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3. O Estudante do Ensino Superior em Transição

3.1. Transição desenvolvimental

3.1.1. Tarefas desenvolvimentais de “tornar-se adulto”

Transpor a adolescência em direção à adultícia significa tornar-se adulto, isto é, atravessar um período no qual o EES tem que enfrentar um conjunto de tarefas exigentes (Chow, 2010). Ultrapassar esta fase implica um processo de desenvolvimento amplo, que envolve gerir inúmeras expectativas e incertezas. Designadamente sobre o corpo adulto e capacidade reprodutiva, a identidade sexual, a responsabilidade, a independência, a maturidade emocional e a escolha profissional. Estas tarefas desencadeiam sentimentos de ambiguidade, angústias e conflitos internos, uma vez que para muitos, algumas tarefas de estádios prévios de desenvolvimento, podem não estão ainda concluídas, ou estão em níveis diferentes de consolidação (Dias & Fontaine, 2001).

Assim, tornar-se adulto é um processo exigente, que envolve o desenvolvimento gradual, transversal e simultâneo, das várias dimensões do indivíduo. Neste processo hierarquizado complexo, cada etapa tem elementos, objetivos e características que permitem a diferenciação dos vários estádios. Genericamente, os primeiros anos da idade adulta correspondem à maioridade legal, contudo o que torna esta etapa peculiar é o fato dos indivíduos se encontrarem em estádio de maturidade diferente, e por ser uma época de

descoberta de si mesmo, de exploração, aventura e exposição a novos ambientes, emoções e

contextos (Arnett, 2004, 2007).

Papalia & Olds (2000) considera que o início da idade adulta é o tempo do “poder fazer”, é o tempo das primeiras experiências de sensação de autonomia e de estar em controlo. Por exemplo ampliando as suas aptidões físicas, explorando competências cognitivas para responder aos desafios com que se depara no seu quotidiano, e gerindo a casa e os estudos. Contudo, “poder fazer”, significa o confronto com a responsabilidade, isto é, gerir as expectativas relativas ao seu futuro e às escolhas académicas, competências que implicam maturidade emocional.

No entanto fazer escolhas neste período desencadeia conflitos internos, incertezas e angústias. Neste período tomar decisões, tem consequências para o resto da vida, quer ao nível da saúde, quer ao nível da realização profissional futura (Papalia & Olds, 200; Dias & Fontaine, 2001). Nestas circunstâncias, o estudante nem sempre dispõe de recursos –

56 pessoais, intrapsíquicos e interpessoais – suficientes para responder às exigências deste nível de importância (Shanahan, 2000).

Algumas teorias do desenvolvimento humano usam marcadores de transição para evidenciar a progressão nas diferentes etapas desenvolvimentais. Os marcadores de transição são o conjunto de elementos, características, habilidades e de aquisições partilhadas por indivíduos pertencentes a um mesmo grupo etário, paradigmáticas desse período e, por isso, permitem a sua diferenciação (Dias & Fontaine, 1996; Arnett, 2004). Apesar de alguma discrepância vários autores listam um conjunto de marcadores relativamente consensual, que traduzem as principais tarefas de “tornar-se adulto” designadamente:

- Desenvolvimento de atributos físicos. O jovem atinge por volta dos vinte anos, o seu potencial máximo de saúde e de bem-estar. A sua condição física é caracterizada pela força, energia, resistência e pelos sentidos apurados, uma vez que as funções corporais e os órgãos dos sentidos14estão neste período completamente desenvolvidos (Papalia & Olds, 2000).

- Desenvolvimento do pensamento. Caracterizado pelo grande desenvolvimento do pensamento pós-formal ou pensamento relativo, por oposição ao pensamento rígido e do raciocínio cognitivo, social, moral, político (Papalia & Olds, 2000).

- Separação física e psicológica das figuras parentais. É o processo de desenvolvimento individual e psicossocial que conduz à autonomização das figuras parentais (Erikson, 1976), que no entanto permanecem como importante fonte de suporte, material, afetivo e social, e tendem a ser uma influência relevante. Esta individualização mantem os laços afetivos, de coesão e de suporte parental, e atua como promotora de ajustamento a novos padrões de relacionamento (Dias & Fontaine, 1996; Papalia & Olds 2000).

Neste período o grupo de pares é de extrema importância. Em parte substitui a família veiculando sentimentos de pertença, mas sobretudo permite interações exploratórias e várias identificações que são facilitadoras da individualização do self e da construção da identidade (Hardy et al., 2013; Snider & Dawes, 2006). Além disso, o EES no seio do grupo de pares encontra empatia e o alívio de alguns conflitos de emancipação (Swenson et al., 2008).

