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Ok, tem que mostrar o muque (fala em relação a posição do braço) C: Bó lá, então, né?

4 TRADUÇÃO AUDIOVISUAL E ACESSIBILIDADE

C: Aí, exatamente aí, aí Sobe mais um pouquinho, aí! (Indica a altura máxima que o

I: Ok, tem que mostrar o muque (fala em relação a posição do braço) C: Bó lá, então, né?

Analisando os trechos transcritos, vemos que a preocupação com o enquadramento era constante. À cada nova tentativa de ensaio e gravação, o enquadramento era testado e ajustado, de acordo com os sinais emitidos. É dada atenção especial ao enquadramento superior, visto o intérprete realizar o sinal DEUS, no qual a mão configurada em “d” é elevada acima da cabeça. A palavra Deus, na versão oralizada, é dita em tom alto, como em um grito. Na tentativa de manter ênfase semelhante na tradução sinalizada, o intérprete, inicialmente, opta por estender o sinal, alongando-o acima da cabeça (Figura 27, DP08 e DP09).

Figura 27 – Sinal DEUS realizado em diferentes versões DP08 DP09 DP11 DP12

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Contudo, o cinegrafista chama a atenção para a altura alcançada na realização do referido sinal, pois o mesmo poderia ser cortado. A partir daí o tradutor/intérprete opta por mudar a estratégia tradutória e dá a ênfase desejada com o emprego de expressão facial

associada ao sinal de grito (mão esquerda), realizados, simultaneamente, ao sinal DEUS (mão direita). Essa estratégia foi adotada em todas as versões seguintes, ensaio 3 (DP11), tomadas de gravação 1 e 2 (DP12) e interpretação final (DP15). Ocorre que, mesmo com a nova estratégia tradutória, o sinal ainda estava muito alto e o cinegrafista continuou redefinindo o enquadramento; assim, o intérprete ajustava a altura do movimento do sinal DEUS, até chegar a um formato que coubesse no enquadramento da gravação, conforme mostrado abaixo:

Figura 28 – Enquadramento final sinal DEUS (DP15)

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Comparando a figura 27 com a 28, observamos que o movimento vertical do sinal DEUS foi reduzido, mas alcançou-se a ênfase desejada com a expressão facial bem marcada, concomitante ao sinal GRITO. Analisando o conjunto dos documentos de processo, não identificamos problemas em relação ao enquadramento lateral. Porém, o enquadramento inferior parece ter ficado um pouco abaixo do recomendado, visto que, em algumas cenas, é possível ver pequenas partes da calça do TILS, principalmente, em momentos de incorporação dos personagens e interpretação cênica de ação mais intensa. No entanto, esse detalhe não parece prejudicar ou desviar a atenção do telespectador.

Os contrastes entre tom de pele e vestimenta do tradutor foram nítidos e possibilitaram uma imagem clara do conteúdo sinalizado. De modo geral, orienta-se que pessoas de pele clara usem blusa preta e as de pele escura utilizem cinza. As blusas devem ser lisas, sem decotes abertos, bolsos ou botões; as mangas podem ser curtas ou longas (MARQUES; OLIVEIRA, 2012; NAVES et al., 2016).

O posicionamento do TILS no estúdio deve ser feito de modo a permitir a visualização da imagem audiovisual projetada para ritmar a sua interpretação, bem como, eliminar sombreamentos na parede de trás do estúdio. Tal posicionamento foi marcado no chão do

estúdio com fita crepe e pode ser visto na figura 29. As dimensões do estúdio, também, são apresentadas na figura seguinte:

Figura 29 – Dimensões do estúdio e marcação de posicionamento do intérprete

Fonte: imagens da pesquisa.

Em relação à imagem anterior, o tamanho do estúdio pode ser representado da seguinte forma: o espaço aproximado, que vai da parede verde até o computador, tem 3 metros; do computador até o posicionamento da câmera, mais 2 metros; e da câmera até a parede de fundo, mais 2 metros, totalizando, aproximadamente, 7 metros de comprimento. A largura é variada, pelo fato da sala não ser nem quadrada, nem retangular; o formato se aproxima ao de um L.

A câmera fica posicionada em cima de um palco com cerca de 20 centímetros de altura e a 3 metros do intérprete. O posicionamento do intérprete foi marcado, pelo cinegrafista, no chão com fita crepe (marcação mais longa, identificada na figura 29 pela seta vermelha), cerca de dois metros da parede de fundo, pelo fato da primeira marcação (a menor) estar muito próxima do computador, o que poderia interferir na captura das imagens pela câmera.

