os seus atores em “autores ou sujeitos de direito.

Alguns anos após a promulgação da CF de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA53 ratificou o tripé: Estado/Família/Sociedade no dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à educação e cabe ao Ministério Público inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas relacionados às crianças e aos adolescentes. O ECA consagrou uma conquista enorme ao tornar-se um instrumento que aponta para direitos e deveres que podem inclusive subsidiar políticas públicas de Estado.

Vieira destaca que na América Latina acontece a quase predominância do estado de direito democrático prevalecendo, no campo jurídico-político, uma democracia formal. Para esse autor, estados de direito democrático ou as democracias formais, “estão instalados em sociedades muito pouco democráticas” (Vieira, 2007, p.107).

Esse autor define como sociedade democrática “aquela na qual ocorre real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões, havendo, portanto real participação deles nos rendimentos da produção” (idem, p.134). Participar dos rendimentos da produção envolve não só mecanismos de distribuição da renda, mas, sobretudo níveis crescentes de coletivização das decisões principalmente nas diversas formas de produção.

Assim, inclusive sociedades pouco democráticas possuem estados de direito democrático, segundo Vieira. Edificam-se estados de direito democrático em sociedades limitadas em suas manifestações e interesses, com forte presença autoritária, na prática política e na própria cultura. Isso acontece porque as sociedades passam por sérias transformações econômicas, que as levaram, nos últimos dez ou quinze anos, a uma política econômica com política social direcionada a cuidar momentaneamente de indigentes, de maneira focalizada, dispersa e seletiva. Aparecem programas e diretrizes, relacionados com a política social, que em si revelam somente pretensões de uma política social. Quase sempre não se concretizam apenas se transformam em programas e diretrizes para serem exibidos à sociedade, sem intervenção nela, porque não têm função de modificá-la.

_____________ 53

Vieira define que “um Estado de Direito efetivamente exercido se sustenta em certos princípios válidos em qualquer país onde a liberdade prevalece sobre a autoridade” (Vieira, 2007, p. 130). São princípios: o império da lei, a divisão de poderes, a legalidade da administração e a garantia dos direitos e liberdades individuais. Segundo esse autor, o mais perfeito e seguro “sustentáculo” do Estado de Direito é a sociedade democrática.

Nesse sentido o Estado de direito, pode ser compreendido como uma via média entre a negação dos “extremos políticos” do absolutismo e da soberania popular (Fioravanti, 1999, p. 143). O Estado democrático de direito assinala uma tensão entre a democracia e o constitucionalismo, pois se a democracia vem legitimar o poder de quem foi chamado a representar o povo soberano, o constitucionalismo limita esse poder, estabelece condições fixas para seu exercício. De certa maneira, temos a SEEDF cujos responsáveis pelos seus órgãos centrais são pessoas nomeadas pelo governador, eleito democraticamente no DF e temos o MPDFT, cujos operadores do direito surgem para limitar esse poder de quem veio representar o povo soberano.

Lyra Filho afirma que os direitos subjetivos históricos não são “os buraquinhos intrasistemáticos dum ordenamento normativo, cuja plenitude, dita hermética, só admite liberdades como sobejo de restrições sem limites” (Lyra Filho, 1984, p. 14). Os direitos subjetivos surgem, na sociedade civil, pela conscientização, cada vez maior das pessoas, classes, grupos e povos.

Não basta termos um Estado Democrático de Direito como lei e um Estado real54 com características patrimonialistas, em que o público e o privado são, muitas vezes, compreendidos como doméstico.