• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5. A Gestão de Visitantes como factor de competitividade

5.3. Competitividade e atracções de visitantes

5.3.3. Sustentabilidade – condição para a competitividade

“No núcleo do turismo sustentável residem as boas práticas de GV” (Page et al, 2001: 322). Com efeito, Donk (2001: 11) identifica três categorias constituintes da abordagem ou filosofia de GV: ‘gestão’, ‘estrutura e estratégia’ e ‘sustentabilidade’. No âmbito desta última, a autora sublinha os seguintes princípios:

 abordagem proactiva em detrimento da abordagem reactiva;

 resolução de causas preferencialmente à resolução de problemas;  envolvimento local integrado no processo; e

 para além da orientação para os recursos, orientação para os elementos sociais, económicos, culturais, ambientais e para os visitantes.

A questão da sustentabilidade coloca-se com mais acuidade nos sítios sensíveis, designadamente de património natural e construído, mas igualmente na área de implantação de atracções de visitantes construídas para o efeito.

Os percursores do conceito de desenvolvimento sustentável pertencem ao moderno movimento ambiental. Várias ideias e princípios contribuíram para a consolidação deste paradigma durante as décadas de 80 e 90, cujas interpretações reflectem sobretudo diferentes atitudes e formas de

perspectivar o equilíbrio entre a necessidade de promover o crescimento das economias e a indispensabilidade de proteger o ambiente e seus recursos.

Weaver e Lawton (1999: 9) sublinham também que, como ideia explícita, o desenvolvimento sustentável apareceu no final da década de 70 e início da década de 80, embora muitos, erradamente, atribuam a origem do termo ao relatório Brundtland, publicado em 1987. No entanto, o conceito de desenvolvimento sustentável teve de facto como marco fundamental a apresentação de “O Nosso Futuro Comum” (WCED, 1987, conhecido como relatório Bruntland) que o definiu como sendo aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações virem a satisfazer as suas próprias necessidades” (citado por OMT, 1998: 21).

A par da definição da WCED já referida, “elegantemente simples e aceitável por princípio por quase todos” como escrevem Weaver e Lawton (1999: 10), e do largo consenso que a definição básica de desenvolvimento sustentável gerou, emergiram perspectivas divergentes relativamente à sua interpretação e exequibilidade.

Da noção de desenvolvimento sustentável nasceu o conceito de turismo sustentável. Segundo Butler (1996: 12), a aplicação da noção de sustentabilidade ao turismo parece ser uma consequência natural do facto de se tratar de uma actividade muito dependente da qualidade ambiental e da preservação dos recursos. Por outro lado, o mesmo autor (Butler, 1993: 12) entende que a emergência do conceito, “mais adoptado em termos de princípios do que na realidade”, se integra numa segunda “onda verde”, na década de oitenta, expressa na introdução de códigos de ética e prática turísticas, preocupação com a reciclagem e reutilização na operação turística e aparecimento de lobbies e associações “verdes”.

A definição de turismo sustentável mais popular ficou consagrada na "Globe’90 Confererence for Sustainable Tourism Development”, que decorreu em Vancouver, no Canadá, em 1991. O turismo sustentável “satisfaz as necessidades presentes dos turistas e das regiões receptoras, enquanto protege e realça as oportunidades para o futuro. É perspectivado por forma a conduzir a uma gestão de todos os recursos com vista a que as necessidades económicas, sociais e estéticas possam ser preenchidas, enquanto se mantêm a integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a diversidade biológica e os sistemas de suporte da vida” (OMT, 1998: 19).

