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2. SERVIÇOS: INOVAÇÃO E MUDANÇA

2.2 Um modelo para o processo de inovação em serviços na perspectiva relacional

Este estudo se baseia na premissa de que a interação entre cliente e prestador de serviço pode ser considerada um espaço de ocorrência para a inovação – o que delimita a relação de serviço como lócus para o surgimento de inovações. Esta premissa é fundamentada na consideração do papel do mercado consumidor – o que, para serviços, pode ser entendido como participação do cliente – da abordagem demmand-pull. A proposição de um modelo de inovação em serviços na perspectiva relacional demanda uma discussão sobre modelos de inovação em geral, o que é feito a seguir.

O primeiro modelo teórico de inovação, chamado Modelo Linear de Inovação, desenvolvido na década de 1950, estabeleceu a premissa de que o desenvolvimento de uma inovação seria um resultado possível advindo da realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento, consideradas imprescindíveis para a ocorrência de inovações. Sob a ótica

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do Modelo Linear, a inovação “se iniciaria com pesquisa básica, seguindo-se à pesquisa aplicada e ao desenvolvimento, finalizando-se com a produção e a difusão” (Godin, 2006, p. 639), conforme representação da Figura 7.

Figura 7 - O Modelo Linear de Inovação

Fonte: Kline, S. & Rosenberg, N. (1986). An overview of innovation. In Landau, R. & Rosenberg, N. (Eds.).The

positive sum strategy (275-306).(p. 286). NationalAcademy Press, Washington.

Segundo Godin (2006, p. 640), a primeira referência ao Modelo Linear de Inovação “permanece nebulosa”, sendo este Modelo uma construção teórica desenvolvida por industriais, consultores e escolas de negócios como representação empírica das atividades de inovação comumente desenvolvidas à época. Tendo alcançado larga difusão entre economistas, o Modelo Linear serviu como base para a estruturação de estudos sobre inovação e de ações governamentais de apoio à ciência durante algumas décadas – sendo adotado, inclusive, como padrão pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, o que levou à disseminação de uma concepção linear da inovação nas ciências políticas e nos estudos acadêmicos sobre ciência e tecnologia, transformando o Modelo Linear em um “fato social” (Godin, 2006).

O Modelo Linear é expoente da primeira abordagem de estudos do processo de inovação, reconhecida como technology-push (Dosi, 2006), evidenciando o papel da ciência na proposição de tecnologias e, por conseguinte, seu papel como fator disparador do processo de inovação. Sob a premissa da abordagem technology-push, caberia à ciência o papel de proposição tecnológica – resultado das atividades de pesquisa e desenvolvimento –, requisito para a ocorrência do processo de inovação.

A visão da inovação como um processo linear e necessariamente decorrente de atividades de pesquisa e desenvolvimento foi alvo de críticas que levaram à proposição de uma abordagem de oposição à technology-push. Trata-se da abordagem demmand-pull, que inverte a compreensão do processo de inovação e atribui ao mercado consumidor papel ativo ao provocar, nas firmas, o desenvolvimento de tecnologias orientadas pelas preferências de

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consumo. A abordagem demmand-pull aponta, portanto, papel ativo para o mercado consumidor – representado pelo cliente, no caso dos serviços – no desenvolvimento de inovações.

Embora inicialmente antagônicas em suas proposições, as duas abordagens são conciliadas em um modelo único, o Chain-Linked Model, de Kline e Rosenberg (1986). Este modelo mantém o foco na ação do mercado consumidor sobre o processo de inovação, embora não desconsidere a possibilidade de desenvolvimento de uma inovação em resposta a uma oferta de tecnologia concebida de forma não orientada ao consumo e proveniente de atividades de P&D – premissa da abordagem technology-push.

Kline e Rosenberg (1986) defendem que inovações não possuem dimensão uniforme, nem sempre têm seu início marcado pelo processo de pesquisa e não devem ser vistas como elementos bem definidos e homogêneos que se inserem na economia a partir de um momento específico, sendo processos complexos, não lineares e que assumem diferentes características. O Chain-linked Model considera a mobilização de cinco elementos ou etapas no processo de inovação: mercado potencial; invenção e / ou produção de um desenho analítico; desenho detalhado e teste; redesenho e produção; e distribuição e comércio, conforme representação na Figura 8.

Figura 8 - Chain-Linked Model e os fluxos da informação e cooperação

Fonte: Kline, S. & Rosenberg, N. (1986). An overview of innovation. In Landau, R. & Rosenberg, N. (Eds.).The

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No Chain-linked Model, “não há um caminho principal de atividade, mas cinco”, sendo a trajetória “c” de inovação disparada após as demandas do consumidor, e as demais explicitadas pelos autores (Kline & Rosenberg, 1986, p. 289-90) como segue:

 K-R: fazem a ligação entre o conhecimento e a pesquisa. Se um problema for resolvido no ponto “K”, a ligação 3 para “R” não será ativada. O retorno da pesquisa (link 4) é problemático, o que justifica a linha pontilhada.

 D: ligação direta entre problemas de pesquisa (e para eles) e problemas na invenção e no desenho.

 I: suporte para pesquisas científicas por meio de instrumentos, máquinas, ferramentas e tecnologias de procedimentos.

 S: suporte para pesquisas em ciências visando que a área de produção ganhe informação diretamente e, ainda, a partir do monitoramento externo. A informação obtida pode ser aplicada em qualquer lugar ao longo dos cinco estágios.

Após a proposição do Chain-Linked Model, registram-se propostas teóricas alternativas de grande difusão nos estudos de inovação. Nesse sentido, destaca-se o surgimento da abordagem sistêmica, voltada ao entendimento “da influência simultânea dos fatores organizacionais, institucionais e econômicos” nos processos de inovação (Viotti & Macedo, 2003, p. 60). Entre os trabalhos expoentes da abordagem sistêmica, destacam-se as proposições de Freeman (1995) e Malerba (2004), que propõem a adoção de perspectiva nacional e setorial para as análises de inovação – culminando, respectivamente, com os sistemas nacionais e setoriais de inovação.

Neste estudo, opta-se pela adoção do Chain-Linked Model como modelo teórico de análise do fenômeno investigado. Esta opção se justifica pela perspectiva inclusiva do papel desempenhado pelo cliente no processo de produção de softwares e do papel das forças de oferta representadas pela abordagem technology-push. Com base na premissa do papel das forças de demanda na indução de inovações apresentada pela abordagem demmand-pull – e representada pelo Chain-Linked Model –, caracteriza-se a participação do cliente na prestação do serviço como fonte de inovação.

Esta premissa é complementada por Gadrey e Gallouj (1998), que apontam que a interface de interação entre cliente e prestador, em serviços, corresponde simultaneamente a lócus e fonte de inovação. A própria criação de interface de interação entre cliente e prestador – desdobramento natural da relação de serviço – e seu aprimoramento constituiriam uma “forma importante de inovação na provisão de serviços”, enquanto a própria “interface se torna um laboratório em que a parte da inovação destinada ao cliente é desenvolvida” (Gadrey& Gallouj, 1998, p. 8). Como exemplos de inovações desenvolvidas sob o lócus da relação de serviço, apontam-se as inovações ad hoc (Gadrey & Gallouj, 1998; Gallouj, 2002),

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resultantes de interações não planejadas entre o cliente e o prestador capazes de gerar alterações nos vetores de características e competências.