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2. SERVIÇOS: INOVAÇÃO E MUDANÇA

2.4 Mudança em serviços: contribuições teóricas para o delineamento do construto

O fenômeno de mudança é percebido com base na diferença entre realidades ao longo do tempo, o que atrela a situação e sua avaliação à percepção do indivíduo, que ocorre em nível individual e de acordo com características cognitivas – representadas sob a forma de schemas individuais que afetam o modo pelo qual o indivíduo percebe, interpreta e recorda suas ações em relação a um dado estímulo (Lau & Woodman, 1995), sinalizando que a percepção da mudança se altera de acordo com características cognitivas individuais. Neiva (2004, p. 21) defende que “mudança é um conceito que resume comparações ou relações estabelecidas por indivíduos para um mesmo evento ou objeto em períodos de tempo diferenciados”, condicionando a situação de mudança ao contexto em que se insere. A autora aponta, ainda, que a mudança não “inclui a conotação de melhora, aprendizagem ou adaptação por parte da situação constatada” (Neiva, 2004, p. 22). A mudança se refere, portanto, à alteração de uma realidade ao longo do tempo, sem juízo de valor sobre os resultados em termos de melhora ou piora da realidade original, estando atrelada à sua percepção por um indivíduo e sendo mediada por seu schema individual para a mudança (Neiva, 2004; Lau & Woodman, 1995).

Situações de mudança em organizações são tradicionalmente estudadas sob a ótica da mudança organizacional, o que nem sempre corresponde aos limites teóricos para o fenômeno. Sob o ponto de vista de grande parte dos estudos, a perspectiva organizacional se

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resumiria ao lócus de ocorrência da mudança, assumindo dimensão meramente espacial. Esta perspectiva, embora simplista em sua proposta, responde por grande parte dos estudos vinculados à temática da mudança organizacional, razão pela qual é necessário estabelecer critérios estreitos para desvincular os estudos sobre “mudança organizacional” de estudos sobre “mudança em organizações”. Constitui-se, portanto, no primeiro desafio para os pesquisadores que se incumbem desse fenômeno.

O conceito de mudança organizacional é estruturado em consequência da perspectiva de geração de impactos e resultados organizacionais, dissociando-se, em essência, de alterações ocorridas em lócus organizacional. Delimita-se, portanto, a geração de resultados como dimensão constitutiva da mudança organizacional. Mudanças organizacionais seriam, portanto, as mudanças capazes de gerar alterações nos componentes ou resultados organizacionais. Em uma perspectiva sistêmica, a mudança organizacional só se caracterizaria por alterações nos componentes estruturais da organização (Neiva, 2004). Dissocia-se, desta forma, o fenômeno de mudança organizacional das mudanças ocorridas em lócus organizacional.

Embora não haja conceito definitivo e universalmente aceito para a mudança organizacional, é possível selecionar alguns conceitos-chave de larga difusão nos estudos teóricos sobre o tema. Esses conceitos são apresentados em uma linha do tempo com seu posicionamento cronológico, conforme Figura 11.

35 Figura 11 - Conceitos de mudança organizacional

Fonte: Elaborado pela autora.

No tocante à manifestação do fenômeno de mudança, é possível destacar as proposições de três modelos teóricos de larga difusão entre os estudos do campo. O primeiro é o modelo de Burke e Litwin (1992), que busca elucidar os efeitos de mudanças sobre o desempenho organizacional. Os autores isolam mudanças transformacionais, que “ocorrerem como respostas ao ambiente externo afetando diretamente a missão, a estratégia, a liderança e a cultura da organização”; e mudanças transacionais, que “afetam estruturas, sistemas, práticas gerenciais e clima” (Burke & Litwin, 1992, p.523). Os fatores transformacionais e transacionais – objeto das mudanças referidas – impactam, em conjunto, a motivação, que afeta o desempenho organizacional. Este modelo prevê, portanto, que mudanças organizacionais geram impactos em nível individual, organizacional e ambiental.

O segundo modelo é o de Robertson, Roberts e Porras (1993), que avançam nos testes de um modelo teórico capaz de representar a mudança organizacional planejada – inicialmente apresentado por Porras e Robertson (1992). Os autores apontam que “organizações são contextos nos quais os indivíduos assumem comportamentos”, sendo que os quatro parâmetros relacionados ao trabalho em uma organização “compreendem quatro subsistemas inter-relacionados: arranjos organizacionais, fatores sociais, tecnologia e

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definições físicas” (Robertson, Roberts & Porras, 1993, p. 620). Nesta perspectiva, a ação organizacional planejada ocorreria na forma de ações de intervenção nos quatro parâmetros relacionados ao trabalho (arranjos organizacionais, fatores sociais, tecnologia e definições físicas), gerando efeitos sobre o comportamento individual e sobre os resultados organizacionais, medidos em termos de desempenho organizacional e desenvolvimento individual (Robertson, Roberts & Porras, 1993). Este modelo prevê, portanto, que mudanças organizacionais geram impactos em nível individual e organizacional.

O terceiro modelo é o de Greenwood e Hinings (1996), que investigam o processo de mudança organizacional radical baseada na perspectiva institucional. Os autores diferenciam a mudança radical (que pressupõe a ruptura com uma trajetória vigente) e a mudança convergente (que prevê melhoria ou aprimoramento da trajetória vigente), assim como a mudança evolucionária (lenta e gradual) e a mudança revolucionária (rápida e com impactos generalizados em todas as áreas organizacionais) (Greenwood & Hinings, 1996, p. 1024). Os autores propõem um modelo em que fatores de contexto – representados por contexto de mercado e contexto institucional, variáveis externas à organização – impactam interesses e valores internos da organização – viabilizados por estruturas de poder e por capacidade interna de ação –, resultando em mudança organizacional que, por sua vez, gera impactos sobre contextos de mercado e institucional (Greenwood & Hinings, 1996). Este modelo prevê, portanto, que mudanças organizacionais geram impactos em nível organizacionais e ambientais.

Os três modelos mencionados permitem isolar os três níveis de observação recorrentes da mudança organizacional: individual, organizacional e ambiental. Para o presente estudo, opta-se pela transposição dos três níveis identificados sob a hipótese de manutenção das condições de manifestação do fenômeno de mudança organizacional em relação ao fenômeno de mudança em serviços. A Figura 12 apresenta a sumarização da classificação dos principais modelos teóricos difundidos nos estudos de mudança organizacional, com apontamento dos níveis de manifestação mobilizados para o fenômeno da mudança.

37 Modelo teórico Nível de análise

individual Nível de análise organizacional Nível de análise ambiental Modelo teórico das

dinâmicas da mudança organizacional planejada (Robertson, Roberts & Porras, 1993).

“Comportamento

individual”. “Ambiente de trabalho organizacional”.

Um modelo de mudança

e desempenho

organizacional (Burke & Litwin, 1992). “Tarefas e habilidades individuais, motivação, valores e necessidades individuais”. “Missão e estratégia, liderança, cultura organizacional, estrutura, práticas de gerenciamento, sistemas, clima das unidades de trabalho”.

“Ambiente externo”.

Modelo para a compreensão da mudança organizacional (Greenwood & Hinings, 1996).

“Interesses não satisfeitos, compromisso com valores, dependência de poder e capacidade de ação”.

“Contexto de mercado e contexto institucional”.

Figura 12 - Níveis de manifestação da mudança organizacional

Fonte: elaborado pela autora com base na análise dos modelos de Robertson, Roberts & Porras (1993); Burke & Litwin (1992) e Greenwood & Hinings (1996).