Para Weaver e Lawton (1999: 6), reflecte-se na esfera do turismo o problema da ambiguidade e consequente vulnerabilidade de interpretação e aplicação, em termos ideológicos, dos princípios de sustentabilidade: as perspectivas antropocêntricas tendem a enfatizar a exploração dos recursos para bem das populações humanas enquanto as perspectivas biocêntricas colocam primeiro ênfase no ambiente natural. Deve haver, no entanto, sublinham, lugar para o compromisso entre as escolas mais moderadas de cada uma das posições: conservacionistas do

lado antropocêntrico e os preservacionistas do lado biocêntrico. Hunter, por seu lado, (1995, cit. in Weaver e Lawton, 1999: 17), salienta que o turismo só pode ser sustentável se, para além de preencher as necessidades das gerações presentes e futuras, satisfizer também as necessidades do sector turístico e turistas.

Esta apreciação da noção e evolução do conceito de sustentabilidade permite afirmar que, apesar das contradições na sua aplicação e de alguns o classificarem de oxímero inultrapassável (Weaver e Lawton, 1999: 10), este é o paradigma de referência da actividade turística, ainda que como condição ideal e difícil (impossível?) de alcançar.

Porque uma atracção quer ser competitiva hoje e no longo prazo, a sustentabilidade é condição para a competitividade. Todas as atracções, patrimoniais ou não, devem operar tendo em conta os princípios de sustentabilidade referidos, mas sobretudo em resposta ao já referido paradoxo da

gestão patrimonial de Hall e MacArthur (1998: 107), no ponto 5.2.4.3., a GV revela-se factor tanto

de competitividade como de sustentabilidade, diminuindo tensões e potenciando cumplicidades. A par de outros, Page et al, (2001: 322) citam expressamente a GV como instrumento de sustentabilidade. Depois do que ficou exposto, parece que o fazem com toda a justeza.

5.4. Conclusão

De acordo com a essência da actividade de gestão que é ‘coordenar’ (súmula do ponto 5.2.1.), as decisões em GV cabem aos gestores da atracção que devem planear, incrementar programas, seleccionar estratégias, concretizadas depois em técnicas para lidar e regular a utilização e visita do sítio. No entanto, a GV é uma actividade global da atracção de visitantes, devendo envolver todos os recursos humanos.

No que se refere a atracções patrimoniais, naturais e construídas, a GV procura essencialmente regular e promover uma relação equilibrada entre a qualidade da experiência dos visitantes e os interesses de conservação do recurso. Assim, a gestão das actividades dos visitantes é igualmente importante para a gestão dos recursos. Já no que diz respeito às atracções construídas para visita, o principal objectivo é gerir a experiência dos visitantes, de forma eficaz e eficiente, evitando sobrelotação, congestionamento, falta de informação, desorientação e todos os factores que possam ser causa de insatisfação e, por outro lado, potenciando aspectos positivos específicos do programa de GV.

Em relação à maioria das atracções, o principal problema não é o número de visitantes anual mas a sua concentração no espaço e no tempo, facto que evidencia como uma gestão eficaz da procura e da capacidade podem ser decisivas no sentido de minimizar os impactos negativos para as atracções, para os visitantes e para as áreas-destino adjacentes. Por isso, nos casos mais

sensíveis, surge o dilema entre proporcionar uma experiência autêntica e satisfatória e a possível degradação do recurso atractivo.

As estratégias de GV podem ter um carácter restritivo, regulando e proibindo, ou mais educativo e positivo, informando e sensibilizando. No entanto, enfatiza-se o planeamento positivo e a provisão de informação, em vez da mera aplicação de restrições negativas e proibições, o que geralmente causa insatisfação e incompreensão da finalidade da regulamentação. Por isso, o enfoque na necessidade de técnicas baseadas em planeamento, modelos e abordagens proactivos.

De facto, os factores que produzem efeitos negativos sobre os recursos de património natural ou construído estão normalmente associados aos comportamentos inadequados dos visitantes porque não conhecem, ou não lhes foram dados a conhecer, o valor e sensibilidade do recurso que estão a visitar. Este facto faz realçar a importância da interpretação, educação, gestão da procura, estratégias de marketing ou demarketing, para sensibilizar e levar ao abandono de comportamentos indesejáveis. As técnicas mais restritivas não devem ser utilizadas a solo nem numa perspectiva de longo prazo.

