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CAPÍTULO 5. A Gestão de Visitantes como factor de competitividade

5.2. Gestão de Visitantes

5.2.5. Modelos de Gestão de Visitantes

Com vista a gerir a relação entre os visitantes e os recursos patrimoniais, foram desenhados e desenvolvidos vários modelos de GV, referidos na literatura:

• Modelo de Capacidade de Carga (Hall e McArthur, 1998; Hernández, 2003; Lemky, 2001);

• Espectro de Oportunidades de Recreação (Hall e McArthur, 1998; Hernández, 2003);

• Espectro de Oportunidades de Turismo (Hernández, 2003);

• Modelo de Gestão dos Impactos dos Visitantes (Hall e McArthur, 1998; Hernández, 2003);

• Programa de Gestão da Actividade dos Visitantes (Hall e McArthur, 1998; Lemky, 2001);

• Limites de Mudança Aceitável (Hall e McArthur, 1998; Hernández, 2003);

• Experiência do Visitante e Protecção do Recurso (National Park Service, 1997; Lemky, 2001)

• Modelo de Gestão de Optimização do Turismo (Hall e McArthur, 1998);

Capacidade de Carga

Mathieson e Wall (1982: 21) definem ‘capacidade de carga’ como “o número de pessoas que podem usar o sítio sem uma inaceitável alteração do ambiente físico e sem um inaceitável declínio da qualidade da experiência vivida pelos visitantes”. Os estudos de capacidade de carga turística, a par com os estudos de impacto ambiental, foram das primeiras metodologias usadas para dar resposta aos problemas de afluência massiva de visitantes em espaços recreativos (Hernández, 2003: 49).

O conceito teve as suas origens no domínio da gestão da fauna, mas no princípio dos anos sessenta, passou a ser adoptado pelos gestores das áreas recreativas, surgindo os primeiros

estudos aplicados a parques naturais nos Estados Unidos (Hernández, 2003: 49). Se os primeiros anos foram marcados pelo estudo da capacidade de resistência da paisagem natural, o conceito de ‘capacidade de carga’ foi evoluindo e podem hoje identificar-se várias dimensões assim descritas por Page et al. (2001: 325):

• física: uma medida que se refere ao número de turistas que podem ser recebidos por um determinado sítio;

• perceptiva: uma medida que se refere ao número de pessoas que podem ser recebidos por um determinado sítio antes que a experiência dos visitantes seja prejudicada;

• económica: uma medida que se refere ao número de pessoas que podem ser recebidos por uma áreaantes que a economia da área seja negativamente afectada;

• ecológica: uma medida que se refere ao número de pessoas que podem ser recebidos por um determinado sítio antes que ocorram prejuízos sobre o ambiente.

A estas, Hernández (2003: 55), Hall e McArthur (1998: 124) e Cooper et al. (2001: 220) acrescentam a dimensão:

• sociocultural: que se refere ao limite de utilização que a população local tolera o turismo e os turistas se toleram entre si.

Hall e McArthur (1998: 124) acrescentam ainda outra dimensão da capacidade de carga:

• de gestão: relativa aos serviços de apoio e infraestruturas.

Do ponto de vista teórico, são vários os modelos que combinam as diversas dimensões citadas. Glasson et al. (1995: 54), que estudou a capacidade de carga e a gestão dos impactos turísticos em cidades históricas europeias, propõe um modelo em que integra estes vários aspectos:

TCC= f (Ecol, Phys, Econ) (TC, RA, Pol)

em que a capacidade de carga turística (TCC de tourism carrying capacity) se torna função de:

. sistemas ecológicos numa área-destino;

. desenvolvimento de infra-estruturas físicas e equipamentos turísticos; . características económicas de investimento e despesa turística;

. características dos turistas em termos comportamentais e socioculturais; . acolhimento dos residentes ou tolerância com a actividade turística; e . capacidade política e autoridade para tomar decisões de gestão eficazes

Finalmente, é a magnitude e direcção dos impactos produzidos por cada um destes sub-sistemas que definem a capacidade do destino para absorver actividade turística, em que os benefícios

marginais proporcionados pelos turistas excedem, ou pelo menos igualam, os custos marginais (Glasson et al.: 1995: 54).

