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DA IMPORTÂNCIA DO TRABALHO PRÁTICO EM CIÊNCIASNO 1 º CICLO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EXERCÍCIO

2. Programas de formação para o TP: princípios e orientações

2.2 Modelos de formação interactiva-reflexiva

Partindo de uma quadro teórico decorrente da Investigação em Didáctica das Ciências, e numa perspectiva de contribuir para a melhoria da formação em ciências, tanto a inicial como a contínua, vários autores colocam a ênfase no conceito de professor-reflexivo- pesquisador25, defendendo a necessidade da pesquisa educacional ser também realizada

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25 Sá e Varela (2004) fazem distinção entre professor-investigador [pesquisador] e professor-

reflectivo. Para os autores o “professor-investigador [pesquisador] é o investigador que sendo professor, realiza investigação sobre o ensino-aprendizagem enquanto exerce a docência no seu próprio contexto profissional, entendendo que a investigação é algo mais complexo do que o processo de reflexão sobre as práticas como estratégia de desenvolvimento profissional. Os autores,

pelo próprio professor, tornando esta parte integrante das suas práticas e, assim, transformar-se em condição de desenvolvimento profissional (Schön, 1983, 1987; Nóvoa, 1991, 1992, 1998; Zeichner, 1987, 1993; Cró, 1999; Oliveira, 1999; Garcia, 1999; Schnetzler, 2000; Cachapuz, Praia e Jorge, 2002; Marques, 2004).

O conceito de reflexão, utilizado por diferentes autores no âmbito da formação inicial e contínua de professores, e aqui assumido, implica ter consciência daquilo que se pensa sobre o que se faz. Envolve simultaneamente a busca de soluções lógicas e racionais para os problemas, envolvendo intuição, emoção e interacção, pois “só após a descrição do que penso e do que faço me será possível encontrar as razões para os meus conceitos e para a minha actuação, isto é, interpretar-me e abrir-me ao pensamento e à experiência dos outros para, no confronto com eles e comigo próprio, ver como altero – e se altero – a minha praxis educativa.” Alarcão (1996:182)

Schnetzler citando Zeichner (1996 in Schnetzler, 2000) descreve cinco características atribuídas ao professor reflexivo e que podem ser viabilizadas em programas de formação quer inicial, quer contínua: i) professores que examinam, levantam hipóteses e tentam resolver os dilemas que surgem nas suas práticas, ii) assumem os valores que transportam para o processo de ensino/aprendizagem; iii) estão atentos ao contexto institucional e cultural no qual desenvolvem a sua actividade, iv) adoptam o desenvolvimento curricular e envolvem-se na sua mudança; v) perfilham a responsabilidade pelo seu desenvolvimento profissional.

Com o trabalho desenvolvido por Schön (1983,1987), a reflexão sobre a prática dos professores adquiriu uma importância crescente no âmbito da formação contínua de professores. Segundo o autor reconhecer as características da prática dos professores e questionar criteriosamente essa mesma prática pode levar à transformação e melhoria da forma como o professor desenvolve o processo de ensino/aprendizagem.

Neste pressuposto Zeichner (1987) sustenta que o acto de reflectir baseia-se na tomada de consciência crítica sobre qualquer forma de conhecimento, considerando as suas bases de apoio e as consequências a que conduz pois, reflectir implica contemplar e analisar a

não se identificam, deste modo, com a tendência, que se vem afirmando, segundo a qual o “professor reflexivo vai sendo tomado como sinónimo de professor-investigador” [pesquisador] (p.19).

própria acção, no sentido dela tirar os significados que constituem um fundamento para uma abordagem inteligente de experiências futuras.

