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CAPÍTULO 3. A procura e oferta de turismo e recreação

3.3. A oferta de turismo e recreação

3.3.2. Noção de produto turístico

“Um produto é tudo aquilo que possa ser oferecido a um mercado para satisfazer um desejo ou uma necessidade”, define Kotler (2000: 394), acrescentando que se pode tratar de bens físicos, serviços, experiências, eventos, pessoas, lugares, propriedades, organizações, informação e ideias. Ora, parece incontestável que a oferta turística e de recreação procuram satisfazer necessidades e desejos e, por conseguinte, fornecem produtos ao mercado.

A primeira característica do produto turístico a ter em conta é “que se trata mais de um serviço do que de um bem tangível” (Holloway, 2002: 5). Na literatura, o termo produto tem sido aplicado tanto a elementos tangíveis como a elementos intangíveis; quer em referência a bens físicos como a serviços (Lehmann e Winer, 1997; Kotler, 2000; Lambin, 1994). Embora o sector dos serviços constitua a actividade económica dominante nos países desenvolvidos, a definição de serviço continua a gerar debate (Grönroos, 2000: 46; Fisk et al., 2000: 5). Entre as muitas noções propostas, Grönroos (2000: 46) define serviço como “um processo que consiste numa série de actividades mais ou menos tangíveis que normalmente, mas não necessariamente sempre, têm lugar através de interacções entre o cliente e os empregados e/ou recursos físicos ou bens e/ou sistemas do prestador do serviço, que são fornecidas como soluções para os problemas do cliente”. Reconhecidas pela maioria dos autores, são atribuídas aos serviços várias características específicas que o produto turístico necessariamente partilha:

intangibilidade - não podem ser vistos ou tocados porque não tem existência ou forma física e esta dificuldade de avaliação torna a compra mais arriscada e pode significar uma recolha de informação mais extensa;

simultaneidade ou inseparabilidade - a sua produção e consumo ocorrem ao mesmo tempo, o que pressupõe a interacção directa entre o prestador e o consumidor;

heterogeneidade ou variabilidade – cada prestação varia em qualidade ao longo do tempo, dependendo dos prestadores e das circunstâncias, o que implica grande exigência de controlo de qualidade, aumenta o risco da compra e a incerteza da satisfação resultante do acto de consumo;

perecibilidade – apenas existem no momento em que são produzidos; não são armazenáveis e as receitas resultantes da sua venda, se esta não se concretizar no momento em que são oferecidos ao mercado, não são mais recuperáveis; deste facto decorre incerteza na actividade dos prestadores e a tentativa de controlo da procura, onde se pode inscrever com particular pertinência a GV.

Nos serviços, não há assim transferência de propriedade; do seu consumo não decorre a posse de algo físico, embora a sua prestação se apoie, como é o caso do turismo, em elementos físicos. Com efeito, o produto turístico é antes de mais uma experiência, e com significado temporal prolongado, começando a ser preparada, muitas vezes, com antecedência e que as memórias e

souvenirs fazem durar mais tempo: “Para o turista, o produto cobre a experiência completa, desde

o momento em que sai de casa até que a ela regressa” (Medlik e Middleton, 1973, citados por Middleton e Clarke, 2001: 121).

Por outro lado, a par desse “imbróglio de intervenientes” de que fala Costa (1996: 13), o produto é igualmente uma “amálgama de produtos” (id., ibidem). Deste facto, deriva a exigência de grande cooperação entre os diversos actores da oferta. Mas, sobre este produto compósito, onde cabe tudo aquilo que é consumido, experimentado e até observado, grande parte do tempo, não há controlo de um agente económico específico porque inclui elementos não comercializáveis (paisagem, clima, cultura, ambientes, etc.).

Nesse sentido, Middleton e Clarke (2001) referem-se a um “produto global”, relativamente ao qual identificam cinco componentes: atracções e ambiente do destino, equipamentos e serviços do destino, acessibilidades ao destino, imagens do destino e preço para o consumidor. A qualidade do produto é avaliada pelos turistas considerando todo esse complexo de serviços, em todos os estádios do processo de consumo, bem como a interacção social estabelecida, designadamente com os prestadores, os residentes e até outros visitantes.

Por isso, no entender de Murphy (1985: 16), o produto é uma “experiência de destino”, a par de outros autores que identificam claramente o produto turístico com a área-destino (Ashworth e Voogt, 1990: 6).

Para além das características comuns aos serviços já referidas, vários autores sublinham a especificidade do produto turístico face aos restantes serviços, enumerando várias características distintivas, entre as quais são de particular pertinência as mencionadas por:

Morrison (1996, citado por J. Costa et al., 2001: 7-8)

exposição aos serviços é reduzida e intensa - ao contrário de outros serviços utilizados de uma forma mais ou menos continuada, a intensidade da experiência turística é muito elevada, mas decorre num horizonte temporal reduzido, o que amplia qualquer incidente negativo ao ponto de poder condicionar toda a experiência;

maior grau de emoção e de irracionalidade no acto da compra – as características psicográficas do consumidor têm um papel determinante na tomada de decisão;

local de consumo distante – o local de consumo pode distar centenas de quilómetros do lugar de residência; no caso de uma primeira compra, a impossibilidade de testar o produto in loco amplia o risco da decisão;

importância dos canais de distribuição – na impossibilidade de testar o produto, a comunicação protagonizada pelos “distribuidores”28 é fundamental, tornando-se, muitas vezes, eles próprios produtores pela criação de packages;

maior dependência de serviços complementares – intervenção de grande diversidade de entidades prestadoras de serviços, ampliada pela grande fragmentação da oferta, que contribuem para o grau de satisfação final;

Cooper et al. (2001: 201)

produto pessoal – o turismo é um produto totalmente baseado na produção e consumo simultâneos, enquanto em muitas “indústrias” de serviços (bancos, seguradoras, meios de comunicação, etc.) não há estrita necessidade do consumidor visitar pessoalmente o local de produção, o que deriva da característica seguinte;

Ryan (1997: 52)

participação do visitante no processo de produção da experiência turística - “o turista não é simplesmente um consumidor passivo mas um parceiro proactivo”, o que constitui “uma diferença importante entre as férias e outros serviços”;

Holloway (2002: 4-5)

produto como experiência física e psicológica intensa – “vender viagens é como vender sonhos”, o que explica o elevado grau de expectativa pela importância que assume para o turista;

investimento especulativo no acto da compra – especialmente no caso de uma primeira visita, envolve grande risco pelo seu valor elevado a par da compra “de uma utilização temporária de um ambiente estranho”.

Todas estas características próprias do produto turístico - que pressupõe um alto envolvimento por parte dos consumidores, em busca de experiências memoráveis, e dos prestadores de serviços que procuram responder às expectativas daqueles – conferem-lhe uma natureza complexa.

Sem prejuízo desta percepção global, que os vários agentes devem ter em consideração, Middleton e Clarke (2001: 122) reconhecem que, pelo lado da oferta, as várias empresas prestadoras de serviços turísticos têm uma visão muito mais estreita dos produtos que elas próprias comercializam e directamente controlam, podendo falar-se de produto turístico, por um

lado, e, por outro, de produtos turísticos. Se o produto turístico é percepcionado pelos turistas de

uma forma integrada e global; pelo lado da oferta, é visto sobretudo de uma forma individual e específica.

28 Em turismo [e em recreação fora de casa], não há distribuição física do produto: “um lugar não é um produto que