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3.2 UM OLHAR SITUACIONAL SOBRE O MOVIMENTO FEMINISTA

3.2.1 O movimento feminista e suas ondas

É de praxe e consenso teórico subdividir a história do movimento feminista a partir do que chamamos de ondas. Longe de serem reducionistas ou contarem um processo evolutivo, as ondas do feminismo contemplam certa interpretação dos cenários e da diversidade do movimento, e assinalam, através de marcos históricos, como ele se reinventou ao longo do tempo, em permanente resposta as problemáticas estruturais de cada época. Algumas historiadoras esforçam-se em subdividir a história do feminismo desde um período pré- moderno, ao moderno até a atualidade, no entanto, para aclarar nossa postura, passaremos a pensar o feminismo a partir do momento em que ele tornou-se efetivamente um movimento de articulação e prática política. Partimos assim, de um resgate histórico para que possamos compreender o movimento como parte integrante de um campo lutas sociais que transformou

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e vem transformando o cenário político-social desde as primeiras décadas do século XX até hoje.

3.2.1.1 A onda da conquista de direitos

A primeira onda do feminismo data do final século XIX e advém de um processo anterior de revoluções históricas26. Conforme acentua Garcia (2011, p.51), este foi um período marcado por grandes movimentos de emancipação social, no qual “o feminismo aparece pela primeira vez, como um movimento social de âmbito internacional, com identidade autônoma e caráter organizativo”. Com um cenário de transformação propício, advindo da recente industrialização e do desenvolvimento de democracias em todo mundo, as mulheres suscitaram grandes expectativas de emancipação neste período. No entanto, logo as esperanças de mudança chocaram-se com o que, de um lado, tonava-se uma realidade que ainda negava os direitos políticos e civis básicos para sua autonomia, e de outro, pela incorporação e exploração da mulher proletária nas indústrias, vistas como força de trabalho submisso e barato para as fábricas.

De acordo com Alves e Pitanguy (2003), a situação de degradação e a negação política da mulher no século XIX foram os fatores que propiciaram um terreno fértil para a configuração de alicerces emancipatórios da primeira onda do feminismo. Demarcado principalmente pela ascensão de mulheres letradas da classe média que, privadas de uma vida no espaço público, experimentavam crescente indignação com “sua situação de propriedade legal dos maridos e sua marginalização da educação e das profissões liberais” (GARCÍA, 2011, p.65), o feminismo dessa época é um feminismo demarcado pela conquista de direitos. Nesta fase, é possível observar claramente as diferenças entre as demandas da mulher burguesa e da mulher proletária, que ficam ainda submersas a esquemas de exploração até unirem-se ao movimento operário de base socialista. Porém, como explica García, burguesas e proletárias, envolvidas em movimentos socialistas ou liberais, construíram uma estratégia política em conjunto: a de colocar em ênfase histórica a questão da mulher.

Para isso, o horizonte político-social do feminismo, neste período, inscreveu-se na máxima da igualdade entre os sexos através da luta por direitos universais, demando a alforria jurídica, econômica e social da mulher. O ápice dessa luta encarnou-se no chamado

movimento sufragista. Tendo os EUA e a Inglaterra como os países de força e repercussão, o

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Como o Iluminismo e a Revolução Francesa que, conforme Gamba (2008), proclamaram a igualdade e fomentaram demandas sociais para a liberdade do sujeito, ideais que na prática não se estenderam às mulheres, que passaram a perceber a luta autônoma como a melhor maneira de reivindicar seus direitos.

sufragismo foi, em síntese, um movimento internacional presente em todas as sociedades industriais que tinha como objetivos centrais o direito ao voto, a educação e a condições dignas de trabalho. Nos EUA, em um primeiro momento, as sufragistas participaram de movimentos antiescravagistas, realizando reuniões e congressos que buscavam reclamar os direitos civis das mulheres e dos negros:

em 1848, convocadas por Elizabeth Cady Stanton, realizou-se em una igreja de

Séneca Falls o primeiro congresso para reclamar os direitos civis das mulheres. No

entanto, com o fim da guerra civil, se concedeu o voto aos negros, mas não às mulheres, o que provocou uma etapa de duras lutas. Somente em 1920, a emenda 19 da Constituição americana reconheceu o direito ao voto sem discriminação de sexo (GAMBA, 2008, p.03).

