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A Religião como Motivação de Liberdade

2. O ISLÃ EM TERRAS BRASILEIRAS

2.2 A Religião como Motivação de Liberdade

A revolta de 1835, em especial, com forte conotação islâmica, realizada no fim do mês do Ramadã, deixa claro a organização dos negros muçulmanos e a sua forte ligação com o islamismo. Como as escritas sagradas do islamismo proibiam a escravidão dos muçulmanos, esse grupo, conhecido como “malês”, acabou promovendo vários levantes contra os senhores escravocratas e teve papel determinante no sucesso de vários quilombos do país.

O mais conhecido desses movimentos revoltosos contra a escravidão, foi a “Revolta dos Malês”, consequencia direta da expansão da religião islâmica entre os escravos africanos, principalmente na Bahia.

Esta revolta dos Malês contou com a participação apenas de negros africanos, os negros que eram nascidos no Brasil eram chamados de crioulos e não participaram do levante, por isso Reis acredita que se o levante tivesse dado certo, a Bahia provavelmente seria uma nação islâmica na America Latina controlada pelos africanos, tendo à frente os muçulmanos. Reis não para por aí, vai além e diz que talvez a Bahia se transformasse em um país islâmico ortodoxo ou até num país onde as outras religiões fossem toleradas. (REIS, 2006, p. 145).

O Islã de escravidão, portanto, não obstante, sua constituição e presença no Brasil ser fato indiscutível, também é fato inegável que este Islã, sofreu o que podemos denominar de aculturação e assimilação face a influência animista, fetichista. Houve uma mescla e, concomitantemente, uma tentativa em manter o Islã distinto destas intervenções e manifestações de outros credos religiosos e seus ritos.

Juntamente com o Islã de escravidão, a religião muçulmana desapareceu quase que completamente em toda Bahia. Segundo Baptista (1971), em 1937, a União de Seitas Afro-brasileiras da Bahia tinha ainda um Candomblé de uma nação muçulmana. No entanto, apenas traços dessa religião eram mantidos com algumas palavras, expressões e orações inteiras usadas nos rituais como eram usadas nos momentos de oração dos Malês. Autores como Artur Ramos (1979) concordam em algumas razões para o desaparecimento do islamismo de escravidão na Bahia.

Segundo Ramos, os Malês constituiam minoria dentre os negros de outras crenças religiosas; não desejavam e evitavam a convivência com outros escravos

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por não serem maometanos; falavam a língua do país de orígem usando termos árabes e evitando a língua portuguesa. O olhar, portanto, dos outros grupos negros para os muçulmanos era o olhar de estranheza e de não pertença; não os consideravam nem irmãos e nem companheiros e suas crenças foram aos poucos sendo subistituídas ou incorporadas pelos cultos gegê-nagô que predominavam na Bahia.

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2.2.1 Fugas e Origem dos Quilombos.

Uma vez reprimida a revolta, muitos participantes, para fugir da perseguição implacável empreendida pelas autoridades na Bahia, vieram para a capital, o Rio de Janeiro. A resistência à escravidão já se manifestou desde o início do tráfico, em meados do século XVI. Os escravos escapavam de seus senhores e formavam comunidades de fugitivos que se protegiam mutuamente. O governo português denominava como quilombo52 qualquer agrupamento com mais de seis escravos fugitivos. O primeiro quilombo de que se tem registro surgiu na Bahia em 1575.Estes agrupamentos, com forte presença Malê, podem ser considerados as origens do sincretismo religioso tão marcadamente presente nas práticas dos negros islamizados deste período, quanto nas manifestações de credos religiosos afro- brasileiros de hoje, como defende Ramos:

Para Artur Ramos, “o islamismo dos negros malês do Brasil sempre esteve eivado das práticas religiosas africanas”, fenômeno que havia iniciado na própria África. Adoravam Alá, Olorun-uluá (sincretismo de Olurum do Yorubá e Alá) e Mariana (Mãe de Deus).” Ramos acredita, portanto, que as sobrevivências malês acham-se diluídas nas práticas e cultos gege-nagôs ou bantus, das macumbas e candombles do Rio de Janeiro, Bahia e outros pontos do Brasil, tendo a cultura Malê se amalgamado às outras culturas africanas, criando sincretismos, podendo hoje só serem detectadas por meio de alguns termos, vestuário e práticas rituais (RIBEIRO, 2013 apud RAMOS, 1951, p.332-333).

