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2.2 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS: CONTEXTUALIZANDO A POLÍTICA

2.2.1 A teoria dos Novos Movimentos Sociais como enfoque analítico

Para Gohn (2011), o paradigma dos NMS está baseado em atributos que romperam estritamente com os pensamentos anteriores, o principal deles foi a constatação da

insuficiência do paradigma clássico marxiano16 ou as abordagens marxistas ortodoxas para analisar as ações coletivas. Entre as características básicas dos NMS é preciso ressaltar “a construção de um modelo teórico baseado na cultura” (GOHN, 2011, p. 121). Apesar disso, alguns teóricos que irão discorrer sobre os NMS realizaram aproximações com a teoria marxista, ora para refutá-las, ora para associar um novo grau de percepção analítica a elas, como fizeram em suas obras Alain Touraine, Alberto Melucci e Manuel Castells. É preciso atentar para certo grau de apropriação do conceito marxista de ideologia para pensar o fator cultural associado aos NMS. Ao discorrer sobre isso, Gohn afirma que, “apesar de trabalharem com as bases marxistas do conceito, que vê a cultura como ideologia, eles deixaram de lado a questão da ideologia como falsa representação do real” (GOHN, 2011, p. 121). É importante frisar que, embora exista alguma utilização ao conceito marxiano de ideologia da cultura na teoria dos NMS, a categoria da consciência de classe, extremamente importante para o pensamento marxista, não possui grande expressão (GOHN, 2011).

Dessa forma, seguindo o pensamento da autora, podemos considerar que a categoria teórica de maior relevância para a construção da teoria dos NMS é a cultura. Sendo que ela é “apropriada e transformada no decorrer de sua utilização pelo paradigma dos NMS” (GOHN, 2011, p. 122). A explicação para o fato de que a cultura tornar-se o vértice dos NMS está interligada principalmente por sua constituição e formação no interior da sociedade civil, esses movimentos criam-se em direção à própria sociedade e não se organizam, em grande medida, no antagonismo ao Estado.

Em relação a isso, Scherer-Warren (2011) aponta que nos NMS existe um modelo alternativo de luta que busca não só modificar a sociedade em relação ao Estado, mas também em um nível de ações precisas na sociedade civil. Considera-se, aqui, o fato de que a sociedade civil possui força numérica essencial na produção da vida social, abarcando, dessa forma, um potencial combativo que a permite, em maior ou menor proporção, gerir sua própria transformação: “é assim que os NMS, atuando diretamente no seio da sociedade civil, representam a possibilidade de fortalecimento desta em relação ao aparelho do Estado e perante a forma tradicional do agir político por meio de partidos” (SCHERER-WARREN, 2011, p. 53). A atuação dos NMS está, portanto, intimamente ligada à transformação de valores sociais sendo portadora da defesa de projetos culturais que demandam, num primeiro nível, na democratização do social e dos direitos humanos.

Naturalmente, são acentuados alguns dissensos sobre essa característica dos NMS, sobretudo pelo caso latino-americano em que os movimentos sociais, depois de um longo período de combate frente aos governos totalitários, não direcionam totalmente suas lutas fora do embate ou cooperação com aparatos do Estado. De acordo com Gohn (2011, p. 130), essa generalização não se faz real neste contexto e apenas delimita alguns aspectos da teoria. Segundo ela, neste caso “era preciso atuar em duas frentes: na mentalidade, da sociedade em geral, e na estrutura das leis que regulamentavam as relações sociais vigentes”. Dessa forma, é preciso atentar para a possível atuação difusa dos NMS, suas bases estão na sociedade civil, suas bandeiras alegam a transformação cultural e suas ações se estabelecem como mecanismos de pressão voltados para a sociedade civil, porém, dependendo dos limites da ação, esses movimentos podem, em um segundo nível, atuar estrategicamente nas estruturas do Estado.

