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Modelo de Desenvolvimento da Participação Desportiva

2.1 Formação esportiva em longo prazo: as competições como componentes do processo

2.1.2 Modelo de Desenvolvimento da Participação Desportiva

O Modelo de Desenvolvimento da Participação Desportiva (MDPD) desenvolvido por Côté (1999), Côté e Fraser-Thomas (2007), Côté e Hay (2002), defende que o esporte na juventude deve promover a participação esportiva continuada, benefícios para a saúde e desenvolvimento psicossocial por meio da prática do esporte. Essa concepção de desenvolvimento esportivo partiu de uma série de entrevistas retrospectivas sobre a carreira de atletas de diferentes modalidades, no contexto da América do Norte, e propõe três possíveis

trajetórias de participação esportiva, que perpassam diferentes estágios de desenvolvimento do atleta ao longo dos anos (CÔTÉ; FRASER-THOMAS, 2007; CÔTÉ; STRACHAN, FRASER- THOMAS, 2008). A figura 8, representa os diferentes estágios propostos por Côté (1999) e como se dá a transição entre as possíveis trajetórias da carreira esportiva.

Figura 8 – Modelo de Desenvolvimento da Participação Desportiva - MDPD – (CÔTÉ; FRASER-THOMAS, 2007)

Fonte: MENDES (2017).

O primeiro estágio de participação esportiva, chamado de anos de experimentação, compreende o período entre os seis e os 13 anos de idade e enfatizam a diversão pelo esporte, sendo os pais responsáveis por suscitar o interesse e permitir que eles experimentem diversas atividades prazerosas sem foco no treino intenso.

O segundo estágio, anos de especialização, é caracterizado por atletas entre 13 e 15 anos de idade. Neste momento, o envolvimento em várias atividades é gradualmente reduzido para focar em uma ou duas atividades esportivas específicas e o desenvolvimento das habilidades esportivas emergem, mesmo tendo a diversão ainda como elemento central da experiência.

Por volta de 15 anos de idade, os atletas chegam aos anos de investimento, período no qual há um maior comprometimento em alcançar um alto nível de desempenho em uma única atividade esportiva; neste caso, o foco passa a ser nas características e estratégias competitivas e do desenvolvimento de habilidades do esporte em questão (CÔTÉ, 1999).

A partir desses estágios, o MDPD sugere três etapas na trajetória de desenvolvimento do atleta: durante os anos de experimentação (6-12 anos) a criança participa de uma variedade de atividades esportivas com um caráter mais recreativo, que podem ser mantidas durante os anos de recreação (ou participação) (13+ anos) ou direcionadas para a performance nos anos de especialização (13-15 anos) e anos de investimento (16 + anos). Essas etapas são chamadas de participação recreacional por meio da experimentação, desempenho de elite por meio da experimentação e desempenho de elite através da especialização precoce (CÔTÉ E FRASER- THOMAS, 2007).

Os estágios do MDPD são coerentes com as teorias gerais do desenvolvimento da criança e do adolescente e promovem tanto o desempenho esportivo como a participação continuada e o desenvolvimento pessoal para todos os envolvidos no esporte. Integram-se, nesse sentido, os vários resultados esperados – a performance, a participação e o desenvolvimento pessoal – com foco nos processos e no ambiente (CÔTÉ; VIERIMAA, 2014). São ancorados nos conceitos de jogo deliberado e prática deliberada, que marcam a transição entre eles. Enquanto os anos de experimentação são caracterizados por alta frequência de jogos deliberados e baixa frequência de prática deliberada, durante os anos de especialização existe um equilíbrio entre ambos e nos anos de investimento existe uma alta frequência de prática deliberada (CÔTÉ, 1999).

O jogo deliberado é a atividade esportiva que envolve práticas físicas intrinsecamente motivadas, promove satisfação e maximiza o prazer pela prática; é regulado pelas regras do desporto institucionalizado, porém adaptadas e monitoradas pelas crianças ou adultos envolvidos nas atividades. Ele permite que as crianças joguem com menos equipamentos, em qualquer espaço, com qualquer número de jogadores de diferentes idades e tamanhos, e isso possibilita a liberdade de experimentar diferentes movimentos e a oportunidade de improvisar, inovar e responder estrategicamente, além de aperfeiçoar habilidades que não poderiam ser praticadas em situações organizadas e completamente controladas (CÔTÉ; BAKER; ABERNETHY, 2007).

A prática deliberada vem do conceito produzido por Ericsson, Krampe e Tesch- Römer (1993), em uma pesquisa sobre o alto desempenho em diferentes atividades, e é definida como qualquer treino que exija esforço físico e cognitivo, realizado com o propósito de desenvolver

habilidades a fim de melhorar o desempenho. Além disso, essas atividades possuem características definidas, sistematizadas e repetitivas, com detecção e correção de erros (CÔTÉ, BAKER E ABERNETHY, 2007). Podemos visualizar um paralelo entre jogo e prática deliberada na tabela 1:

Tabela 1 – Diferenças entre o Jogo Deliberado e a Prática Deliberada.