Apesar da noção de ‘capacidade de carga’ ser já adulta, nascida há mais de quatro décadas, permanece ainda assim pouco firme em termos da sua aplicação (Hall e McArthur, 1998: 125). A natureza dinâmica do conceito (Cooper et al., 2001: 221) advém da natureza dinâmica dos factores que a determinam e dos níveis de tolerância, também eles mutáveis. Por exemplo, quanto maior for, a capacidade de gestão na área considerada, menores serão os impactos e maior a capacidade de carga (Cooper et al., 2001: 228). Assim, a capacidade de carga terá sempre de ser determinada para cada caso específico e sem o estabelecimento de valores e critérios físicos.

Hernández (2003: 73–74) distingue a ‘capacidade de carga social’ (Shelby e Heberlein, 1984; citados por Hernández, 2003: 73) como uma perspectiva de análise específica da capacidade de carga. Os modelos que utilizam esta perspectiva supõem que toda a análise da capacidade de carga turística tem um importante componente avaliativo. Assim, a ‘capacidade de carga’ é um conceito relativo que integra elementos objectivos e subjectivos, com um componente descritivo (que enumera as características básicas do sistema turístico - níveis de utilizadores, número de pessoas que visitam cada elemento, ritmos temporais, lógicas de deslocação e distribuição de visitantes no espaço e no tempo) e um componente avaliativo (que dá conta como deveria funcionar o sistema a partir da evolução dos impactos actuais verificados). Com esta inclusão de juízos de valor, Shelby e Heberlein (1984) citados por Hernández (2003: 74) defendem que se devem medir as preferências individuais dos utilizadores para tomar a preferência generalizada como padrão ou norma de utilização.

Espectro de Oportunidades de Recreação

O Espectro de Oportunidades de Recreação foi criado por Brown, Driver e McConnel (1978) citados por Hernández (2003: 73), em resposta às limitações do conceito de capacidade de carga. Trata-se de uma estrutura conceptual que procura clarificar a relação entre os lugares, actividades e experiências (Clark e Stankey, 1979). Baseia-se na premissa de que a qualidade é melhor assegurada através da oferta de um conjunto de oportunidades e desenvolve-se pela identificação de um espectro de locais, actividades e oportunidades que uma dada região possa conter (Hall e McArthur, 1998: 126).

Como instrumento de planeamento, neste modelo, categorizam-se os locais de recreação como oportunidades numa escala contínua entre desenvolvidas, semi-desenvolvidas, semi-naturais e naturais, de acordo com o acesso, recurso não recreativo, gestão do sítio, interacção social, aceitabilidade do impacto da visita e regulamentação (Hall e McArthur, 1998: 126). A aplicação desta estrutura de análise resulta numa matriz e num mapa, que identifica as diferentes zonas da região (Lemky, 2001: 43).

No entender de Hall e McArthur (1998: 126), a maior limitação desta metodologia é porventura o seu ênfase sobre o recurso em detrimento do tipo de visitante, talvez porque influenciada pela arquitectura paisagística, sugerindo que a GV podia ser concebida principalmente através do desenho do sítio e dos equipamentos.

Espectro de Oportunidades de Turismo

O Espectro de Oportunidades de Turismo constitui uma adaptação do Espectro de Oportunidades de Recreação (Hernández, 2003: 73; citando Butler, 1991). Na sua formulação mais básica trata- se igualmente de um sistema de zonamento, tipificando para cada área o tipo de utilização autorizada e a intensidade da mesma (Hernández, 2003: 73). Os limites são estabelecidos a partir de inquéritos aos visitantes e aos residentes, por um lado, e das opiniões dos agentes públicos e privados envolvidos na actividade turística.

Modelo de Gestão dos Impactos dos Visitantes

Desenvolvido em resposta a uma revisão da aplicação do conceito de capacidade de carga (Graefe, 1990) citado por Lemky (2001: 48), esta abordagem teve a sua primeira formulação num estudo realizado no final dos anos oitenta da National Parks and Conservation Association, nos Estados Unidos (Hernández, 2003: 77).

Trata-se de uma estrutura de planeamento que incorpora os princípios da GV no âmbito de redução e controlo dos impactos que ameaçam a qualidade do património e da experiência de visita (Graefe, 1989) citado por Hall e McArthur (1998: 126).

