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2. A Perspetiva Salutogénica e Positiva da Saúde Mental

2.2. Modelos de Bem-Estar

O bem-estar é atualmente considerando-o como um componente central na saúde, e esta relevância é-lhe conferida pela definição de saúde e de saúde mental da OMS (1946). Por esta razão nas últimas décadas tem sido produzida muita investigação sobre este tema. De acordo com OMS o bem-estar é um conceito unificador nas Políticas de Saúde e setores

46 governamentais, oferecendo uma oportunidade importante para uma abordagem de conjunto na melhoria da saúde das populações (WHO, 2015). Contudo a perceção individual de bem-estar é um dos aspetos mais subjetivos e de difícil definição (Lopez & Snyder, 2003). Por conseguinte, para delimitar este conceito várias definições têm sido propostas, porém nenhuma isenta de críticas.

De um modo geral, as diferentes definições descrevem o bem-estar como sendo um estado caracterizado pela satisfação das necessidades biológicas, psicológicas, sociais, materiais, culturais e espirituais, que incluem também a satisfação com a sua vida em geral, os estados emocionais mais imediatos de bem-estar pessoal e a capacidade pessoal de mudar constantemente (Keyes, 2006; Ryff & Keyes, 1995). É também consensual considerar que o bem-estar é uma experiencia de nível subjetivo e individual, porém passível de ser objetivado através de vários indicadores.

Classicamente distinguem-se duas correntes de pensamento para definir bem-estar:

bem-estar subjetivo, que lida com a felicidade- hedonismo e o bem-estar psicológico que se

refere ao potencial humano- eudemonismo. Estas correntes sobrepõem-se em alguns aspetos, sendo que alguns autores propõem uma perspetiva integradora para definir bem-estar (Ryff, 2014). Por exemplo, atualmente, o conceito de bem-estar subjetivo tende a integrar os domínios emocional e de funcionamento positivo (Keyes & Annas, 2009). Importa, pois, fazer uma breve resenha sobre os contributos dos vários modelos de bem-estar, clarificando aspetos relativos à sua operacionalização, enfatizando a sua relevância como elemento integrante do conceito de saúde mental.

Bem-Estar Subjetivo

O termo Bem-Estar Subjetivo é um conceito muito abrangente e estreitamente relacionado com a dimensão positiva da saúde. Corresponde uma primeira linha de investigação de conceção hedonista, ou seja enquanto resultado da experiência subjetiva de prazer, conforto e de felicidade (Keyes, Shmotkin, & Ryff, 2002). Baseia-se em dois aspetos fundamentais: na descrição da avaliação subjetiva do indivíduo, isto é, na compreensão das suas características internas, na sua perspetiva e na intensidade dos sentimentos positivos experimentados (e.g. felicidade e no prazer) e assenta ainda, na compreensão da influência dos fatores culturais e sociais na perceção sobre a vida em geral, e nas vivências favoráveis ou

47 desfavoráveis (e.g. satisfação com a vida).

Posteriormente, a evidência acrescentou ao constructo de bem-estar o funcionamento positivo, elemento que fez emergir o conceito de bem-estar emocional, que inclui quatro componentes: satisfação com a vida, o afeto positivo, o afeto negativo e a felicidade (Keyes & Magyar-Moe, 2003).

Modelo de Bem-Estar Psicológico

O conceito de Bem-Estar Psicológico (BEP) proposto por Carol Ryff em 1989 designa o funcionamento psicológico positivo do indivíduo. Inclui as dimensões que possibilitam sentimentos de satisfação e de felicidade consigo próprio, no âmbito das suas condições de vida e socio relacionais, integrando também as expectativas futuras (Ryff, 1989). O modelo de BEP é centrado no bem-estar enquanto fenómeno essencialmente privado, ou seja, focado nos desafios enfrentados pelos adultos, no âmbito da sua vida privada. Parte de uma conceção

eudemonista de bem-estar, isto é, centrada no potencial humano como resultado do ótimo

funcionamento no âmbito da sua vida e de acordo com o seu verdadeiro self (Ryff & Singer, 2008). Ancora-se ainda no paradigma desenvolvimental, que valoriza o potencial do indivíduo para uma vida com sentido e autorrealização. Portanto, o bem-estar pode ser percebido como resultado ou como processo de realização do potencial do indivíduo (Ryff & Singer, 2008; Ryff, 1995, 2014).

O modelo de BEP de Carol Ryff assenta em três perspetivas teóricas: a psicologia do desenvolvimento - Teorias de life-span (Erikson); psicologia clínica (Maslow, Rogers e Jung) e abordagem de saúde mental de Jahoda, usando pontos de convergência entre estas teorias (Keyes & Magyar-Moe, 2003). Suporta-se num funcionamento positivo da pessoa, visível através da manifestação das suas capacidades (habilidades e competências). Assim, este conceito permite medir a perceção da pessoa sobre si, sobre o seu ambiente, sobre a sua forma singular de gerir as influências e desafios da vida e avaliar o seu bom funcionamento.