Já na Inglaterra, o movimento sufragista decorreu de reivindicações e debates parlamentares sobre o problema da exploração da mulher nas fábricas e a igualdade de direitos, em 1903 Emmiline Pankhurst criou o Woman’s social and Political Union e organizou manifestações e protestos que firmaram os conflitos e a união das mulheres de diferentes classes sociais no país (GAMBA, 2008). As manifestantes britânicas foram perseguidas e presas por diversas vezes, levando ao ato marcante de Emily Davison, feminista que em 1913, atirou-se à frente do cavalo do Rei Jorge V, mantando-se. Outras manifestações do movimento sufragista inglês, como os atos de se acorrentarem em portões de instituições públicas e privadas, fizeram com as sufragistas inglesas fossem reconhecidas por seus protestos. No entanto, é apenas com o início da Primeira Guerra Mundial que o governo britânico passa a declarar anistia às sufragistas presas, em função da necessidade de mão de obra feminina; e somente ao término da guerra é que se concede, em 1918, o direito das mulheres ao voto (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992).

De acordo com Gamba (2008) na América Latina o movimento sufragista não obteve tanto êxito como nos EUA e na Europa, restringindo-se aos setores da elite econômica. No Brasil, conforme Pinto (2010), a primeira onda do feminismo também se manifestou, mesmo que timidamente, através da luta pelo direito ao voto. Conforme explica esta autora, o sufragismo brasileiro foi liderado por:

Bertha Lutz, bióloga, cientista de importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, iniciando a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito de voto às mulheres (PINTO, 2010, p.16).

O direito ao voto foi conquistado no Brasil em 193227, valendo chamar a atenção também as sufragistas dos setores operários, assim como na Inglaterra, no Brasil as feministas proletárias de ideologia anarquista reuniram-se na “União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas”. Em manifesto de 1917, proclamam: “Se refletirdes um momento vereis quão dolorida é a situação da mulher nas fábricas, nas oficinas, constantemente, amesquinhadas por seres repelentes” (PINTO, 2003, p. 35).

Inventando manifestações e inspirando greves, o sufragismo foi inovador a questões de luta pacífica e exemplo para outros movimentos sociais: “as sufragistas lutavam pela igualdade em todos os terrenos apelando à autêntica universalização dos valores democráticos e liberais” (GARCIA, 2011, p.58). Tendo como mérito a defesa da solidariedade e da luta cívica, o movimento feminista que configura a primeira onda, escoou para o mundo a união das mulheres em prol de direitos democráticos, uma luta permanente que levou oitenta anos e gerações de mulheres militantes para lograr êxito (GARCIA, 2011).

Ao término da Segunda Guerra Mundial, as mulheres conquistaram o direito ao voto em quase todos os países ocidentais, mesmo naqueles recentemente descolonizados. Em uma etapa de transição, no entanto, o feminismo, paralelamente, perde sua força e entra numa espécie de recesso. Conforme Gamba (2008), a conjuntura social do pós-guerra e a satisfação com os direitos legais estabelecidos, tanto políticos quanto trabalhistas, enfraqueceu o movimento feminista que entra em hiato a partir da década de 1930 e só reaparece com força na década de 1960.

3.2.1.2 A onda da libertação

Particularmente importante para o mundo ocidental, a década de 196028 foi um período e efervescência política, cultural, abertura econômica e transnacionalização dos estados capitalistas. Assim, o feminismo da segunda onda surge em um contexto de revolução juvenil que não se dedica apenas a reivindicação de direitos, mas a indagação dos conhecimentos cânones da ciência e da sociedade como um todo. De acordo com Fraser (2007), a história da segunda onda do feminismo apresenta uma trajetória fomentada pelo

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Quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro (PINTO, 2009).

