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2.3 SUBJETIVIDADE

2.3.2 Modos de Individuação e Singularização

Os modos de individuação (ou individualização) e singularização também são conceitos originados da Filosofia da Diferença. Guattari e Rolnik (1996) argumentam que os diversos elementos que compõem a subjetividade estão em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos. Alguns elementos são inconscientes, outros pertencem à ordem do corpo, dos territórios familiares, outros à ordem dos grupos, dos clãs, do seu bando, outros, ainda, à ordem do poder, da polícia, da lei, etc. Tudo isso é abarcado por uma verdadeira subjetividade capitalística, o que significa assumir a hegemonia do capitalismo contemporâneo e sua forma de (re)produção de subjetividades. Apesar de ter essa força, a subjetividade capitalística é fundamentalmente social e, por isso, é assumida e vivida por indivíduos em ―suas existências particulares‖ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 33).

As particularidades vivenciadas permitem que as subjetividades de um indivíduo oscilem entre duas extremidades. De um lado, o indivíduo se submete às subjetividades recebidas em um movimento de alienação e opressão, denominado processo de individuação. De outro, o sujeito consegue se reapropriar dos componentes de subjetividade recebidos em um movimento de expressão e criação, o que se configura em um processo de singularização (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Guattari e Rolnik (1996) ressaltam que a noção mais apropriada de subjetividade leva à renúncia da ideia de que a sociedade é resultante de uma soma de subjetividades individuais. De modo oposto, é a subjetividade individual que advém de um coletivo de múltiplas espécies: sociais, econômicas, tecnológicas, midiáticas. Desse modo, as subjetividades coletivas, ao se associarem e aglomerarem, resultam em processo de singularização – uma afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções. As transformações que ocorrem no mundo advêm desse processo, que nada mais é do que a expressão de fatores de resistência ao controle social, à serialização.

Deleuze e Guattari (2012b), assim como Guattari e Rolnik (1996), também contextualizam tais resistências, que podem se configurar em movimentos sociais,

movimentos de minorias, de desvios de toda a espécie, desde os mais barulhentos até os mais silenciosos e brandos. Trata-se de uma sensibilização dos pontos de ruptura para atacar a raiz do sistema. É o que traz o caráter de autonomia, liberdade para criar e captar seus próprios elementos de referência para viver a vida. Os modos de subjetividade singulares e originais têm essa capacidade de se mobilizar, de mapear, de se inserir em níveis de relações de força local, de fazer e desfazer alianças.

Por isso também são chamados por Deleuze e Guattari (2012b) e Guattari e Rolnik (1996) de revolução molecular, a saber, movimento em linhas maleáveis, em que as menores partículas do universo se unem e formam moléculas capazes de provocar transformações ao confrontar linhas duras, de controle, normatizadas, de característica molar26 (CASSIANO; FURLAN, 2013). A revolução molecular consiste em produzir as condições não só de uma vida coletiva, mas também de uma vida para si próprio, tanto no campo material quanto no campo subjetivo. Diz respeito aos fatores pessoais (relações de autodominação), infrapessoais (o que está em jogo no sonho, na criação, etc.) e interpessoais (invenção de novas formas de sociabilidade na vida doméstica, amorosa, profissional, na relação com a vizinhança, etc.).

Contudo, a singularização não é algo permanente. Ao se deparar com vetores de desejo e agenciamentos maquínicos, o processo pode se reconfigurar e se individuar. Por isso, Guattari e Rolnik (1996, p. 49) lembram que ―há sempre algo de frágil e precário nos processos de singularização. Pode ele ocorrer em acabar fechando-se em guetos‖. O que se deve colocar em discussão é como os processos singulares se articulam com os de individuação. A individuação seria uma espécie de reificação da subjetividade. Por meio dela, ocorre um aprisionamento, uma desconexão com o mundo e, por isso, não se desencadeiam os processos de singularização (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Esta é a tendência da ordem capitalística: ―bloquear processos de singularização e instaurar processos de individualização‖ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 38), ao produzir indivíduo consumidor da cultura de massa, reduzido a padrões universais, serializado e individuado por uma fábrica de subjetividades nas quais se baseia a sociedade. Nessa perspectiva, particularidades dos modos de

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Para Deleuze e Guattari (2012b) as linhas de segmentaridade duras são características dos conjuntos molares (Ex.: estratos sociais); e as linhas de segmentaridade maleáveis são características de relações moleculares (Ex.: movimentos sociais que movem o indivíduo da rigidez dos estratos).

existência dos indivíduos paulatinamente se esvaziam, tornando-os insensíveis. Logo, as experiências perdem a capacidade de organizar processos criativos do cotidiano, interrompendo os processos singulares (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Os processos de subjetivação apropriados pelo Capitalismo Mundial Integrado27 – que hoje se chama globalização – procuram dificultar cada vez mais os processos de singularização. Trata-se de uma subjetividade que tende a excluir dores como a morte, a solidão e os sentimentos como a raiva. Por meio dessa lógica, há que se excluir dos espaços sociais quem não segue os fluxos de individuação, de padronização (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Tudo o que é da ordem da ruptura, do surpreendente, do angustiante, assim como do desejo, do amor e da criação deve se encaixar, de um modo ou de outro, nos modelos dominantes. Dessa forma, os processos de individuação integram e normalizam ―processos de responsabilização social de culpabilização e de entrada da lei dominante‖ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 37). Pode-se falar em níveis de individuação: (i) o ser humano é um indivíduo biológico, que busca nutrição e sobrevivência; (ii) ideia de diferenciação entre homem, mulher, homossexual; (iii) individuação nas relações econômicas – a classe social. Esses níveis tendem a naturalizar a serialização dos indivíduos nesses grupos (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Tal dinâmica permite pensar em classificações, ou seja, em padronizações que são projetadas para determinados grupos – de profissionais, de trabalhadores, de mulheres, de religiosos, de nacionais de um país, etc. Há modos de viver que podem ser pensados em agrupamentos, e tal lógica é discutida por Bauman (2011), que apresenta, de forma metafórica, estratégias de vida em deslocamento, as quais são contextualizadas a seguir.

2.3.3 Andarilho, Jogador, Turista e Vagante: modos de viver a vida em