De acordo com Loomis e Graefe (1992) citados por Hall e McArthur (1998: 127), é significativo essencialmente no reconhecimento de quatro princípios:

• a relação entre a qualidade da experiência e o impacto dos visitantes é complexa e influenciada por outros factores para além do nível de utilização;

• visitantes e ambientes variam na sua capacidade de tolerar impactos;

• os visitantes não são a única causa de impacto;

• uma gestão eficaz tem de ir para além das capacidades de carga e limites de utilização por forma a envolver considerações de natureza científica e de julgamento;

Por isso, de acordo com este modelo, o estabelecimento de limites de utilização não resolve os problemas que geraram os impactos do turismo (Hernández, 2003: 77). A abordagem deste modelo estabelece o que é considerado como inaceitável relativamente aos impactos dos visitantes, determina a causa destes impactos, e incrementa um conjunto de acções em resposta aos problemas identificados (Glasson et al., 1995:150). A ferramenta analítica deste processo é

uma matriz que integra impactos, acções de gestão propostas e a consequência ou viabilidade de levar à prática uma opção (Lemky, 2001: 48).

O modelo não considera a actividade turística isoladamente mas integra a indústria com outras actividades socioeconómicas formando um elemento dos planos de desenvolvimento integrados locais ou regionais (Glasson et al., 1995: 150). Por isso, defende um conhecimento prévio e profundo da natureza dos impactos e dos factores com eles relacionados. Assim, prevê a investigação e monitorização para determinar as condições sociais e patrimoniais e gera um conjunto de estratégias de gestão com vista a lidar com os impactos (Hall e McArthur, 1998: 127).

Embora aplicável a um conjunto de lugares patrimoniais é particularmente adequado para sítios localizados. Esta é aliás uma das críticas que lhe são feitas, para além de ser mais reactivo que proactivo e preventivo (Lemky, 2001: 49).

Em linhas gerais este processo supõe uma gestão do impacto dos visitantes baseada no estabelecimento prévio de objectivos e metas específicos para cada destino, tal como aliás o componente avaliativo da Capacidade de Carga de Shelby e Heberlein (1986) citados por Hernández (2003: 77) e os Limites de Mudança Aceitável, modelo analisado adiante.

Programa de Gestão da Actividade dos Visitantes

O Programa de Gestão da Actividade dos Visitantes foi concebido em razão da necessidade de uma estratégia de GV nos parques nacionais canadianos, com vista a uma abordagem uniforme (Lemky, 2001: 45) e integração deste processo no planeamento patrimonial mais vasto (Payne e Graham, 1984; citados por Hall e McArthur, 1998: 129). A nível específico, o modelo foi desenhado para integrar as necessidades de actividade dos visitantes e as oportunidades do recurso e preparado para resolver conflitos e tensões entre visitantes, património e gestores patrimoniais (Hall e McArthur, 1998: 129).

Este processo desenvolve-se pelo estabelecimento de objectivos relativamente às actividades dos visitantes, a identificação e análise de questões de GV, definição de opções de actividades e serviços e incremento das opções recomendadas (Lemky, 2001: 469. Teoricamente flexível, é um processo lento devido à sua complexidade e não inclui o público no processo de decisão.

Limites de Mudança Aceitável

O modelo dos Limites de Mudança Aceitável começou por ter os fundamentos do Espectro de Oportunidades de Recreação e princípios iniciais da capacidade de carga (Hall e McArthur, 1998:130). Foi originalmente desenvolvido pelo US Forest Service e baseia-se nas condições desejáveis para uma área em relação ao seu desenvolvimento turístico (Hernández, 2003: 75).

Assim, procura definir essas condições e estabelecer estratégias de gestão por forma a atingir metas específicas, embora não busque limites ou tectos expressos em valores numéricos (Glasson, 1995: 149). É antes utilizada a noção de zonas espaciais de utilização, em que um conjunto de condições desejáveis em termos de impactos sociais, ecológicos, físicos e económicos devem ser mantidas.

O processo desenvolve-se de uma forma circular desde a identificação de problemas, definição e descrição dos objectivos de gestão, selecção de indicadores e condições sociais e do recurso, inventariação das condições sociais e do recurso, especificação de padrões para os indicadores das condições sociais e do recurso, identificação de alternativas, delineação de acções de gestão para cada alternativa, avaliação e selecção de uma alternativa e incremento de acções e condições de (Lemky, 2001:46).