Todavia, a GV como processo e as suas técnicas individualmente consideradas não estão isentas de críticas. Por um lado, o facto de se gerir, de certo modo intervindo na experiência do visitante, até pelo simples facto de indicar um itinerário, para alguns autores, em referência, por exemplo aos parques temáticos, é um factor condicionador de autenticidade. Outras acesas críticas se levantam no que respeita à replicação dos recursos ou a experiências pastiche de mercadorização e efabulação interpretativa da história. Com efeito, as técnicas de GV, como a interpretação, podem passar a ser centrais na criação da experiência real. Há riscos da interpretação substituir, por completo, a experiência do sítio. A par destas críticas de carácter sociocultural, as intervenções no sítio ou a mera presença de visitantes em áreas sensíveis são vaiadas pelos ambientalistas ou técnicos patrimoniais por alterarem a estética, paisagem ou a arquitectura do sítio e ameaçarem os sistemas naturais ou recursos monumentais. A acrescentar a isto, as áreas onde têm lugar estas alterações tendem depois a ser mais promovidas, o que resulta em efeito contrário ao objectivo inicial.

Os estudos de capacidade de carga turística, a par com os estudos de impacto ambiental, foram das primeiras metodologias usadas para dar resposta aos problemas de afluência massiva de visitantes em espaços recreativos. Em relação aos vários modelos revistos, apesar das suas diferenças, pode concluir-se que, em geral, entendem que a actividade turística e recreativa origina impactos e, por isso, se devem identificar condições de sustentabilidade tendo em conta também os visitantes e a comunidade receptora. No entanto, os factores e condições são dinâmicos ao longo do tempo, diferentes para diferentes espaços e atendendo a diversos factores físicos, ambientais, económicos, sociais, como por exemplo, as características dos visitantes.

Deste facto, resulta aliás a necessidade de pesquisa e monitorização dos visitantes. Os impactos não resultam linear e directamente do número de visitantes ou da intensidade de actividade. A segmentação e estratégias de marketing dirigidas a segmentos-alvo mais desejáveis para a atracção devem ser equacionadas.

A GV não é, por isso, um objectivo em si mesma, mas deve ser integrada em processos mais amplos de planeamento, gestão e monitorização. Registe-se ainda que todos os modelos referidos partiram e são principalmente aplicados em áreas naturais e as aplicações concretas destes são menos frequentes em atracções de património construído. Os modelos de Capacidade de Carga e Espectro de Oportunidades de Recreação são mais simplificados e os mais aplicados.

A qualidade do serviço/produto (experiência) é subjectiva e deve ser apreciada em relação às expectativas do cliente. Por isso, é fundamental determinar quais as necessidade e desejos dos visitantes, bem como aferir a sua satisfação. A insatisfação trava a repetição da visita e incita a recomendação negativa, comprometendo a competitividade.

As ‘boas práticas’ empresariais podem ser vistas como os alicerces das ‘capacidades distintivas’ e, por consequência, das ‘vantagens competitivas’. Num contexto de competição crescente, as atracções de visitantes devem ter uma orientação de mercado, desenvolver uma política de marca e de inovação, apostar nas tecnologias de informação, não só na criação da experiência mas na comunicação e “distribuição”, e qualificar os seus processos, recursos e competências, designadamente, como se procura provar neste trabalho, em GV. Com efeito, a GV como fonte de vantagem competitiva, fundamental para uma atracção diferenciar o seu produto e serviço face aos seus competidores e obter vantagem igualmente em termos de custos, constituiu o ponto de partida deste estudo. A GV é igualmente um instrumento de sustentabilidade podendo reduzir tensões e ampliar cumplicidades entre a atracção e os seus visitantes. No médio e longo prazo, a sustentabilidade é condição de competitividade.

Terminada a revisão da literatura, e com base nela, no próximo capítulo é apresentada e discutida a metodologia deste estudo, ligando esta primeira parte de análise bibliográfica, com a segunda relativa à investigação empírica a empreender.