Naves et al. destacam que:

Deve ser garantido ao TILS o retorno visual da tradução. Esta pode ser realizada por projeção ou outra técnica para garantir a apontação e correção dos possíveis espelhamentos. O TILS deverá contar com uma estrutura técnica mínima para execução do trabalho. Além da iluminação anteriormente mencionada, necessitará também de:

1) Uso de filmadora de altíssima resolução para que as nuances de suas mãos e dedos não sejam perdidas devido a imagens de baixa resolução;

2) Dois monitores de retorno. Um para visualização da cena do filme, programa a ser trabalhado. Outro para sua própria visualização. Para observar o enquadramento correto, postura e cabelo, entre outros (NAVES et al., 2016, p. 35)

A câmera utilizada na gravação final da tradução foi uma Sony HDV DVCAM 3CMOS, equipamento profissional e com qualidade de gravação em alta definição - HD (high definition). A câmera ficou posicionada em um tripé de 1,50m de altura, contando com microfones e tela de visualização integrados. O modelo da câmera é o mostrado na figura 30, abaixo:

Figura 30 – Câmera utilizada na gravação final da tradução

Fonte: dossiê da pesquisa.

Em relação aos dois monitores de retorno (um para o produto audiovisual e outro para a tradução feita), indicados por Naves et al., infelizmente, esses não eram disponibilizados no estúdio. O local contava com um teleprompter, equipamento acoplado à câmera ou posicionado em frente a ela para mostrar textos a serem lidos por apresentadores; todavia, a exibição única das legendas em português ou das glosas elaboradas pelo TILS não era suficiente para auxiliar na interpretação do filme. O único equipamento disponível era, então, o computador da pesquisadora, que foi utilizado para a exibição da obra fílmica. Observemos a figura 31 que segue:

Figura 31 – Teleprompter, computador no púlpito e computador em local adaptado

Fonte: dossiê da pesquisa.

Em F144, observamos a tentativa de uso do teleprompter para a exibição do filme, mesmo tal equipamento não sendo projetado para este fim. Para tanto, foi colocado um aparelho celular exibindo o vídeo na base do equipamento para que a imagem fosse espelhada na tela; mas a imagem espelhada ficou muito pequena e de difícil leitura da legenda embutida, ensejando, assim, o declínio no uso do equipamento. Como segunda opção, foi colocado o computador da pesquisadora em cima de um púlpito para que o intérprete visualizasse o filme e lesse as legendas (F2); contudo o púlpito era muito alto e aparecia na imagem gravada, sendo descartado, também, o seu emprego. Como terceira tentativa, adotada até o final da gravação, foram colocados dois elementos decorativos do estúdio, um sobre o outro, em cima dos quais posicionou-se o computador, que exibia o filme legendado em português (F3). Notemos a figura 32:

Figura 32 – Direcionamento do olhar do intérprete

Fonte: dossiê da pesquisa.

Na figura 32, podemos perceber o direcionamento do olhar do intérprete voltado para baixo, o que decorreu da posição do computador, que lhe dava acesso ao produto audiovisual. A decisão da alocação do equipamento, talvez, não tenha sido a mais acertada, mas foi a única passível de adaptação aos recursos disponíveis no estúdio. O local do teleponto improvisado foi definido, considerando-se uma distância tida como confortável para a visualização do filme pelo intérprete, bem como, para que o enquadramento da câmera não registrasse elementos

44 O cinegrafista que contribuiu com a nossa pesquisa, gentil e gratuitamente, não autorizou a veiculação da sua imagem.

exteriores ao intérprete, como o computador. Embora seja possível perceber que o direcionamento do olhar do intérprete não está centralizado, voltado para a plateia, acreditamos que este não seja um elemento que distraia o telespectador, ao acessar o material. Contudo, o olhar direcionado para baixo pode funcionar como um ruído e causar certo desconforto ao público que consome a obra. Não houve comprovação, no entanto, para tais observações, uma vez que o filme não foi submetido a teste de recepção.

A análise dos parâmetros técnicos recomendados para a produção da janela de Libras, bem como aqueles empregados na tradução e interpretação de Raccoon & Crawfish, nos leva a perceber a necessidade de treinamento de pessoal especializado, quanto às especificidades técnicas demandadas por essa prática; de modo que cinegrafistas, auxiliares de gravação e editores de vídeo tenham mais clareza em sua atuação e não dependam, exclusivamente, da figura do intérprete para orientar o trabalho.

Além disso, para que os estúdios ofereçam uma estrutura considerada adequada ao trabalho do intérprete, será necessário investimento em equipamentos eletrônicos de projeção de vídeo para que os retornos visuais sejam disponibilizados e o profissional possa atuar com mais conforto, voltando a sua atenção apenas à qualidade do material produzido. Estes foram os aspectos técnicos sugeridos para a produção de janelas de Libras encontrados na literatura especializada da área e empregados na produção da janela de Raccoon & Crawfish.

Na sessão seguinte, apresentaremos a leitura genética da produção em estudo, discutindo os aspectos linguísticos, tradutórios e interpretativos adotados no processo de tradução e interpretação em janela de Libras de Raccoon & Crawfish, embasados nos movimentos de gênese identificados, ao longo do processo.

5 CAMINHOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EM JANELA DE LIBRAS DO