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7 PESQUISA DE CAMPO – DO CAMINHO CONHECIDO

7.1 A preparação para a jornada

Autores afirmam que é importante, nas pesquisas em ciências sociais, observar os sujeitos, não em situações artificiais, isoladas, mas na perspectiva de um contexto social cotidiano. A realidade existe em diferentes níveis sistemáticos; as coisas podem não ser como parecem, e é esse olhar que garante que o mundo da realidade social não seja substituído por um mundo fictício, não-existente, criado pelo observador cientifico.

A observação direta no trabalho de campo permite, segundo Latour (1997), praticar uma ignorância respeitosa diante do informante, o verdadeiro ator, respeitando o que ele denomina como a “metalinguagem desordenada que se mistura intimamente à prática”. Latour passou dois anos mergulhado na desordem heterogênea e confusa do Laboratório de Neuro- endocrinologia do Instituto Salk, na Califórnia, “disposto a conhecer a aventura de uma descoberta científica e estudar os pesquisadores como se fossem uma tribo exótica101”.

Ele narra suas primeiras impressões, quando de sua chegada ao Laboratório:

Cheguei ao Instituto Salk. Vi apenas casamatas de concreto. (...) Na esplanada de mármore vazia, desenhada pelo arquiteto Khan, encontrei-me diante de uma mistura de templo grego e mausoléu. Apresentado a Jonas Salk, vi-me diante de um sábio. Disseram-me que para todos os norte-americanos médios este sábio, o homem da vacina contra a poliomielite, é a própria imagem do saber – como Pasteur, o homem da raiva, na França. De que me fala Jones? De Picasso e da mulher do Minotauro102

que ele atualmente abriga em seu labirinto. (LATOUR, 1997, 13)

101 “Pode-se dizer que para estudar os Bantus é preciso nascer bantu? Que para falar de magia é preciso não

apenas ser iniciado, como também acrescentar aos rituais de magia algum comentário, alguma explicação? (...) Se for preciso que os sociólogos e etnógrafos estejam familiarizados de nascença ou por diploma com as sociedades que estudam e que não acrescentem qualquer comentário às linguagens que recolhem a conclusão, então, é que todas as ciências humanas devem ser jogadas fora” (LATOUR, 1997:26)

102 A mulher do Minotauro, Ariadne, do mito de Teseu, apaixonada, segura o cordão da vida de modo que o

homem possa encontrar o seu caminho depois de sua missão heróica. O mito do Labirinto, ou o Dédalo, como já apresentado no preâmbulo deste trabalho. Interessante Latour se referir desta maneira inesperada ao grande cientista Jonas Salk, mais preocupado em falar de labirintos e de arte, em vez de seus experimentos. Mais à frente, Latour vai se referir ao princípio organizador, que ele compara ao fio de Ariadne, que guia o observador no labirinto em que reinam o caos e confusão.

A referência ao Minotauro, ao mito do Labirinto de Dédalo, é uma feliz coincidência à metáfora inicialmente usada neste trabalho para representar os tortuosos e sinuosos caminhos de qualquer tentativa de descoberta. Essa imagem é recorrente em Latour (1999) na obra “A Esperança de Pandora”, quando estuda a relação entre a floresta e a savana na Amazônia. Num dos capítulos “Um labirinto de humanos e não humanos, No labirinto de Dédalo103, (...)” “ele fala desta coisa curva, avessa à linha reta, engenhosa, mas falsa, bonita”.

...os gregos distinguiam o caminho reto da razão e do saber cientifico, “episteme”, da vereda tortuosa e esquiva do conhecimento técnico, “metis”. Agora que vimos quão indiretas, erráticas, mediadas, interconectadas e vascularizadas são as sendas percorridas pelos fatos científicos, poderemos descobrir uma genealogia diferente também para os artefatos técnicos. (LATOUR, 1999: 201)

Latour relata o longo percurso feito em suas pesquisas no Instituto Salk, suas observações na posição de um observador “estranho”; seus primeiros relatos surgem na desordem, não sabia o que observava, nem o nome dos objetos, viu-se diante de seu caderno de notas, registrando, buscando alguns bolsões de ordem para organizar o fluxo de impressões. No seu diário de campo, começou a produzir “informação ordenada”, redigindo relatórios, a princípio frágeis, incompletos. Segundo ele,

Os interlocutores não deixavam de soterrá-lo sob uma avalanche de exemplos contraditórios (...) o primeiro artigo valeu-lhe uma surra de vara de marmelo. Essa é a grande vantagem do antropólogo da ciência: ser levado constantemente a confrontar os escritos dos interpretadores com os dos interpretados. (LATOUR, 1999: 293)

Em sua pesquisa realizada na Amazônia, em experiência peculiar, busca articular generalidades e múltiplos aspectos de observação de campo, analisa as dicotomias entre sujeito e objeto, ampliando para a discussão entre o humano e o não-humano, alargando nossos conceitos sobre o que é o mundo exterior, certezas, improvisos, ciência, “a prioris”, categorias.

103 “Dédalo encarna o tipo de inteligência que Odisseu ilustra à perfeição.(...) Um daedalion, palavra grega

empregada para descrever o labirinto, é uma coisa curva, avessa à linha reta, engenhosa, mas falsa; bonita, mas forçada. Dédalo é um inventor de contrafações: estátuas que parecem vivas, robôs-soldados que patrulham Creta, uma antiga versão da engenharia genética que permite ao touro de Poseidon emprenhar Pasifaé, que parirá o Minotauro Para este ele construirá o labirinto – de onde, graças ao conjunto de máquinas, conseguirá escapar, em caminho. perdendo o filho Icaro”. (LATOUR, 1999:202)

Com essa nova recorrência a Latour, na qual se retorna ao labirinto 104, busca-se o “contexto da descoberta”, de desordem e paixões, e não o “contexto da justificação”, calmo e ordenado; assim, inicia-se a jornada pela pesquisa de campo, com os relatos ainda de forma aparentemente desordenada as atividades da vida de uma empresa, tendo como primeira decisão a sua escolha.