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3. PREDISPOSIÇÃO À MUDANÇA EM SERVIÇOS: O MAPEAMENTO DE UM

3.2 Predisposição à Mudança em Serviços – PMS: origens teóricas do construto

O fenômeno investigado neste estudo tem suas raízes em um aspecto central nas atividades de serviços: a coprodução de um serviço por cliente e prestador, comumente reconhecida como elemento constitutivo dos serviços e requisito para sua caracterização (Hill, 1977; Gadrey, 2000; Gallouj, 2002; Kon, 2004; Miles, 2005; Rubalcaba, 2007). Neste sentido, entende-se que o consumo de um serviço ocorre de forma simultânea à sua produção, consistindo em uma mudança que o prestador exerce sobre a realidade do cliente. Esse entendimento é a base para o desenvolvimento de uma trajetória evolutiva para o próprio conceito associado ao termo “serviço”.

A proposição de Hill (1977, p. 318) para a definição dos serviços faz referência a uma “mudança na condição de uma pessoa, ou de um bem pertencente a uma unidade econômica, que ocorre como resultado da atividade de outra unidade econômica com aceitação prévia da primeira pessoa ou unidade econômica”. Delaunay e Gadrey (1987, p. 12) preservam o entendimento quanto ao papel da mudança como elemento definidor de um serviço e, evoluindo a proposição de Hill (1977), propõem o “triângulo do serviço”, segundo o qual “uma atividade de serviço é uma operação que visa a uma transformação do estado de uma realidade C, possuída ou utilizada por um consumidor B, realizada por um prestador de serviços A, a pedido de B, e com frequência relacionada a ele, não chegando, porém, à produção de um bem que possa circular economicamente independentemente do suporte C”. O “triângulo do serviço”, por sua vez, segue trajetória evolutiva culminando com uma proposição gráfica apresentada por Gadrey (2002) e que alcança grande repercussão nos estudos sobre os serviços, tornando-se um modelo de larga aceitação. Para este estudo, aponta-se a adoção do “triângulo de serviço” como conceito definidor para essas atividades.

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O entendimento da coprodução como condição natural para a prestação de um serviço revela o papel da interação entre prestador e cliente para estas atividades. Enquanto a produção de bens pode contar com baixo ou nenhum nível de interação entre prestador e cliente, a prestação de serviços prescinde desta interação para ocorrer. Estabelece-se, portanto, a interação como a condição sine qua non para a prestação de um serviço. Para os estudos sobre a inovação em serviços, por sua vez, essa interação assume papel ainda mais expressivo: o de lócus para a ocorrência de inovações (Gallouj, 2002).

Essa caracterização do espaço de interação entre prestador e cliente como um lócus de inovação justifica-se perante a premissa de uma abordagem tradicional para os estudos de inovação, a demmand-pull, fundamentada na consideração do papel do mercado consumidor – o que, para serviços, pode ser entendido como participação do cliente – no processo de ocorrência da inovação. Essa abordagem se contrapõe à abordagem technology-push (Viotti & Macedo, 2003), predominante nos estudos realizados entre as décadas de 1950 e 1970 e largamente difundida com o uso do Modelo Linear de Inovação (Godin, 2006).

A difusão dos estudos pertencentes à abordagem demmand-pull gera um entendimento valioso para os estudos no campo da inovação, sobretudo para os trabalhos com perspectiva setorial aplicada aos serviços. O reconhecimento de papel ativo desempenhado pelo cliente na indução de inovações (a exemplo da premissa de Kline & Rosenberg, 1986) permite caracterizar a coprodução característica dos serviços como espaço de ocorrência para as inovações, razão pela qual se registra frequente uso de modelos oriundos desta abordagem, ou mesmo de modelos conciliatórios, a exemplo do Chain-Linked Model (Kline & Rosenberg, 1986), em estudos voltados a análises de inovações no setor.

