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5.1 O PRIMEIRO OLHAR SOBRE A MARCHA DAS VADIAS: NOTAS SOBRE A

5.1.3 Os Eixos de Organização e atuação preparatória

Para além do espectro do diálogo instaurado nas reuniões, a organização da Marcha das Vadias em Santa Maria também é assegurada pela definição de pequenos grupos de ação e por eventos preparatórios ao ato de protesto88. Ainda no desenrolar das primeiras reuniões abertas de 2013 foram definidos o que as interlocutoras da pesquisa denominam de eixos de

organização, grupos de trabalho que compõem a força motriz do movimento. Estes eixos

eram subdivididos em cinco, a saber: formação, comunitário, mobilização e agitação,

estrutura e sustentabilidade e comunicação. Eles foram criados com o objetivo de manter comissões de pessoas encarregadas por algumas ações em preparação ao ato, ou ainda para a construção de atividades pontuais que visavam o esclarecimento da comunidade local, como palestras, atos públicos e visitas a bairros e escolas da cidade.

Cada pessoa que participava das reuniões poderia escolher pertencer a qualquer um dos grupos de trabalho, definidos dessa forma: o eixo de formação tinha como objetivo organizar os debates temáticos de ocorrência semanal nas reuniões, além de criar pautas nas discussões do grupo; o eixo comunitário organizava visitas às periferias e escolas da cidade agindo em conjunto com o grupo de formação; os membros do eixo de mobilização e

agitação eram encarregados de organizar as intervenções artísticas, fazer colagens de

cartazes, panfletagem de materiais de divulgação, além da percussão e criação/escolha das palavras de ordem e canções que foram entoadas durante a ação de protesto; os integrantes do eixo estrutura e sustentabilidade ficaram encarregados da organização estrutural da Marcha em si – este eixo era composto majoritariamente pelas integrantes do Coletivo Marcha das Vadias; e, por fim, os membros eixo de comunicação realizaram a assessoria de comunicação da Marcha, encarregados de gerenciar a Página do Facebook e construir os materiais de informação. Cada um desses eixos se organizava separadamente em pequenos grupos que faziam reuniões próprias referentes às suas atividades e as repassavam para o grande grupo nas reuniões realizadas semanalmente.

A configuração desses eixos sugere um modelo de coordenação interna que contempla as principais preocupações desse movimento social no processo de articulação de adeptos e recursos para a ação coletiva. Durante as observações, foi perceptível a necessidade do grupo em se inserir permanentemente na comunidade local. Assim, os membros dos eixos possuíam a incumbência de alcançar a pluralidade de vozes. Deixando de lado o terreno fértil das ações dentro de um grupo universitário, os sujeitos do movimento foram até escolas, bairros, ruas, assentamentos comunitários e propuseram discussões e troca de experiências sobre o feminismo e a Marcha das Vadias.

Figura 3: Troca de experiências da Marcha das Vadias no assentamento Madre Terra, a 65 km de Santa Maria, em 02/06/2013.

Fonte: Foto da Página das Marcha das Vadias

Figura 4: Colagem de cartazes informativos nas ruas de Santa Maria Fonte: Foto da Página das Marcha das Vadias

Figura 5: Oficina Marcha das Vadias no Pré-Vestibular Popular Alternativa em Santa Maria Fonte: Foto da Página das Marcha das Vadias

Comentando sobre a formulação dos eixos de organização através do Coletivo, Kamyla discute a aspiração da Marcha em reunir públicos diversos. Os eixos, assim, parecem ter essa incumbência:

(...) a gente se propõe ser um movimento que também trabalha com periferia, que também é um movimento educativo, para outras meninas especialmente, a gente conseguiu se organizar melhor para isso. De poder falar em escola, de poder ir para a periferia fazer um evento, de poder trazer a periferia para o centro também para falar sobre feminismo, para entender as demandas dessas pessoas. De acordo com o tempo a gente foi conseguindo se enxergar mais, sabe, e eu acho que a coisa mais importante da Marcha, que tem haver com esse fato de se visibilizar, é ser referência para problemas de mulher e de gênero de modo geral para outras pessoas (Kamyla, 2014).

