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A Mulher Muçulmana em São Paulo na Visão de Um Líder Revertido

3. SINAIS DE UM ISLÃ BRASILEIRO

4.1 Focando a Mulher Muçulmana na Cidade de São Paulo

4.1.1 A Mulher Muçulmana em São Paulo na Visão de Um Líder Revertido

Retomo aqui, uma conversa, sob minha ótica, muito proveitosa entre mim e o Sheik R. O. R., líder na mesquita do Pari em São Paulo, a respeito especificamente da mulher muçulmana e seu desempenho no ambiente religioso nesta mesquita. Perguntei para o Sheik sobre o vestuário das mulheres muçulmanas, observadas por ele em sua experiência na mesquita do Pari. Qual tipo de vestuário prevalece e se há regras para esta ou aquela indumentária. O Sheik respondeu que o uso desta ou daquela peça de vestuário passa, portanto, também por uma escolha pessoal da própria mulher. Quando se trata, especificamente de brasileiras revertidas. Neste caso, as brasileiras têm preferência pelo hijab. Uma vez que a mulher usa esta ou aquela peça de vestuário, dificilmente irá substituir por outra. Se esta mulher usou pela primeira vez o hijab, vai usá-lo, por via de regra, sempre. Se utilizar o niqab, vai sempre optar por ele, se utilizou o purdah vai sempre optar por ele e se utilizou a burca ou chador vai sempre optar por ela e assim por diante. Contudo, há casos em que a burca é deixada e substituída pelo hijab.

Perguntei se a burca não se reveste de radicalização e imposição sobre a mulher. Emiti minha opinião dizendo que a burca é medonha e que não conseguia entender como aquele “saco” de ponta cabeça pudesse esconder uma mulher. O Sheik riu e disse que alguns regimes de exceção como no Afeganistão e Paquistão, as mulheres continuam usando a burca, mesmo com a derrota do regime Talibã.

Perguntei se o Corão exige que a mulher use esta ou aquela peça de roupa. A resposta foi que o Corão em suas Suras XXIV e XXXIII possui recomendações, em geral, de que a mulher não deixe à mostra seus ornamentos. Portanto, que deve cobrir seu corpo, não especificando se deve ser o hijab, o niqab ou mesmo a burca.

O uso em uma ou outra região do planeta que difere de outras está mais voltado para as questões políticas, culturais e mesmo ideológicas, chegando em alguns casos, às questões religiosas. Aqui na mesquita do Pari, São Paulo, a mulher muçulmana revertida tem preferência por alguma peça de vestuário feminino e quais seriam as suas motivações? A esta pergunta o Sheik respondeu que a brasileira revertida usa o hijab de preferência e que a motivação desta mulher revertida é o fator religioso, e segundo ele, somente religioso. Explica que para a revertida

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brasileira, o hijab é de simbologia religiosa. Em seguida perguntei sobre a mulher muçulmana de imigração. Qual a motivação ou motivações principais do uso do hijab? Segundo o Sheik, para a mulher muçulmana de imigração e descendentes, a motivação é dupla, ou seja, de identificação religiosa e de identificação étnica. Ele diz ainda que podemos ver mulheres muçulmanas de imigração, sem o hijab nas ruas de São Paulo, porém, nunca as veremos sem o hijab nos cultos, nas orações e nas práticas religiosas em geral, inclusive nas orações diárias nos lares, segundo o Sheik, por uma razão muito forte, o Corão: (ANEXO 7 – Foto 5).

O Sheik R. O. R. ainda explicou nesta conversa que a questão cultural varia de país para país, por isso, em países mais liberais, a mulher usa o hijab de maneira mais branda, ou seja, menos cobertura no corpo. Qual, portanto, seria a veste mais usada pelas mulheres muçulmanas no mundo? Perguntei. Respondeu-me que o hijab é unanimidade para as mulheres no islamismo mundial. Em São Paulo, arrematou, não é diferente. Dialogamos mais um tempo sobre as mulheres brasileiras revertidas. Estas, segundo o Sheik, não utilizam, às vezes, o hijab fora do ambiente religioso, por questões sociais, ou seja, o despreparo de usá-lo em família, em grupos de relacionamentos ou mesmo em público. Este é um fator recorrente na cidade de São Paulo.

Observei que toda sexta-feira, um grande número de mulheres brasileiras revertidas e engajadas na religiosidade islâmica se encontram nas dependências da Liga da Juventude Islâmica, na mesquita do Pari, uma das mesquitas pesquisadas por mim. Na sexta-feira e no sábado, registrei a presença de pelo menos cinquenta mulheres brasileiras revertidas; todas trajando o hijab e participando de uma programação pré-estabelecida pela liderança religiosa da mesquita, iniciando pelo Sheik, que passo a descrever: a) Ouvem um sermão em língua portuguesa. Quando alguma frase ou expressão é utilizada em árabe, há uma tradução simultânea em língua portuguesa. O sermão dura aproximadamente vinte a trinta minutos. b) Oram, em seguida, por aproximadamente cinco a dez minutos. c) Após as orações, reúnem-se com o Sheik para um diálogo, momento em que as dúvidas são dirimidas sobre as questões da religiosidade islâmica e outros assuntos que vão da questão cultural à social. Observei que neste momento as mulheres estão misturadas com os homens. Somente no momento do culto, mulheres ficam separadas dos homens.