A premissa da interação entre prestador e cliente como fonte de inovação gera, como desdobramento natural, o entendimento de que limites ou barreiras, estabelecidos nessa interação, atuem como limitadores dos potenciais resultados em termos de inovação. Ao considerar a premissa de Gallouj (2002) sobre a representação de um serviço como um conjunto de características técnicas (materiais e imateriais) e de competências e, ainda, da inovação em serviços como resultado qualitativo da dinâmica de alteração dessas características, aponta-se que barreiras à mudança nas características de um serviço poderiam representar limitadores à geração de inovações. Esta análise permite isolar um aspecto da dinâmica da inovação em serviços: a mudança nas características de um serviço como requisito para a ocorrência de inovações.

Neste sentido, aponta-se o papel desempenhado pelo prestador quanto à aceitação das mudanças propostas pelo cliente para sua efetiva conversão em alterações nas características

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de um serviço – premissa para a modificação das características e para o desenvolvimento de inovações. O prestador age, portanto, como facilitador ou barreira à geração de inovações, segundo sua predisposição à aceitação de mudanças propostas por clientes em relação às características de um serviço.

A problematização apresentada expõe a trajetória de construção desse problema de pesquisa – e, naturalmente, do construto pretendido –, mas não supre inteiramente as premissas teóricas necessárias à fundamentação do construto. Essa problematização leva, de fato, à emersão de um questionamento: como fundamentar, em termos teóricos, a “mudança em serviços”? Esse desafio provoca a busca por contribuições teóricas capazes de elucidar o entendimento da natureza e a dinâmica de ocorrência de processos de mudança em organizações como ponto de partida para o entendimento da manifestação da mudança em serviços. No contexto desta tarefa, delineiam-se, portanto, dois objetivos norteadores: a delimitação de um conceito passível de associação a “mudança”; e o levantamento de contribuições teóricas capazes de elucidar os níveis de manifestação de mudanças em organizações. Neste sentido, consideram-se os estudos voltados à investigação da mudança em organizações e da mudança organizacional.

Lau e Woodman (1995) explicam a mudança como a diferença entre realidades ao longo do tempo, o que atrela a situação e sua avaliação à sua percepção, que ocorre em nível individual pautada por características cognitivas – representadas sob a forma de schemas individuais que afetam o modo pelo qual o indivíduo percebe, interpreta e recorda suas ações. A mudança, ao contrário da inovação, não tem sua ocorrência atrelada ao balanço qualitativo de seu resultado, restringindo-se à alteração de uma condição ao longo do tempo. Desta forma, a mudança não “inclui a conotação de melhora, aprendizagem ou adaptação por parte da situação constatada”, referindo-se, portanto, à alteração de uma realidade ao longo do tempo, sem juízo de valor sobre os resultados em termos de melhora ou piora da realidade original, estando atrelada à sua percepção por um indivíduo e sendo mediada por seu schema individual para a mudança (Neiva, 2004, p. 22; Lau & Woodman, 1995).

Em contexto organizacional, situações de mudança são tradicionalmente estudadas sob a ótica da mudança organizacional, o que nem sempre corresponde aos limites teóricos estabelecidos para o fenômeno. O conceito de mudança organizacional é estruturado com base na perspectiva de geração de impactos e resultados organizacionais, dissociando-se, em essência, de alterações ocorridas em lócus organizacional. Demarca-se, portanto, a geração de resultados como dimensão constitutiva da mudança organizacional. Para este estudo, buscam-

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se estudos capazes de contribuir com o entendimento dos níveis de manifestação de mudanças em organizações, identificados no contexto dos estudos sobre mudança organizacional.

No tocante à manifestação do fenômeno de mudança, é possível destacar as proposições de três modelos teóricos de larga difusão entre os estudos do campo: o modelo de Burke e Litwin (1992), que prevê impactos gerados por mudanças organizacionais em níveis individual, organizacional e ambiental; o modelo de Robertson, Roberts e Porras (1993), que prevê impactos gerados em níveis individual e organizacional; e o modelo de Greenwood eHinings (1996), que prevê impactos em níveis organizacionais e ambientais. Esses três modelos permitem isolar os três níveis de observação recorrentes da mudança organizacional: individual, organizacional e ambiental. Para este estudo, opta-se pela transposição dos três níveis identificados sob a hipótese de manutenção das condições de manifestação do fenômeno de mudança organizacional em relação ao fenômeno de mudança em serviços.