O enlace estratégico junto às demandas locais não se delimita em assegurar a publicização da Marcha em lugares externos à esfera universitária. As ações do movimento aspiram ao diagnóstico de demandas locais sobre a mulher triangularmente: a partir da vigilância sobre os problemas enfrentados pelas mulheres na comunidade local; através do enriquecimento sobre o debate de políticas públicas e na criação de diálogos com as escolas da cidade. Há, nesse sentido, um formato estratégico de ação reunido através da formação de eixos organizacionais que pretendem, no avançar da ação coletiva, indicar que existe um Coletivo feminista na cidade que pensa essas questões e produz uma Marcha de protesto para que a sociedade ouça, veja e discuta esses problemas:

Nós queremos construir um projeto feminista de sociedade, organizar as mulheres e lutar contra o machismo e patriarcado, isso macro, assim, e se dilui também no nosso cotidiano nos espaços que a gente tá. Além disso, nós temos objetivos mais específicos. Por exemplo, um dos grandes objetivos que eu consigo enxergar agora

é a abertura da delegacia da mulher 24 horas e de um centro de referência para mulher. Claro, tem essa questão macro, da violência, do machismo, do patriarcado, mas por uma questão estratégica a gente tem que ser mais pragmática, assim, e aí, nesse sentido, nós temos aqui na cidade essa questão de lutarmos por um centro de referência. Outra questão, que é um objetivo também, são as creches para as mulheres que são estudantes. Então tudo isso tá conectado a nossa luta maior (Luciele, 2014).

Assim, enquanto ação de protesto, a Marcha das Vadias pode ser percebida em cinco microestruturas que asseguram a sua sistematização. Cada uma delas possui uma finalidade bastante específica que conflui nos seguintes objetivos: 1) formar membros; 2) mobilizá-los; 3) estruturar a composição de sua mobilização e 4) divulgar/comunicar/informar atividades. Estes eixos, dessa maneira, dão um sentido concreto para o conjunto processual de organização e construção da Marcha das Vadias, além de assegurarem o módulo de ocupação do espaço urbano realizado pelo grupo: mais horizontal, deliberativo e sem lideranças formais.

Através da configuração dos eixos de organização iniciou-se o processo de “campanha da Marcha das Vadias em 2013”, figurada a partir de eventos e atos construídos pelo grande grupo que participava das reuniões para a divulgação do ato de protesto. A data escolhida para o acontecimento da Marcha foi o dia 20 de julho de 2013. Esta escolha foi deliberada pelo Coletivo que trouxe algumas opções de data para a decisão junto ao grupo das reuniões.

Ocorreram, durante os meses de observação, seis ações pré-marcha: Ato em repúdio ao Estatuto do Nascituro, debate de rua sobre a criminalização do aborto; Ensaio Aberto da batucada, ensaio público das músicas e palavras de ordem do protesto; Conversas Vadias, debate sobre a violência contra mulher nas instituições de ensino; Boteco das Vadias, noite de festa em um bar da cidade; Sarau Vadias, exibição de curtas metragens e intervenção teatral; e Tarde cultural no Parque Itaimbé, produção de material para a marcha, além de visitas a escolas. Os eventos, relacionados à preparação para o dia da ação de protesto, foram organizados através da sinergia entre os eixos estruturados e as lógicas de comunicação em rede do movimento. Aqui, adentram especificamente as questões comunicacionais, embora antes elas sempre estivessem assentadas em todas as ações da Marcha das Vadias, como descrevo na segunda parte do capítulo.

5.2 A MARCHA DAS VADIAS – SM E AS LÓGICAS DE COMUNICAÇÃO EM