28 Os Estados Unidos iniciavam a Guerra do Vietnã, envolvendo um grande contingente de jovens. Surgia também no país o movimento hippie, que propunha outra forma de vida, contraria aos valores da moralidade de costumes e consumo norte- americanos. Além disso, na Europa, acontecia a revolução estudantil de “Maio de 68”, em Paris, quando universitários ocuparam a Sorbonne, desestabilizando uma ordem academicista estabelecida há séculos; somou-se a isso, a desilusão com os partidos burocratizados da esquerda comunista e luta da Nova esquerda junto aos Novos Movimentos Sociais. Espalhando-se pela França o movimento de estudantes tentou uma aliança com operários, o que refletiu em manifestações pelo mundo. Foi também nos primeiros anos da década que foi lançada a pílula anticoncepcional, primeiro nos Estados Unidos, e logo depois na Alemanha (PINTO, 2009).

radicalismo da Nova Esquerda (New Left), e inicia como um dos diversos Novos Movimentos Sociais que vieram a desafiar as estruturas normatizadoras e transformar o imaginário político da época “ao exporem uma ampla gama de formas de dominação masculina, feministas sustentaram uma visão expandida da política que incluísse ‘o pessoal’” (FRASER, 2007, p. 292).

A chamada segunda onda do feminismo tem como marco a publicação do livro, “O

segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, em 1949. Nele, a autora expressa uma das máximas

que viriam a configurar um novo feminismo: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Conforme Garcia (2011, p.82), este livro tornar-se-á o alicerce para o feminismo constituído na década de 1960, “lido por uma nova geração de feministas, constituídas pelas filhas, já universitárias, das mulheres que obtiveram depois da Segunda Guerra Mundial o direito ao voto e à educação”.

Além da afamada publicação de “O Segundo Sexo”, também se destaca como aporte para as feministas da época o consagrado livro “A mística feminina” de Betty Friedan, publicado em 1967. Com uma profunda análise da sociedade americana e da insatisfação das mulheres com sua vida: “a mística feminina foi como um detonador de um novo processo de conscientização feminista ao criar uma identidade coletiva capaz de gerar um movimento social libertador” (GARCIA, 2011, p.84).

Fundamentado, portanto, em um contexto propício e inspirado em duas obras de peso acadêmico, o feminismo da segunda onda assume o desafio de reinventar-se enquanto movimento político. Enfrentando a invisibilidade pública junto a outros movimentos sociais, nos quais os homens eram os líderes, as feministas tomam como sintomática sua emancipação para com o universo masculino, passando a se organizar de maneira autônoma ao instituir o chamado feminismo radical. Assim, conforme analisa Pinto (2010), o feminismo sobressai-se como um movimento libertário que,

não quer só espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. Aponta, e isto é o que há de mais original no movimento, que existe uma outra forma de dominação – além da clássica dominação de classe –, a dominação do homem sobre a mulher – e que uma não pode ser representada pela outra, já que cada uma tem suas características próprias (PINTO, 2010, p.16).

Ordenado pelo direito à liberdade sexual, o movimento sai do exclusivo domínio das mulheres brancas de classe média, para torna-se inclusivo e integrar preocupações de lésbicas, negras e mulheres pobres da classe trabalhadora (FRASER, 2007). Com reflexões em boa

parte do mundo, mas principalmente na Europa e nos EUA, as feministas, neste período, além do ativismo, assumem como prática política o desenvolvimento crítico e teórico. Com análises inspiradas no marxismo, na psicanálise e no anticolonialismo, as teóricas feministas desvelaram conceitos fundamentais como a redefinição da noção de patriarcado e gênero, além da análise da origem da opressão da mulher, da divisão sexual do trabalho e a reformulação das noções de espaço público e privado, sintetizado no slogan: “o pessoal é político” 29

(GAMBA, 2008).

