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7 PESQUISA DE CAMPO – DO CAMINHO CONHECIDO

7.3 Análise dos documentos ou das fontes secundárias

7.3.2 Modelo de Negócios

A Microcity consolidou-se como uma empresa diferenciada das demais, no momento em que definiu seu Modelo de Negócios, reafirmando sua singularidade. “Alguns fornecedores tinham uma postura por demais amadorística – para não dizer desleal. Eles chegavam ao ponto de vender, constantemente, gato por lebre. Não era raro o caso de venda de equipamento novo, lacrado – e, quando o cliente recebia o produto, via que o computador já havia sido usado. Como muitos desses fornecedores estavam no mercado para fazer dinheiro rápido: era um grande risco confiar na conduta de grande parte do mercado”. (NACIF, 2001: 29).

Tudo indica que o seu diferencial vem do Modelo de Negócio – a idéia de locação e assistência técnica e não só de venda e não apenas assistência técnica. Esse

Elementos para análise

O ambiente de negócios na Área de Tecnologia da Informação, descrito no livro da Microcity, mostra um “vale tudo”, que é característico das áreas pioneiras, seja na conquista de territórios geográficos (como ocorreu na expansão colonial européia a partir do século XVI), seja nas “corridas do ouro” metafóricas como têm sido a implantação dos ambientes informatizados nos séculos XX e XXI. Nesses ambientes, imperava a pirataria – aqueles originais que saqueavam os galeões espanhóis – e aqueles que copiaram e copiam tecnologias até hoje. A incerteza e desconfiança, os golpes financeiros, desaparecimentos repentinos de atores no cenário empresarial são a tônica.

A capacidade de não se pautar por esses comportamentos é mostrada no relato da história da empresa. Vislumbrar, como elemento sustentador de permanência do negócio no longo prazo, o estabelecimento de relações confiáveis, vendendo mais do que equipamentos e serviços.

parece ser um importante ponto de inflexão nos negócios da Microcity, como salienta Girard (2005): “Há 20 anos, os irmãos José Francisco Nacif e Luis Carlos Nacif, na época donos de uma pequena revenda de computadores, observaram que várias empresas estavam deixando de manter frotas próprias de veículos para usar automóveis alugados. Por que não fazer o mesmo com computadores? O tempo mostrou que eles estavam certos. A Microcity cresceu oferecendo equipamentos e, posteriormente, soluções para empresas que desejam concentrar-se no foco de seus negócios.” (GIRARD, 2005: 41)

Esse estudo de caso analisa estratégias comerciais e as Soluções de Tecnologia da Informação, oferecidas pela Microcity, bem como os produtos Macro Point, Macro Print, Macro Server, Macro IP Communication, entre outros.

Em 1988, aguardando a anunciada queda da reserva do mercado de informática no Brasil, Luis Carlos e José Francisco já discutiam como criar um modelo de negócio para dar sustentabilidade à Microcity a longo prazo. O quadro econômico que se vivia à época mostrava que a atividade tradicional de compra e venda não representava mais garantia de sobrevivência. Com a entrada dos grandes fabricantes multinacionais, estava claro que a competitividade iria aumentar – ao mesmo tempo em que as margens de lucro cairiam nas mesmas proporções. (NACIF, 2001:51).

É importante analisar que o Modelo de Negócio da Microcity, coincidentemente, foi lançado um mês depois

O livro com a história da Microcity mostra as bases do que mais tarde foi chamado de Modelo de Negócios e que vinha sendo implantado desde o início das atividades. O mapeamento das agruras dos clientes num ambiente de negócios volátil e pouco confiável, a busca de fornecedores com garantia de qualidade do produto e criação de relacionamentos comerciais duradouros. A Microcity simplesmente antecipava o que hoje é uma preocupação de muitos empresários: o outsourcing representava criar modelos que adicionassem valor à venda. A mudança do paradigma de se ter a propriedade do equipamento para a simples locação representou uma quebra na visão vigente. É verdade que, embora desejosos de mudança e de agregar valor, os empresários mantinham suas premissas: possuir equipamentos equivalia à segurança e ainda imobilização de ativos.