A metodologia não está isenta de dificuldades: a recolha de informação tem de ser muito detalhada, os padrões de qualidade podem ser adoptados de forma arbitrária e colocam problemas de monotorização (Hernández, 2003: 75). Outras críticas endereçadas prendem-se com o facto de se fundar em percepções e valores e requerer o envolvimento de grupos de interesse (Lemky, 2001: 47).

Experiência do Visitante e Protecção do Recurso

O processo da Experiência do Visitante e Protecção do Recurso está baseado na capacidade de carga social das áreas naturais (Manning et al., 1996) citados por Lemky (2001: 49), em razão dos efeitos negativos da presença excessiva de visitantes sobre a experiência turística e também sobre o recurso. Criado para integrar o processo de planeamento de gestão, tem sido utilizado em parques americanos. Em 1997, o National Park Service (1997) lançou um detalhado manual a ser usado pelos responsáveis do planeamento e gestão.

O modelo incluiu uma diversidade de agentes, mas as percepções dos visitantes, pessoal e residentes são o fundamento para determinar os impactos ambientais, sem outros estudos de campo (Lemky, 2001: 50). Hall e McArthur (1998: 125) criticam os modelos que como estes se baseiam na capacidade de carga porque o significado dos números muda dependendo do ambiente e das percepções dos visitantes e gestores.

Modelo de Gestão de Optimização do Turismo

O Modelo de Gestão de Optimização do Turismo (MGOT) é o mais recente destes modelos, desenvolvido como meio de lidar com o turismo na Kangaroo Island, na Austrália (Lemky, 2001: 51). O ênfase conceptual do MGOT consiste em alcançar um desempenho óptimo em vez de limitar a actividade, integrando um conjunto de influências na relação património/visitante para se

centrar na sustentabilidade do património, viabilidade da indústria turística e poder dos vários agentes (Hall e McArthur, 1998: 131).

Os autores recorreram aos princípios do modelo dos Limites de Mudança Aceitável e do modelo de Gestão dos Impactos dos Visitantes, mas alargaram o âmbito para que pudesse ser aplicado ao nível regional e integrasse o sector turístico e a comunidade local (Hall e McArthur, 1998: 131).

Concebido para um horizonte temporal de três anos, o modelo em análise inclui três componentes principais: análise de conteúdo, programa de monitorização e sistema de gestão de resposta (Manidis Roberts, 1996; citados por Hall e McArthur, 1998: 131). Os dados de informação necessária referem-se tanto às ciências sociais como às naturais e a sua concretização é gerida por um consultor apoiado numa equipa de parceiros como pessoal do sítio, comunidade local afectada pelo turismo, público, operadores turísticos e outros empresários (Lemky, 2001: 51-52). A sua aplicação final é testar opções ou respostas de gestão a um conjunto de cenários alternativos (Hall e McArthur, 1998: 152). Aplicado em vários parques naturais, constitui um processo caro, porventura difícil relativamente à identificação de todos os cenários possíveis e à sua aplicação em áreas não remotas e em que as possibilidades de optimização são mais variadas (Lemky, 2001: 52)

Em relação aos vários modelos revistos, apesar das suas diferenças, pode concluir-se que, em geral, entendem que a actividade turística e recreativa origina impactos e, por isso, se devem identificar condições de sustentabilidade tendo em conta também os visitantes e a comunidade receptora. No entanto, os factores e condições são dinâmicos ao longo do tempo, diferentes para diferentes espaços e atendendo a diversos factores físicos, ambientais, económicos, sociais, como por exemplo, as características dos visitantes. A GV não é, por isso, um objectivo em si mesma, mas deve ser integrada em processos mais amplos de planeamento, gestão e monitorização.

Registe-se ainda que todos os modelos referidos nasceram e são principalmente aplicados em áreas naturais. Hall e McArthur (1998: 136) listam várias aplicações concretas dos vários modelos, em que apenas os modelos de Capacidade de Carga e de Gestão de Impactos dos Visitantes tinham uma e única aplicação a sítios de património construído.

Estes autores (Hall e McArthur, 1998: 135) sugerem também em que estes modelos foram incrementados na sua maioria em países desenvolvidos; que os modelos de Capacidade de Carga e Espectro de Oportunidades de Recreação são os mais simples e os mais aplicados, enquanto os modelos de Limites de Mudança Aceitável e Gestão de Optimização do Turismo mostram-se os de mais complexo incremento.