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Após este momento dialógico com o Sheik, essas mulheres vão, em grupos, para as ruas da capital, fazer compras, tomar café juntas, ao cinema, teatros. Soube desses destinos variados, após a saída delas para as ruas, quando perguntei para o Sheik para onde elas estavam indo. Na minha observação, esta prática caracteriza uma vida social intensa dessas mulheres além de um dado interessante e digno de nota: essas mulheres revertidas, através de suas atividades sociais, abrem espaços para um convívio com outras mulheres não muçulmanas, ou seja, não há, por via de regra, um exclusivismo entre elas e as mulheres não muçulmanas. Observei também que esta inclusão do outro se dava mais entre as brasileiras revertidas.

Após mais algum tempo de conversa com o Sheik, ambos, eu e ele, chegamos a uma conclusão sobre a mulher brasileira revertida, ou seja, a conclusão de que esta mulher possui uma forte necessidade de estar presente no seu mundo religioso. Por outro lado, isso não acontece com tanta intensidade com a mulher muçulmana de imigração. Essa constatação revela a busca da identidade islâmica por parte das mulheres brasileiras revertidas. O sentimento de pertença ao novo credo religioso e a todas as nuances deste novo mundo que se descortina após sua reversão é muito forte na mulher revertida.

Num dado momento, após a saída das mulheres em grupos para as ruas da capital paulista, perguntei ao Sheik, quais seriam os sinais observados por ele que definiam a verdadeira reversão ao Islã por essas mulheres brasileiras e se havia sinais de uma não reversão. Na minha experiência, diz o Sheik, todas passam por uma fase fantasiosa no princípio. Surgem no imaginário destas mulheres as idealizações de um casamento baseado nos contos de fadas, novelas tipicamente islâmicas em seu enredo, filmes baseados em lendas e as famosas histórias árabes de príncipes e princesas.

Pasmemo-nos, mas a verdade é que essas idealizações fantasiosas acabam por ser fator de aproximação com o Islã. A maioria dessas mulheres rapidamente sofre o processo desilusório e atingem a realidade. Deixando as fantasias que, em princípio, aproximaram-nas do mundo muçulmano. O processo desilusório é dual. De um lado, a maioria percebe a realidade e, mesmo assim permanecem na fé islâmica. A minoria não consegue desfazer-se da fantasia inicial, portanto, abandonam a fé islâmica. Digo, então, que a reversão da mulher brasileira ao Islã

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passa pelas trocas simbólicas, passa por fases que se complementam e vão dando sustentação para a vivência religiosa no novo credo. Essas fases oferecem uma relativa segurança de verdadeira reversão. Digo, portanto, que uma reversão verdadeira passa pela regularidade nos cultos; por um interesse em observar as regras voltadas para o gênero feminino. As questões do lícito e do ilícito, do que eu posso e do que eu não posso fazer para ser considerada uma verdadeira muçulmana. Essa questão do interesse pelas regras que regulamentam a conduta feminina no Islã é, talvez, a primeira fase e o primeiro sinal seguro de uma reversão autêntica. Observa o Sheik.

Outra fase, sequencialmente, é aquela do desejo de pertencer ao novo grupo. Essa mulher vai, necessariamente, percorrer uma vereda cultural e social, até culminar com o fator que irá sedimentar e caracterizar de vez, que essa ou aquela revertida é uma muçulmana de fato, ou seja, o fator religioso. Quando essa fase é completada, uma assimilação do ethos da comunidade muçulmana receptora está em fase de conclusão, levando em seguida à identificação, ou seja, uma identidade está em fase de acabamento.

Segundo o Sheik, após perguntá-lo se para essa identidade o vestuário seria fundamental, ele respondeu afirmativamente. Disse ele que na mesquita do Pari, essa constatação tem sido por muitas vezes experimentada por ele. O desejo da mulher revertida em usar o hijab vai conferir a esta, o sentimento de pertença e imprimir-lhe a identidade de mulher muçulmana identificando-a como tal. Ela se sente incluída em definitivo e sua performance religiosa coroa sua condição de mulher muçulmana. Observei que esta realidade dos sinais que identificam ou mesmo apontam para uma reversão autêntica é típico das mulheres e mais intenso nelas, do que nos homens revertidos. Essa mulher faz questão de revelar-se como tal, deixa-se mostrar.

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