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Capítulo 2- A CONQUISTA DOS DIREITOS DE CIDADANIA E MULHERES NA

2.2 Mulheres no Parlamento: direito de votar e serem votadas

Os Estados Unidos da América, em 1788, foi o primeiro país a assegurar à mulher o

direito de ser eleita, mas o direito de voto só vai ser conquistado pelas mulheres americanas, em 1920. Passaram-se mais 105 anos para um segundo país, agora, a Nova Zelândia, em 1893, assegurar às mulheres o direito de votar. Mas, o direito de serem eleitas as mulheres da Nova Zelândia tiveram assegurado somente em 1918. A Austrália foi o país seguinte, em

1902, mas ainda com a imposição de restrições, que só vão ser retiradas em 1962 (MIGUEL, 2000).

Após a Segunda Guerra Mundial, intensificam-se as conquistas das mulheres neste campo, com 95 países assegurando às mulheres os direitos de votar e serem votadas. Daí em diante, quase que ano a ano, novos países asseguram às mulheres esses direitos. Mas, somente em 1971 as mulheres suíças tiveram seus direitos de votar e serem votadas assegurados. E de forma mais tardia, no ano de 1976, Portugal eliminou toda e qualquer restrição ao direito das mulheres portuguesas de votar e serem votadas.

Na América Latina, Chile – em 1931, Brasil – em 1932, e Bolívia – em 1938, foram os primeiros a assegurar, ainda que muitas vezes acompanhado de condições ou restrições, o direito às mulheres de votar e serem votadas. Na Argentina, este direito é conquistado em 1947. As mulheres paraguaias foram as que mais tardiamente conseguiram seu direito de voto na América Latina – somente em 1961.

Como marcos históricos desse contexto que contribuíram para o crescimento da representação parlamentar podemos citar a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a exemplo do artigo 21.1: “todos têm o direito de participar no governo do seu país,

diretamente ou através da livre escolha de seus representantes”. Apesar de as regras do

Direito estarem longe de representar as regras de fato, pode-se observar esse aumento por intermédio de alguns dados.

Segundo a União Interparlamentar (IPU), o número de países que contam com atividades parlamentares aumentou muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, havia 26 parlamentos, este número cresceu até atingir 187 parlamentos no ano de 2005. Paralelamente cresceu a participação feminina. As mulheres representavam apenas 3% dos deputados em 1945 nos diversos parlamentos em funcionamento no mundo, subindo para 7,5% em 1955 e para 10,9% em 1975. Entre 1995 e 2005 a representação parlamentar feminina no mundo cresceu de 11,6% para 16,2% (ver quadro1). Nesse período de 60 anos (1945-2005) pode-se destacar alguns acontecimentos com princípios que visavam à promoção da igualdade entre homens e mulheres: a Convenção dos Direitos Políticos da Mulher de 1952 e 1960, a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher em 1979, as Conferências Mundiais sobre a Mulher: México, 1975, Copenhague, 1980 e Nairóbi, 1985 e Beijing (Pequim) 1995.

A Convenção de 1952 teve como principal objetivo firmar o reconhecimento do direito das mulheres a fazerem parte de governos e serem livremente escolhidas para representação política. A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, propugnou a adoção de medidas legais de proteção dos direitos da mulher, refreando as práticas de discriminação que impedem a participação feminina nas instituições políticas e em todos os campos da autoridade pública. Em 1985, em Nairóbi, dentre as proposições havia uma seção intitulada “Igualdade na participação política e nos processos

de decisão‖, no seu parágrafo 86 e seguintes, afirmaram a necessidade de intensificar esforços

para assegurar a igualdade da participação da mulher nos corpos legislativos nacionais e locais. Um outro marco que mobilizou mulheres de todo mundo foi a IV Conferência Mundial sobre a Mulher ocorrida em Beijing em 1995, apesar de muitas diferenças entre as representações dos vários países- sob regimes econômicos, políticos, práticas religiosas, costumes os mais diversos, houve um significativo avanço rumo à conquista da igualdade das populações femininas. Conforme pode ser observado no quadro 1, a partir dos anos 90, ocorreu um aumento significativo na percentagem de mulheres no parlamento do Brasil, alcançando metade dos índices mundiais, isso pode ser atribuído, em parte, às discussões e aprovação posterior da Lei de Cotas.17

Quadro1- Representação parlamentar de mulheres no Brasil e no cenário internacional.