Todavia, Touraine (1998, p. 121) nos explica que a ideia de luta na sociedade civil é indispensável, pois fomenta o lugar das ações coletivas para a libertação dos atores sociais: “se hoje se deve falar em sociedade civil é para afirmar que o sujeito fala doravante por si mesmo”. Nesse sentido, o autor nos convida a observar o laço estreito entre os movimentos sociais e os sujeitos políticos, apontando que assim se constroem relações simultaneamente sociais e políticas. A partir disso, a atuação política passa ser redefinida e seu agir passa também a ser uma ação social em nível microssociológico. É característica central de leitura dos NMS uma nova percepção sobre a dimensão política. Para Gohn (2011, p. 123), a política ganha valor central e “deixa de ser um nível numa escala em que há hierarquias e determinações e passa a ser uma dimensão da vida social, abarcando todas as práticas sociais”.

Com ênfase em fatores sociopolíticos, os NMS procuram certo tipo de autogestão coletiva. Dessa forma, adentramos num dos aspectos mais importantes, senão caracterizadores dos NMS, as identidades coletivas. Para muitos autores, as identidades construídas nesses movimentos sociais são o seu elemento definidor. Como argumenta Gohn (2011), nos NMS a identidade aparece como força constitutiva na medida em que esses movimentos estabelecem sua ação em defesa da mesma. A autora chega a mencionar que o paradigma dos NMS define- se a partir da constituição desse tipo de identidade. O grande destaque analítico, nesse sentido, é para o processo em que se estabelece a identidade coletiva e não para as disposições identitárias já estruturadas que configuram as identidades sociais dos indivíduos.

Os NMS também constroem atividades de protesto para mobilizar a sociedade e estabelecer pressão nas políticas estatais, procurando, pela ação direta, promover mudanças nos valores dominantes e alterações nas situações de discriminação. Além disso, Gohn (2004) enfatiza um caráter de mudança no modo de organização dos NMS, mais descentralizados, sem hierarquias definidas, compostos por estruturas colegiadas, mais participativas, abertas, espontâneas, fluídas, e atuando, sobretudo, a partir de redes de comunicação e cooperação. Por serem mais fluídos e sem um tipo específico de organização, Melucci (2001) afirma que os NMS são menos um conjunto de organizações e mais expressões culturais e construções analíticas. Para ele, os movimentos sociais são “sistemas de ações, redes complexas de relações entre níveis significativos diversos da ação social” (MELLUCI, 2001, p. 23). As formas contemporâneas de ação coletiva são, por essência, múltiplas e buscam atingir diversos níveis do social.

Gohn resgata algumas características básicas que fundam os argumentos de autores tanto europeus quanto americanos sobre o tema. Como dito, a definição estrutural dos participantes transcende as classes sociais. Os movimentos exibem uma pluralidade de ideias, valores, orientando-se pelo pragmatismo e lutando por reformas no sistema de participação. Suas lógicas envolvem a emergência de novas dimensões de identidade, em relações diversas entre o individual e o coletivo. Suas mobilizações costumam buscar a não violência e a desobediência civil e sua organização se dá de forma mais difusa, segmentada e descentralizada. Em geral, sua reorganização e proliferação podem ser entendidas por uma crise na credibilidade de canais de participação da política tradicional.

Os movimentos sociais são percebidos, assim, como fruto da vontade coletiva à ação

pela liberdade, apelo a novas formas de sociabilidade e justiça social. Objetivamente, os NMS dão voz à luta pelo reconhecimento de sujeitos que “reivindicam a defesa de novos direitos humanos” (TOURAINE, 2009, p. 184). Nessa perspectiva, o sujeito, ou o desejo de se tornar um sujeito político, torna-se o fator de importância na constituição das ações coletivas. Segundo Touraine, para fundamentar os NMS, “a ideia de sujeito (...) é aquilo que lhes dá vida após longo período de confusão e enfraquecimento das lutas sociais sempre mais subordinadas às estratégias dos partidos políticos” (TOURAINE, 2009, p.184). Mas o que seria, no entanto, o sujeito? Quais as bases para diferenciação teórica entre sujeitos e indivíduos nos movimentos sociais? Essas reflexões nos acompanham junto ao processo de constituição dos movimentos sociais contemporâneos e tem relação específica nessa teoria a geração de uma força reivindicatória e enunciativa do ser humano.