A Microcity deveria vender o conceito de que alugar era uma boa opção, tanto nos aspectos financeiros quanto nos aspectos de segurança, de flexibilidade, de tranqüilidade. A idéia foi sendo reformulada, pensada em 1988, amadurecida em 1989, finalmente se transformou em realidade em 1990. E com grande sucesso.

Neste estudo, não serão feitas análises estratégias, de negócios ou comerciais, nosso foco dirige-se ao entendimento de como o conhecimento se originou, na dinâmica de compartilhamento do saber, particularmente, o conhecimento de natureza tácita, pois já existe uma declaração inicial de que a empresa surgiu de idéias, de intuições, de pressentimentos, embora alicerçados por uma visão racional e financeira muito consistente.

Evidente que essas intuições surgiram no ambiente de negócios da época, do contexto de ebulição e de desbravamentos de jovens que trabalhavam nas garagens de suas famílias, como muitos casos que ocorreram no Brasil e no mundo.

Muitos autores, representantes da visão da empresa baseada no conhecimento, têm “como pressuposto o entendimento de que empresas são comunidades

do confisco do governo Collor. Coincidência, golpe de sorte, ou intuição? Quando houve o confisco da poupança, e o brasileiro se viu com o dinheiro preso por decreto presidencial, a Microcity já estava fazendo a operação de locação há dois anos, sempre reinvestindo. A empresa estava totalmente capitalizada, todo o seu dinheiro estava investido nas máquinas, para aluguel. A decisão de sair da revenda e entrar na área de locação e assistência técnica, ou outsourcing, foi também uma decisão numérica, porque a venda não dava lucro, havia muita concorrência. Trata-se de uma evolução natural, como decorrência da evolução do mercado, segundo o que se pode depreender da leitura dos documentos. Uma combinação de intuição e racionalidade, o que se ajusta bem às características pessoais de seus fundadores.

sociais cujo principal papel é administrar seu conhecimento de forma mais eficiente do que seus competidores”. (OLIVEIRA, 2001:121)

Essa teoria baseada no Conhecimento, ainda emergente, não é ainda uma Teoria da Firma, explorada por vários autores, entre os quais podem-se citar Grant, Cyert & March, Nelson & Winter, Analisados In Oliveira, 2001. Não se entrará em análises estratégicas, o foco será no estudo da cognição empresarial, no aspecto particular do conhecimento tácito.

Os pesquisadores que analisam as “comunidades de prática” focalizam por este ângulo, evidenciando que a prática compartilhada ao longo do tempo habilita os participantes a desenvolverem uma perspectiva comum e a entenderem o seu trabalho em uma comunidade informal. (DUGUID; BROWN; SEELY, In: OLIVEIRA, 2001).

A Microcity credenciou-se pela confiabilidade, pela segurança na relação comercial, pelo entendimento do problema dos clientes e por sua solução com rapidez, o que já está presente nas histórias contadas quase como anedotas:

Eu tinha feito um conserto, estava tranqüilo, sabia que a máquina não tinha mais problema, certeza absoluta. (...) Aí, o cliente liga (...) dizendo que a máquina tinha dado um problema de papel. Acontece que a reclamação não era absurda – o sensor de papel tinha problema, estava mesmo danificado. O que a gente tinha feito era trocar o sensor, limpar máquina, testar bastante... (...) e o cliente dizendo: “Você me devolveu a máquina sem funcionar!”“ Não, não devolvi, e perguntei dando volta: “Vamos começar tudo de novo. Primeiro você vai abrir a tampa da máquina; depois, os pressionadores, pega o papel... aliás, tira esse papel e coloque outro.” No que eu falei tira esse papel e coloque outro o cara entregou: “Mas que papel? A máquina tá sem papel!Oh, meu filho! Você vai me desculpar...” E ele continuou cliente, ele sempre voltou. Mas é assim mesmo. A gente conquista dessa forma.(...). (NACIF, 2001:78-9)

Nesta, e em outras histórias, evidencia-se que o usuário/cliente tinha de ser ouvido, entendido e atendido, pacientemente, como parte do processo.

A Microcity vem amadurecendo o seu Modelo de Negócio, deixando cada vez claro que cabe às empresas cuidarem da sua atividade-fim, a fim de garantir o seu lucro, deixando os seus problemas tecnológicos aos seus cuidados (da Microcity).