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Sinais da Institucionalização do Islã Periférico Brasileiro

3. SINAIS DE UM ISLÃ BRASILEIRO

3.4 A Face Brasileira do Islã Periférico

3.4.1 Sinais da Institucionalização do Islã Periférico Brasileiro

Abdullah Malik Shabbazz (jovem negro de 25 anos), um nome fictício para preservar a verdadeira identidade deste jovem muçulmano brasileiro. Ele é responsável por presidir o Núcleo de Desenvolvimento Islâmico Brasileiro - NDIB. Esta jovem organização mal nasceu e já despontou com uma característica que a distingue entre outras, ou seja, é reconhecida como a organização mais combativa e mais radical do novo Islã negro brasileiro. Um dado tão importante quanto interessante e, provavelmente lança mais luz no nosso entendimento desta característica que torna esta organização tão combativa e radical em seus ideais, pode estar no fato de que seu vice-presidente está estudando, há pelo menos um ano e meio, formação islâmica no Paquistão. Com apenas oito integrantes, já foi capaz de promover em fins de 2007, um encontro entre o americano Fred Hampton Jr., o rapper Mano Brown e lideranças do movimento negro e de jovens muçulmanos na cidade de São Paulo:

No dia 19 de novembro de 2007, na ONG Ação Educativa situada no centro da Capital Paulista encontravam-se membros do movimento hip-hop, movimento negros/sociais engajados na luta por uma mudança em nossa sociedade, para um encontro que tinha por objetivo dialogar saídas e socializar experiências vividas com um dos mais respeitados líderes afro Americanos da atualidade, Fred Hampton JR. Filho de Fred Hampton fundador do movimento Black Panthers. A mesa também contou com a presença do irmão Honerê Al-amin Oadq do Centro de Divulgação do Islam para América Latina, MNU e Posse Hausa, Mano Brown dos Racionais MC’S, Anderson 4p, vereador de Francisco Morato pelo Movimento Hip-Hop, Eugênio da Frente 3 de fevereiro, e posteriormente a quilombola Kathiara do coletivo Kilombagem de Sto. André.(http://possehausa.blogspot.com.br/).

Estes fatos demonstram a seriedade e um determinado nível de organização deste Islã negro brasileiro. Eles não param aí. Intencionam, com medidas sérias, o início da construção do que denominam de uma nova Medina. Sonham com uma comunidade muçulmana brasileira que seja estruturada a ponto de poder receber e acolher os novos revertidos de vários pontos da periferia de São Paulo. Essa idéia de ajuntamento aponta para um nível primário de organização social e, vai legitimizando e conferindo, além de estrutura, uma identidade brasileira ao movimento. O fato de estarem espalhados, segundo Malik, dificulta a organização que eles tanto almejam. Sempre aludindo à força inspiradora da revolta Malê, muitos sonham com um estado islâmico no Brasil. Segundo eles, ainda que seja um estado dentro do Estado. Acreditam que em mais ou menos duas décadas, isso será

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possível. Afirmam que há uma geração de jovens muçulmanos entre mulheres e homens tentando fazer isso de forma organizada. Outros dados que fazem aflorar a idéia de institucionalização do Islã com face brasileira, por parte dos jovens negros muçulmanos do Hip Hop, são os sinais de uma consciência religiosa, cujos ecos são provenientes das observações corânicas:

Diz Malik: "Sonhamos com um bairro muçulmano onde não existam bares com bebidas alcoólicas nas esquinas, os açougues não vendam carne de porco, nossas crianças possam estudar em escolas islâmicas e nossas mulheres não sejam chamadas de mulher-bomba." Para isso, pensam em adquirir um pedaço de terra e fazer um loteamento. Alguns já se mudaram para a periferia de Francisco Morato, um dos municípios mais pobres da Grande São Paulo. Eu e minha esposa queremos estudar para divulgar o islã. Porque ninguém melhor do que a gente, que sobe o morro, tem acesso à periferia e conhece a massa, para falar a eles. Porque, se chegar um cara lá vestido de árabe, os 'negos' vão dar risada." Leandro desenvolve há um ano, numa favela da Zona Leste de São Paulo, o projeto Istambul Futebol e Educação, com 25 garotos em situação de risco. Os recursos vêm de um ativista islâmico da periferia paulista que hoje estuda na Síria. (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/).