Jogo deliberado Prática deliberada

Feito em causa própria Feito para alcançar um objetivo futuro

Prazeroso Não necessariamente prazeroso

Descompromissada Levado a sério

Interessado no processo Interessado no resultado do processo

Flexível Regras rígidas

Envolvimento adulto não é necessário Envolvimento adulto é necessário Ocorre em diversos locais Ocorrem em instalações especializadas

Fonte: Adaptado de Côté, Baker e Abernethy (2007). (Tradução nossa)

Percebemos que no MDPD (Figura 8) o início da trajetória esportiva se dá com os anos de experimentação, nos quais existe a diversificação de modalidades praticadas, assim como de atividades dentro de um mesmo esporte, de forma bastante lúdica, por meio da predominância do jogo deliberado. Diversos fatores podem levar a criança iniciante a optar por manter o caráter lúdico das atividades e se inserir nos chamados anos de recreação, ou adentrar nos anos de especialização, nos quais a quantidade de prática deliberada se equilibra com os jogos e o foco passa a ser um ou dois esportes. Nesse caminho do desempenho, o adolescente segue para os anos de investimento com foco na performance de elite (CÔTÉ; HAY, 2002).

É importante ressaltar que pode existir também um movimento horizontal entre as trajetórias: nada impede que um atleta que se encontra, por exemplo, nos anos de especialização possa optar por não mais seguir a carreira de desempenho e permanecer participando do esporte com intuito recreativo apenas. Além disso, o abandono da prática esportiva pode acontecer em qualquer estágio, o que é apontado pelos autores como algo errado que aconteceu durante o processo, e que acabou impedindo o alcance dos objetivos do programa esportivo (CÔTÉ; HAY, 2002; CÔTÉ E FRASER-THOMAS, 2007).

Figura 9 – Possíveis trajetórias entre os estágios de participação esportiva

Fonte: Adaptado de Côté e Hay (2002). (tradução nossa)

Outra possibilidade de trajetória é o desempenho de elite através da especialização precoce. Neste caminho, percebemos que há uma alta quantidade de prática deliberada, com foco em um só esporte buscando desde os primeiros anos de prática o desempenho. Há evidências que esse processo pode ser efetivo no desenvolvimento de atletas de elite, porém, diversos resultados negativos podem acontecer, como a diminuição do prazer pela prática, lesões, redução da saúde do atleta e um desenvolvimento psicossocial não tão positivo quanto poderia ocorrer, caso houvesse a fase dos anos de experimentação (CÔTÉ, 1999; CÔTÉ; HAY 2002, CÔTÉ; BAKER; ABERNETHY, 2007, CÔTÉ; FRASER-THOMAS, 2007).

Citamos, como exemplo, a própria ginástica rítmica, em que é possível obter sucesso em termos de rendimento por meio da especialização precoce, porém o custo para o alcance do alto nível nesse tipo de trajetória parece alto e tem sido altamente criticado (LAW; ERICSSON; CÔTÉ, 2007). Estudos apontam que o treinamento estruturado e a seleção precoce, uma vez que se baseiam na prática deliberada com foco no desempenho, vão contra a motivação das crianças, principalmente porque nesse modelo existe orientação para a vitória, comparação social e uma relação com o abandono da prática. E, apesar de levar ao desempenho de elite, há esgotamento emocional e lesões, o que limita a duração das carreiras dos atletas (BARREIROS; CÔTÉ; FONSECA, 2013).

Entretanto, mesmo com essas evidências, em esportes como a ginástica feminina e a patinação artística, nos quais a idade de desempenho máximo tende a ser muito jovem, os atletas são requisitados a se especializar precocemente para alcançar o alto nível (CÔTÉ; FRASER- THOMAS, 2007). Nesse caso, é necessário um cuidado extremo com o programa de

treinamento, que deve sempre considerar o desenvolvimento físico, psicológico, cognitivo e social da criança.

Independentemente do caminho que o atleta irá percorrer em sua trajetória de desenvolvimento, para que o esporte se torne um fenômeno importante na vida da pessoa, os primeiros anos de envolvimento com a prática esportiva devem promover para além do desenvolvimento de habilidades, o desenvolvimento social, moral e pessoal. Para isso, a prática do esporte competitivo deve se afastar dos valores do esporte adulto, inclusive no que diz respeito aos modelos de competição, e o cenário competitivo na infância deve ser ajustado às demandas e necessidades de aprendizagem do público jovem (LEONARDO, 2018).

Leonardo, Galatti e Scaglia (2017) desenvolveram o Modelo de Participação Competitiva, a partir de relações entre o Modelo de Desenvolvimento da Participação Esportiva (CÔTÉ, 1999; CÔTÉ; FRASER-THOMAS, 2008), e o Sistema de Classificação para Programas Esportivo (WIERSMA, 2005). Citamos ainda a Engenharia Competitiva (BURTON; GILLHAM; HAMMERMEISTER, 2011) como um modelo de modificação das competições para jovens, que balizados pelo MDPD, buscam engajar o praticante, melhorando o envolvimento pessoal e promovendo relacionamentos sociais positivos por meio do esporte (LEONARDO, 2018).

Dessa forma, apresentamos nos próximos tópicos as estruturas teóricas que propõem alterações no ambiente de competições de jovens, com princípios pedagógicos que buscam envolvimento e engajamento dos praticantes no esporte e serviram de referência para este estudo.