De acordo com Ryff (1995), o BEP corresponde a um constructo multidimensional que contém características de natureza cognitiva e afetiva, que permitem identificar as qualidades e fragilidades em seis dimensões de funcionamento psicológico positivo:

- Autoaceitação - atitude positiva em relação a si próprio, através da qual as pessoas tentam sentir-se bem consigo próprias, mesmo estando cientes das suas limitações.

48 Capacidade de reconhecer e aceitar os múltiplos aspetos do self e sentimentos positivos relativos à vida passada;

- Crescimento pessoal - atitude proactiva e dinâmica de desenvolvimento e de

autoconhecimento, adotada intencionalmente para maximizar o proveito dos seus recursos, talentos e capacidades;

- Sentido para a vida - atitude adotada de forma intencional pelo indivíduo, para

rentabilizar os seus recursos, talentos e capacidades pessoais, expandindo-as para colmatar as suas limitações;

- Domínio do ambiente - sensação de estar em controlo do ambiente;

- Autonomia - competência para manter e desenvolver num contexto social alargado a

individualidade e interdependência, procurando autodeterminação.

- Relações positivas com os outros - postura adotada para desenvolver e manter relações

interpessoais baseadas na confiança, na cooperação e no desenvolvimento pessoal. Enfatiza o interesse com a esfera interpessoal e centra-se na capacidade para estabelecer relações satisfatórias com o outro (Ryff & Keyes, 1995; Ryff & Singer, 2008).

Modelo de Bem-Estar Social

Corey Keyes (1998) relaciona o Bem-Estar Social com o caracter público, a solidariedade, a unidade e simpatia dos indivíduos para com a sociedade, e propõe um modelo que visa identificar em que medida o indivíduo funciona bem no interface com o seu contexto e ambiente social (e.g, vizinhos, colegas e como cidadão) (Keyes, 2006).

De acordo com Keyes e Magyar-Moe (2003) o Bem-Estar Social centra-se nas tarefas sociais e nas relações que se estabelece com a comunidade e as estruturas sociais, e é constituído por cinco dimensões:

- Aceitação social - traduz a interpretação da sociedade e o funcionamento numa esfera pública. Os indivíduos que a exibem têm confiança e sentem-se confortáveis com o outro, têm opiniões favoráveis sobre a natureza humana e, acreditam que o outro é capaz de ser construtivo;

- Atualização social - avaliação do potencial da sociedade concretizado através das instituições e dos cidadãos;

49 inclui a crença de que se possui algo de valor para oferecer ao mundo;

- Coerência social - perceção da qualidade da organização e do funcionamento do mundo social e, de que a sociedade é discernível, sensível e previsível;

- Integração social - é o sentimento de pertencer à sua comunidade e à sua sociedade e de que se partilha algo de comum com outros. É a avaliação da qualidade das relações com o entorno social/comunidade.

Modelo de Bem-Estar Emocional

Segundo Keyes & Magyar-Moe (2003) o Bem-Estar Emocional designa uma dimensão específica de bem-estar subjetivo, que engloba as perceções de felicidade declarada, a satisfação com a vida e o saldo entre afetos positivo e negativo.

O bem-estar emocional é concetualizado como um balanço entre o afeto positivo e negativo. Assenta na Auto Teoria da Mudança Subjetiva10, que defende que as pessoas percebem as mudanças como angustiantes e indesejadas. Por oposição, permanecer “a mesma pessoa” é vantajoso para a saúde e para o bem-estar. Esta teoria fornece uma explicação plausível sobre a dimensionalidade do afeto positivo e negativo, ou seja, o bem- estar emocional depende dos níveis percebidos de mudança pessoal dos indivíduos, com base em quatro dimensões:

- Afeto positivo - experiência de sentimentos de alegria de viver, entusiasmo e felicidade; - Afeto negativo - sintomas que lembram que a vida é indesejável e desagradável,

sentimentos de zanga, culpa, medo ou preocupação;

- Satisfação com a vida - sentimentos de contentamento, paz e satisfação, discretas

discrepâncias entre desejos, necessidades e sentimentos de realização ou conquista;

- Felicidade - sentimento geral de contentamento, alegria, prazer, de motivação energia e

entusiasmo pela vida (Keyes & Annas, 2009; Keyes & Magyar-Moe, 2003).

O Quadro 1 apresenta uma síntese dos componentes que operacionalizam os vários modelos de bem-estar, e onde se visualiza as suas dimensões mais relevantes.

10 O core da Auto Teoria postula que as pessoas avaliam a possibilidade de mudança com base nos seus padrões pessoais para decidirem se a mudança é boa, má ou uma mistura de ambas e, na tendência universal de manter o equilíbrio (hemóstase orgânica). A mudança para pior é sempre indesejada, enquanto uma melhoria percebida, é sempre avaliada ponderando os seus aspetos positivos e negativos (Keyes & Magyar-Moe, 2003).

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