Outras constatações vão dando cimentação a esta possibilidade. Existem conexões bem vivas, em andamento, por parte de membros do movimento negro de jovens muçulmanos de São Paulo, com países muçulmanos numa espécie de intercambio cultural e, sobretudo religioso. Há uma busca organizada e com certo planejamento do conhecimento da doutrina islâmica, com o propósito claro e definido de divulgação do islamismo entre os brasileiros. Estudar o islamismo e divulgar o islamismo, está entre as principais razões da Jihad74 Islâmica, ou seja, a

expansão do Islã. No nosso caso, uma motivação extra para a expansão do Islã de origem negra em São Paulo e entorno da cidade: (ANEXO 6 – Foto 4).

Para que haja uma institucionalização, a busca de raízes, no caso da revolta Malê de 1835, como base fundante e, mais recentemente, após um considerável hiato entre a base histórica do levante Malê, acontece agora, nos dias atuais, a incorporação das rimas do rap, o legado ativista do negro norte-americano Malcolm X, assimilado, principalmente pela influência do filme Spike. Além, é claro, do já mencionado anteriormente, ou seja, as influências recebidas e internalizadas, de que cada novo revertido trás dentro de si mesmo, um pouco da identidade Malê. Isto

74Jihad: Primariamente significou (em algumas regiões do Oriente Médio ainda significam), guerra

santa em nome de Allâh, ou seja, a expansão do islamismo, mesmo que seja pela luta armada. Na maioria das regiões do globo, portanto, o caráter belicoso de sua origem é suavizado pela idéia de divulgar o Islã de maneira pacífica. Minha ênfase.

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fica evidente nas letras mais importantes do rapper brasileiro, que não é muçulmano, contudo é simpatizante do movimento de jovens negros muçulmanos em São Paulo: mano Brown, tais como: “No princípio eram trevas, Malcolm foi Lampião/Lâmpada para os meus pés/Negros de 2010/Fãs de Mumia Abu-Jamal, Osama, Saddam, Al Qaeda, Talibã, Iraque, Vietnã/Contra os boys, contra o GOE, contra a Ku-Klux-Klan”.

(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/).

Com uma takiah75 verde-amarela na cabeça, emblemática e reveladora das intenções que estão no sonho acalentado destes jovens muçulmanos brasileiros, que, neste caso especial, não aceitou nem mudar o nome, V. G. entrega tudo nas mãos de Allâh. Para ele a utilização da takiah passa a ser símbolo de um discurso anexado ao corpo. Da mesma forma que algumas mulheres usam o hijab não só para cumprir um desígnio divino, mas também como uma tentativa de atribuir um discurso político ao corpo.

Os muçulmanos do movimento Hip Hop utilizam a takiah não só por questões religiosas, mas também por motivação política, para contestar a proibição do véu em alguns países como a França ou em jogos como a Copa feminina de futebol e a causa Palestina, pois acreditam que assim estão transmitindo e exteriorizando ambos os valores – religiosos e políticos. Portanto, a takiah passou a ser um símbolo de resistência, engajamento político e apoio à causa palestina. (TOMASSI, 2011, p. 90).

Seus olhos lacrimejam quando afirma “Allâh diz no Corão que para cada povo há um profeta que fala a sua língua. Então, quem sabe não vai aparecer um negrinho cheio de ginga e de rima na periferia e profetizar a vontade de Allâh”? V. G. deixa transparecer, consciente ou inconsciente, três elementos que são fundamentais na institucionalização do Islã brasileiro, ou seja, seu código religioso maior, o Corão e seu mensageiro (profeta), na língua nativa (língua portuguesa); uma cultura própria, ou seja, cheio de dança e de rima, que nada mais é do que o Hip Hop e Rap em suas mais primitivas manifestações.