A partir disso, o movimento passa a politizar o sexo e a vida cotidiana, preocupando- se com a cultura e com a política de identidade dos sujeitos (FRASER, 2007). Não se tratando apenas de ganhar visibilidade no espaço público, a necessidade diagnosticada pelo feminismo radical se presumiu em transformar as esferas de poder sustentadas pelo espaço privado, identificado como locus de dominação. Conforme explica Aboim (2012):

uma das grandes mais-valias que podemos atribuir ao feminismo foi a de, em certo sentido, decompor a própria distinção entre público e privado, destruindo a categoria de privado como realidade ontologicamente anterior ao público, e cuja ascensão poderia gerar a desordem e uma cultura egocêntrica e narcísica. Os ideais de família, e da intimidade nela vivida, como refúgio contra a esfera pública são também negados, pois é muitas vezes na esfera privada que são vividas algumas duras formas de opressão (ABOIM, 2012, p.106).

Para Gamba (2008), o feminismo coloca em xeque pela primeira vez que, por sua a capacidade de reprodução, a mulher deva assumir como mandato biológico o cuidado da família e das crianças. Além de revolucionar a teoria social, preocupado em desnaturalizar opressões, o feminismo da segunda onda alterou o desenvolvimento de grandes protestos públicos. Conforme Garcia (2011), a desobediência civil tornou-se uma das armas mais eficazes dos movimentos feministas: manifestações, marchas, grandes atos de protesto colocam em evidência a interpretação política das mulheres. Além disso, desenvolvem-se concomitantemente diversos grupos e centros alternativos de ajuda e reflexão, como uma das contribuições mais significativas do movimento no que tange o amparo e a alteração da consciência da mulher. Com grande impacto na opinião pública:

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Conforme Okin (2008) “o pessoal é político” tornou-se a afirmação que sustentou o que a maioria das pensadoras feministas que, em “diferentes tendências políticas, e em uma variedade de disciplinas, revelaram e analisaram as conexões múltiplas entre os papéis domésticos das mulheres e a desigualdade e segregação a que estão submetidas nos ambientes de trabalho, e a conexão entre sua socialização em famílias generificadas e os aspectos psicológicos de sua subordinação. Desse modo, a família se tornou, e vem se mantendo desde então, central à política do feminismo e um foco prioritário da teoria feminista” (OKIN, 2008, p.313).

entre as manifestações mais significativas estão aquelas em que as mulheres se autodenunciavam como autoras de atos considerados criminosos como forma de demonstrar que estes na verdade eram direitos arrebatados. Desse modo em 1971 foi publicado na França o “Manifesto das 343 Salopes”, no qual as mulheres ratificavam uma confissão aberta: “Eu abortei” (GARCIA, 2011, p.89).

Os anos 1970 para o feminismo são tributários da divisão de ideologias e do florescer do movimento em diferentes partes do mundo, com características diversas e necessidades próprias. O feminismo radical se dissolve, havendo um impasse, ainda não resolvido em teoria e em prática, entre as feministas de ideologia marxista e as feministas radicais. Assim, depois de inúmeras manifestações de força e vitalidade o feminismo, junto a outros movimentos sociais da década de 1960, passa por um período de estagnação na década 1980, ao menos enquanto movimento de prática ativista.

No Brasil, a segunda onda do feminismo sofre uma dinâmica peculiar em relação ao

resto do mundo. Isto porque na década de 1960, enquanto a Europa e os EUA efervesciam politicamente, o país enfrentava o início de uma ditadura militar que se tornaria completamente repressiva a partir de 196830. Como analisa Pinto (2010),

enquanto na Europa e nos Estados Unidos o cenário era muito propício para o surgimento de movimentos libertários, principalmente aqueles que lutavam por causas identitárias, no Brasil o que tínhamos era um momento de repressão total da luta política legal, obrigando os grupos de esquerda a irem para a clandestinidade e partirem para a guerrilha. Foi no ambiente do regime militar e muito limitado pelas condições que o país vivia na época, que aconteceram as primeiras manifestações feministas no Brasil na década de 1970 (PINTO, 2010, p.16).