Schön (1992) coloca a ênfase na prática e reflexão sobre a mesma, através da utilização da estratégia “sala de espelhos”26 que, na sua avaliação, pode auxiliar os professores a questionarem as suas práticas e os problemas por elas levantados, através da demonstração de situações homólogas. Ao “ver-se de fora” a análise que o professor faz permite que os aspectos problemáticos se tornem objecto de reflexão individual e colectiva. O que no parecer de Matos (1997) significa “conceber a formação como um processo de desconstrução crítica das práticas, através de dispositivos de distanciação, que permitam “vê-las” como um processo social subjectivamente participado” (p.189).

Chantraine-Demailly (1997) faz referência a uma concepção de formação contínua a que chama de interactiva-reflexiva, enquadrando nesta a formação que visa a resolução de problemas reais do ensino através da colaboração rigorosa entre os formando e o seu envolvimento em actividades reflexivas, visando, essencialmente que os professores em formação desenvolvam as capacidades necessárias à resolução dos diferentes problemas que se colocam no processo de ensino/aprendizagem, num contexto de partilha, reflexão e construção de novos saberes práticos. Esta perspectiva de formação interactiva e reflexiva é, comummente, considerada básica na formação contínua de professores, pois como reconhecem Praia e Cachapuz (1998) “a reflexão na e sobre a acção num contexto de sala de aula, poderão ajudar a melhor fazer luz sobre as dificuldades e mesmo os obstáculos que se colocam à praxis” (p.82).

Segundo Porlán (1998), cada professor leva para a sala de aula uma hipótese de conhecimento que seria desejável construir e um conjunto de problemáticas potentes e relevantes que interessa investigar. Neste quadro para Nóvoa (1998) e Oliveira (1999) a formação contínua de professores deve alicerçar-se numa “reflexão na prática e sobre a prática”27, através de dinâmicas de investigação-acção e de investigação-formação, valorizando-se os saberes de que os professores são portadores, pois a forma como cada professor constrói a sua identidade profissional define modos distintos de o ser, marcado pelos seus próprios ideais educativos, pela adopção de metodologias e práticas que melhor

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se adequam à sua maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais e de reflexão sobre a própria acção.

Para Dana, Lunetta, Fonseca, Campbell (1998) um aspecto importante da formação reflexiva é o tempo que é posto à disposição do professor em formação para aprender e desenvolver métodos e técnicas de análise das suas práticas, dado que um dos objectivos fundamentais da reflexão, como quadro de referência para a formação de professores, é o de se proporcionar uma oportunidade prolongada para que os professores possam desenvolver capacidades de organização e condução autónoma de um processo de mudança nas suas práticas.

Couceiro (1999), numa lógica de investigação-formação, preconiza modalidades de formação que contribuam para estabelecer a interacção entre a teoria e a prática pedagógica, de modo a que as duas se fecundem mutuamente; modelos centrados na reflexão sobre as práticas de ensino, a partir de registos escritos dessas mesmas práticas, que poderão dar origem à passagem de uma apreensão/compreensão espontânea das actividades realizadas a uma compreensão de outro nível, uma “segunda compreensão”28. Trata-se de cada professor implicar-se, de forma reflexiva, no seu próprio agir, decifrando nele os sentidos que revela e perspectivar novos modos de agir e de fundar esse agir, gerando uma dinâmica de autoformação. Trata-se, na concepção da autora, em desconstruir com vista a reconstruir.

Garcia (1999) considera que as acções de formação reflexiva devem proporcionar oportunidades para os professores desenvolverem determinadas destrezas/competências: i) empíricas – compilação de dados para descrição e diagnóstico das situações em análise; ii) analíticas: análise dos dados recolhidos, para a partir deles produzir um saber teórico; iii) avaliativas: dos percursos e resultados da acção educativa; iv) estratégicas: para planear e por em prática diversificados planos de ensino; v) práticas: relacionando e integrando o saber teórico com o prático; vi) comunicação: transmissão e partilha de saberes em trabalho cooperativo.