75 Takiah: Indumentária masculina para homens muçulmanos. Parece um pequeno gorro sem aba e

pode ter cores variadas dependendo, às vezes da cultura, etnia e mesmo do país. (http://amulhereoislam.wordpress.com/).

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A questão de identidade, que inconsciente, transparece por parte de V. G., manifesta-se em sua fala, ao considerarmos que o termo etnia abrange duas séries, uma envolvendo identidades; outra, padrões culturais. Na série de identidades, encontramos dois tipos diferentes de mecanismos de identificação, ou seja, um primeiro tipo compreende identidades assumidas por membros de grupos minoritários, entre eles índios, negros, árabes etc. que estejam inseridos em sistemas sociais globais (como as sociedades nacionais). No caso de V. G. trata-se de uma identidade assumida e envolve o segundo tipo quando se trata de uma assimilação cultural que envolve padrões de conduta sejam eles social, político e religioso etc. (OLIVEIRA, 1976, p. 102).

Segundo N. F. L., agora conhecido por Muhammad, de trinta e três anos, casado com uma branca e pai de cinco filhos, defende, com entusiasmo, um Islã para todas as cores e raças. Visitou a Líbia e lá conheceu Louis Farrakhan76, porém, segundo ele, não se alinhou com as ideias radicais do líder muçulmano.

Perguntado sobre sua visão do Islã no Brasil, responde que o Brasil vive “uma nova revolução islâmica”. “Há focos do Islã borbulhando em toda parte”. “Existem hoje, brasileiros estudando na África, na Ásia e no Brasil com o propósito definido de inserir lideranças muçulmanas em órgãos-chave da sociedade brasileira”, e emenda: “Já iniciamos a base com os mais pobres da periferia de São Paulo, brevemente marcharemos para a região central; estamos aguardando um líder para nos guiar num levante, não armado, mas cultural”. N. F. L. é da zona leste de São Paulo, filho de uma mulher, que no censo do IBGE77, se declarou “branca” e de um pai que se

declarou “pardo”, ele, por sua vez, sempre teve certeza de que eram todos “negros”. Em 1922, Muhammad trocou a bebida, as drogas e os pequenos crimes pelo Alcorão. Algum ano mais tarde se formou em teologia islâmica na Líbia; em 2002 desembarcou na cidade gaúcha de Passo Fundo, de colonização européia onde loiras naturais são tão corriqueiras como chimarrão. Muhammad, com uma Takiah

76Louis Farrakhan, nascido em 11 de maio de 1933, em Bronx, Nova Iorque, foi criado em uma

família altamente disciplinado e espiritual em Roxbury, Massachusetts. A Nação do Islã, sob a liderança do senhor Ministro Louis Farrakhan é o catalisador para o crescimento e desenvolvimento do Islã nos Estados Unidos. Minha ênfase – Grifos meus.

77 IBGE

– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Islamismo no Brasil: Total: 35.167. Brancos: 29.248. Negros 1.336 Amarelos: 268. Pardos: 4.300. Índios:15. IBGE – Censo Demográfico Religioso 2010.

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na testa, desembarcou em Passo Fundo com duas metas principais em sua mente: arranjar um trabalho numa multinacional de abate de frangos halal78 (abatidos

segundo as prescrições islâmicas) e divulgar a doutrina e religião muçulmana.

78 Halal: lícito. Significa uma especificação islâmica para o que é lícito, aceitável e que está de acordo

com as prescrições do Islã. Neste caso, a multinacional de abates de frangos trabalha segundo as especificações dos muçulmanos, de acordo com os preceitos islâmicos, para garantir aos consumidores muçulmanos a procedência e abate do animal.

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