- Consolidação da personalidade. Estabilização dos traços de carácter ou estrutura de personalidade, que de modo amplo pode ser definida como o padrão de funcionamento de

14 A acuidade visual, o paladar, o olfato, a sensibilidade, estão na sua plenitude, à exceção da acuidade auditiva que apresenta um declínio gradual a partir da adolescência (Papalia & Olds, 2000).

57 cada indivíduo. Reflete sobretudo a libertação das dependências familiares, das crenças anteriores e dos padrões (infantis) prévios de pensamento (Stoeber & Corr, 2015). A consolidação dos traços de carácter influenciam o estilo de vida e os comportamentos em saúde (Carvalho, Nunes, Primi, & Nunes, 2012; Schwartz et al., 2010) e permite ao estudante fazer escolhas e tomar decisões de forma relativamente consciente quanto às implicações futuras (Amirazodi & Amirazodi, 2011; Luz et al., 2009).

- Construção da identidade. Intimamente relacionada com a consolidação da

personalidade expressa-se pela capacidade de se perceber progressivamente, a si e aos outros, de forma cada vez mais realista (Chickering & Reisser, 1993). A construção da identidade conduz à autonomia progressiva, mas exige a capacidade de integrar na personalidade a sexualidade, isto é, pressupõe que o estudante se aceite como ser sexuado, e que seja capaz de estabelecer uma relação de intimidade e de amor (Hardy et al., 2013; Erikson, 1968, 1976).

- Construção da capacidade de interação amorosa. Depende da identidade e da confiança de se possuir uma imagem sexuada atrativa para o outro. Reflete o bem-estar e a autoestima do estudante, que resultam do sucesso de um conjunto de tarefas que se relacionam entre si (Sharma & Sharma, 2010; Zeigler-Hill, 2013). Nestes movimentos de autonomização, é frequente emergirem dificuldades, sobretudo nas questões do género, e podem ser vividas de forma diferente entre jovens consoante o sexo (Colares et al., 2009; Dias & Fontaine, 2001).

- Consolidar a autoestima. Tomar consciência da estima e do conceito que se tem de si

mesmo é um processo dinâmico, que envolve representações, cognições, emoções e as relações passadas e presentes (Nunes, Montibeller, Oliveira, Arrabaca, & Theiss, 2013). A autoestima constrói-se desde a infância e é determinada, em grande medida, pelas experiências de vida apreendidas a partir da ressonância de valor próprio, devolvida pelos seus significativos, isto é, a partir das crenças ou esquemas cognitivos (Beck, Steer, Epstein, & Brown, 1990). Possuir uma boa autoestima significa considerar-se competente para enfrentar os desafios básicos da vida e sentir-se merecedor de felicidade (Branden, 2011; Cast & Burke, 2002; Kernis, 2003; Zeigler-Hill, 2013).

Este conjunto de marcadores permitem monitorizar as tarefas desenvolvimentais. À medida que o jovem se torna mais autónomo a sua autoestima transforma-se

58 progressivamente, exibindo menor dependência do reconhecimento e aprovação de outros. Esta construção vai-se refinando ao longo da vida como um todo que resulta das representações e avaliações acumuladas (Chung et al., 2014; Di Giunta et al., 2013; Harter, 1999).

De acordo com Harter (1999), neste processo de desenvolvimento global, que se deseja harmonioso, podem diferenciar-se três fases evolutivas. O Quadro 2 apresenta uma síntese de elementos centrais das três etapas do desenvolvimento do self do estudante.

Quadro 2. Fases do desenvolvimento do self do estudante

Fase I Fase II Fase III

Uso de diferentes self

Permeabilidade a opiniões alheias Preocupação com a opinião que os outros têm sobre si, sobre o seu valor e sobre a sua identidade.

Introspeção

Contradições e conflitos entre os vários self.

Necessidade de aprovação Permeabilidade

Autoestima volátil.

Crenças e valores pessoais Orientação interna do self Modelo de regulação do comportamento.

Definição e concretização de metas Pouca permeabilidade a opiniões

Adaptado de Harter, 1999

Espera-se que durante a adultícia emergente o estudante exiba competências que pressupõem uma transformação em curso em direção à maturação, ao equilíbrio e à saúde. Dado que a autoestima é dinâmica, isto é, transforma-se tal como se vai transformando o indivíduo, a presença de autoestima positiva (Nunes et al., 2013) e de bem-estar são indicadores relevantes do sucesso de “tornar-se adulto” (Dias & Fontaine, 1996, 2001).