De acordo com Sarti (2004), embora influenciado pelas experiências da Europa e dos EUA, o feminismo no Brasil, neste período, é significativamente marcado pela contestação à ditatura militar, o que imprimiu ao movimento características próprias. A confluência de diversos fatores fez com a década de 1970 fosse o momento de eclosão do feminismo no Brasil: a ONU declara 1975 como ano internacional da mulher, propiciando um cenário de visibilidade para questão social e política do feminismo no mundo; além disso, a presença das mulheres na luta armada contra a ditadura representou profunda transgressão experimentada cotidianamente, fazendo com que questões como casamento, comportamento sexual e virgindade fossem significativamente questionados; também, com a experiência do exílio, o contato com o feminismo europeu fez decorrer à pauta das mulheres brasileiras questões sobre a diferença de gênero e opressão, não somente sofridas através do regime ditatorial, mas pelo

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Promulgado em 13 de dezembro de 1968, o AI5, dava poderes extraordinários ao Presidente da República, garantido poderes absolutos ao regime ditatorial, suspendendo as garantias constitucionais e o Congresso Nacional.

próprio ambiente de militância, fazendo ascender argumentos contraditórios referentes à igualdade retórica entre os militantes31 (PINTO, 2010; SARTI, 2004).

Dessa forma, o feminismo, aos moldes brasileiros, se consolidou em meados da década de 1970, e, ainda que atuante na clandestinidade, abriu espaço para a existência de diversos grupos como: “Brasil Mulher, o Nós Mulheres e o Movimento Feminino pela Anistia” (SARTI, 2004, p.39). Conforme nos situa Soares (1994), os primeiros grupos feministas nasceram com o compromisso de lutar pela liberdade, pela anistia e pela abertura democrática traduzindo as motivações e as pressões sofridas pelas mulheres da época. Tendo origem social em camadas médias e intelectualizadas, o feminismo no Brasil não se restringiu a questões liberais, e, impregnado de uma perspectiva transformacional, articulou às suas demandas questões de estrutura socioeconômica. Assim, através necessidade de desvelar a opressão política, de gênero e também de classe, muitas feministas:

passaram a dirigir sua atuação para lutas em bairros e comunidades das periferias urbanas, das comunidades da Igreja Católica, clubes de mães, associações de vizinhança, onde donas de casa e mães se reuniam, organizavam-se e mobilizavam- se por questões do cotidiano (SOARES, 1994, p.14).

Essa atuação conjunta marcou o movimento no Brasil, e, segundo Sarti (2004, p.39), lhe deu “coloração própria”. O que envolveu uma delicada relação com o movimento de esquerda da igreja católica, sobre um pano de fundo que objetivava o fim do regime militar. Também, com as associações de bairro, onde o feminismo buscou, junto às camadas populares, reivindicações de infraestrutura básica, além do resgate da mulher do isolamento doméstico para enunciação política e reflexão das problemáticas que as afetavam cotidianamente, propiciando a emergência “de um novo sujeito político, ao questionar, de diferentes maneiras, a condição da mulher e pôr em discussão a identidade de gênero” (SARTI, 2004, p.40).

Parece existir, no entanto, em relação ao contexto social brasileiro, uma subdivisão entre, o que por um lado tornou-se um movimento das mulheres em geral e, de outro, como

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De acordo com Pinto, enquanto as mulheres no Brasil organizavam as primeiras manifestações, as exiladas, principalmente em Paris, entravam em contato com o feminismo europeu e começavam a reunir-se, apesar da grande oposição dos homens exilados, seus companheiros na maioria, que viam o feminismo como um desvio na luta pelo fim da ditadura e pelo socialismo. A Carta Política, lançada pelo Círculo da Mulher em Paris, em 1976 dá uma medida muito boa da difícil situação em que estas mulheres encontravam-se: “Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra a sua opressão. Somente nós mulheres organizadas autonomamente podemos estar na vanguarda dessa luta, levantando nossas reivindicações e problemas específicos. Nosso objetivo ao defender a organização independente das mulheres não é separar, dividir, diferenciar nossas lutas das lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de todas as relações de dominação da sociedade capitalista” (PINTO, 2003, p. 54).

um núcleo, a corrente feminista deste movimento. De acordo com Sarti (2004), ser feminista naquela época poderia conotar como pejorativo e a autodemominação geria a convicção de problemas e mudanças estruturais que exigiam tratamento próprio e reflexivo. O feminismo brasileiro foi somente expandindo, enquanto prática propriamente consolidada, a partir da