Na perspectiva de Dewey (1989, in Garcia, 1999) a formação de professores como profissionais reflexivos deve preocupar-se em desenvolver atitudes e valores considerados fundamentais, como: i) a abertura ou flexibilidade intelectual – que se traduzindo na escuta e respeito de diferentes ideias na procura de soluções alternativas para um

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problema: ii) responsabilidade intelectual – pelas consequências dos passos dados no sentido de uma mudança de práticas lectivas; iii) entusiasmo – predisposição do professor para encarar as actividades de ensino e de formação com desejo de mudança.

É neste âmbito que Schnetzler (2000) considera que é possível a formação [contínua] de professores/pesquisadores da sua própria prática. Mas, considerando que as mudanças não acontecem por imposição ou apenas porque se deseja, tornar-se professor reflexivo/pesquisador, requer tempo e condições para explicitar, desconstruir e reconstruir concepções. Não basta ao professor detectar as lacunas do seu ensino, e/ou as necessidades dos seus alunos, é necessário procurar a integração dos conhecimentos teóricos, provenientes da investigação, na sua prática diária, explicitar os saberes tácitos que a suportam, num processo contínuo de acção-reflexão-acção que necessariamente precisa de ser vivenciado e partilhado com outros colegas. Ainda que a apropriação desses saberes, símbolos e valores ocorram de forma idiossincrática mesmo em contextos partilhados (Chaves, 2000).

Nesta mesma perspectiva se situam Leite e Silva (2002) que, no âmbito do Projecto TEIAS, admitem que as competências profissionais se constroem pela experiência e pela reflexão sobre essa experiência. Por isso consideram que a estrutura da formação deve ser encontrada na procura de caminhos que possam ajudar os professores a identificar os problemas com que se defrontam, a contextualizá-los e a agir, ou seja, “implicá-los na (re)construção dos seus saberes e no desenvolvimento de competências profissionais que permitam novos olhares e enquadramentos das situações educativas e curriculares” (p.605). Os autores assumem uma concepção de formação que, permitindo aos professores uma “leitura da sua experiência”29, estimula a mudança, quando alicerçada num trabalho do professor realizado sobre si próprio e sobre as suas práticas. Para os mesmos autores a mudança conceptual é possível quando se opta por uma racionalidade crítica assente na auto e hetero-formação e nas intervenções construídas de forma articulada e significativamente coerentes, dado serem estruturadas numa reflexão nas práticas e sobre as práticas, nas teorias e sobre as teorias30, pois é a reflexão que permite ao professor abrir caminhos para outras acções que vão ser ensaiadas e sujeitas a novas reformulações e construções (Cachapuz, Praia e Jorge, 2002).

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Marques (2004), considera que ao pôr em prática uma formação reflexiva, o professor em formação é estimulado a ponderar criticamente sobre as suas concepções de ensino. Se esta reflexão resultar numa tomada de consciência de que é necessário alterar e melhorar as suas práticas, o professor avançará com um plano de actuação para ultrapassar as ambiguidades ou contradições que tiver identificado, alterando as suas práticas de sala de aula. Na opinião do referido autor a formação reflexiva traduz-se, deste modo, num forte compromisso pessoal na aprendizagem, num investimento num trabalho livre e criativo sobre a vivência pessoal, actual e passada, que o leva a construir uma identidade própria. Sobre a orientação do formador, os professores em formação, evoluem no sentido de uma maior autonomia e de uma maior responsabilização na sua acção educativa e, dado que a experiência diária na escola contém referências essenciais para o desenvolvimento profissional, a análise da prática vincula fortemente os novos conhecimentos aos problemas e dificuldades enfrentados no processo de ensino/aprendizagem. Para o referido autor a reflexão sobre a prática favorece a autoformação na qual o professor é o principal determinante do seu desenvolvimento profissional. Uma formação contínua com estas características “favorece um compromisso mais estreito e lúcido com a prática lectiva, potenciando no professor em formação o desejo e a responsabilidade por decifrar o significado da sua forma de agir na escola e na sala de aula” (p.19).