Os anseios de liberdade e a capacidade intelectual e administrativa dos escravos muçulmanos, sobretudo os sudaneses, foram elementos muito importantes no fomento e organização destas comunidades. A partir do ano de 1600 inicia-se a formação de um enorme quilombo, o Quilombo dos Palmares que, formado por escravos fugitivos das fazendas e dos engenhos, chegou a reunir mais de 20 mil habitantes, podendo este número ter chegado a 50.000 habitantes em seu apogeu. Há documentos que registram o papel e importância dos negros muçulmanos de

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O termo “quilombo” vem das palavras “kilombo” da língua Quimbundo e “ochilombo” da língua Umbundo. Há ainda outraslínguas africanas com palavras similares que designam a mesma coisa. Em alguns lugares do nosso país, os quilombos também recebiam o nome de “mocambos”. Em seu significado original, “quilombo” se referia a um lugar de repouso utilizado por populações nômades. No Brasil, a palavra tomou uma nova dimensão: chamava-se quilombo uma comunidade de

escravos fugitivos. Nessas comunidades vivia-se de acordo com a cultura originalmente africana

seja em âmbito cultural, religioso ou social. Em alguns quilombos, inclusive, tentou-se até mesmo a nominação de reis tribais. (http://www.historiabrasileira.com/brasil-colonia/quilombo/). Minha ênfase - Grifo meu.

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origem sudanesa, na estruturação dos quilombos53, como, por exemplo, a de certo

Karim Ibn Ali Saifudin, considerado o construtor das fortificações do Quilombo dos

Palmares54. Assim foram descritos por Ramos: “Eram altos, robustos, fortes e trabalhadores: (ANEXO 2 – Figura 2). Usavam como os outros negros muçulmanos, um pequeno cavanhaque, de vida regular e austera, não se misturavam com os outros escravos. "Eram denominados ‘malês’, que significa professores, educadores em árabe. Organizaram a recuperação da religião islâmica entre os escravos, a partir dos registros em memória do Sagrado Alcorão e das tradições do Profeta Muhammed. Promoveram, ainda que de forma secreta, atividades de alfabetização e memorização do texto sagrado. Mesmo enfrentando oposição e perseguição dos proprietários de escravos, escreviam panfletos, se comunicavam em árabe, e se organizavam constituindo conselheiros e juízes em suas comunidade

s. (

RAMOS, 1971, p. 138).

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“Palmares” remete ao fato da região escolhida ter muitas palmeiras. No começo de sua existência, Palmares era habitado por poucos quilombolas. Contudo, após o início da invasão holandesa em

Pernambuco (1630 a 1654), os senhores de engenho voltaram suas atenções para os holandeses, o

que proporcionou a oportunidade de fuga para muitos escravos. Vários negros fugiram para Palmares, o que fez com que no início da invasão – em 1630 – o número de habitantes de palmares subisse para 3.000 e no final dela – em 1654 – Palmares abrigava entre 23 e 30 mil pessoas (cerca de 13% da população brasileira na época).http://www.historiabrasileira.com/brasil-colonia/quilombo/). Minha ênfase – Grifos meus.

54 Quilombo dos Palmares foi o mais destacado quilombo entre todos. Na ordem de importância

temos quilombo dos Ambrósios e quilombo de Campo Grande. Em 1694 o Quilombo dos Palmares foi ocupado e destruído. Com um exército de mais de 8.000 homens munidos até com canhões, Caetano Mello e Castro (governador da capitania de Pernambuco) e seu braço direito Domingos Jorge Velho (o comandante-geral) atacaram por 22 dias até a vitória. Contudo, os palmarinos continuaram a resistência por meio de ataques surpresa, saques e libertação de escravos. Mesmo com a morte de seu líder, Zumbi, o povo de palmares lutou até 1716.Muitos quilombos, por estarem em locais afastados, permaneceram ativos mesmo após a abolição da escravatura em 1888. Eles deram origens às atuais comunidades quilombolas (quilombos remanescentes). Existem atualmente cerca de 1.500 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares, embora as estimativas apontem para a existência de cerca de três mil. Grande parte destas comunidades está situada em estados das regiões Norte e Nordeste. Minha ênfase – Grifos meus.

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