ANO NÚMERO DE

PARLAMENTOS % DE MULHERES NOS PARLAMENTOS DO MUNDO % DE MULHERES NO PARLAMENTO DO BRASIL* 1945 26 3 0,0 1955 61 7,5 0,9 1965 94 8,1 0,5 1975 115 10,9 0,3 1985 136 12 1,7 17

Em maio de 1995, parlamentares do sexo feminino da América Latina reuniram- se em São Paulo para discutir a experiência argentina com cotas e as políticas de cotas no restante do mundo. Além disso, a plataforma de ações adotadas pelos governos, a partir da Conferência de Beijing, endossou o compromisso de assegurar acesso igualitário à participação das mulheres, tanto nas estruturas de poder quanto nos cargos de tomada de decisões. Os encontros regionais produziram idéias sobre cotas, e levaram as participantes a propor leis sobre o assunto nos seus próprios Parlamentos; por sua vez, a Plataforma de Beijing legitimou o uso da política de cotas em âmbito mundial.

1995 176 11,6 6,3

2005 187 16,2 8,3

Fonte: Women in Politics: 60 years in retrospect, 1945-2005.www.ipu.org *www.tse.gov.br

A percentagem de representação feminina no parlamento varia muito conforme as regiões consideradas (quadro2). De acordo com dados da União Interparlamentar destacam-se os países Nórdicos que possuem uma representação média de gênero no parlamento de 40%. Em seguida, os conjuntos dos países das Américas e da Europa possuem uma representação próxima a 20%, ou seja, metade da representação dos Países Nórdicos. Em quarto e quinto lugar, os países da África Sub-Saara e da Ásia apresentam uma taxa de participação das mulheres no parlamento de 17,5% e 16,3%, respectivamente. Bem abaixo da média mundial, de 16,8%, aparecem os países árabes, que apesar das mulheres continuarem subrepresentadas, com 8,2%, a sua participação, duplicou nos últimos oitos anos, principalmente em países como Djibuti, Jordânia, Iraque, Marrocos e Tunísia. Também abaixo da média mundial aparece o Brasil com 8,6%. Os aumentos mais importantes registaram-se em África e na América Latina, onde o aumento médio nos últimos dez anos foi de cinco pontos percentuais. Quadro 2- Representação feminina no parlamento conforme as regiões do mundo- 2006

Fonte: www.ipu.org

Seria inviável nessa pesquisa tentar explicar os diversos motivos da pequena presença de mulheres na elite política e quais as causas dessas variações de representação feminina nas

REGIÃO % Países Nórdicos 40 Américas 20,2 Europa 19,6 África Sub-Saara 17,5 Ásia 16,3 Países Árabes 8,2 Média Mundial 16,8 Brasil 8,6

regiões do mundo. Mas existem estudos sobre essa temática com perspectiva comparativa entre países. Cito o exemplo da pesquisa desenvolvida na França por Achin (2005) sobre os diferentes processos que contribuíram para entrada das mulheres no parlamento, a autora analisa os pontos comuns e divergentes na França e Alemanha entre 1945 a 2000, articulando numa perspectiva macro e micro as mudanças (políticas, institucionais, sociais, culturais, etc.) ocorridas nesses países e as diferentes trajetórias das deputadas na França e na Alemanha. Achin (2005) considera diferentes variáveis como a origem social, profissional e política, número de mandatos, regime matrimonial, idade de ocupação de cargos eletivos das deputadas, por meio destas faz uma comparação das características das diferentes trajetórias das deputadas francesas e alemãs.

Primeiramente Achin (2005) considera a variável da nacionalidade para distinguir as características das deputadas, observando as peculiaridades de cada país no recorte temporal proposto. O eixo temporal é divido na França, primeiramente, entre os anos de 1945 a 1956. As mulheres eleitas deputadas nesse período são, em sua maioria, jovens (entram no parlamento antes dos 40 anos), exercem profissões ―menos qualificadas‖ (comerciantes, artesãs, agricultoras, operárias), grau de escolarização inferior ao bacharelado, tiveram carreiras militantes em partidos e sindicatos, a autora as chama de les résistantes.

O outro recorte temporal se refere às deputadas francesas eleitas depois dos anos 80. A autora as distingue de acordo com sua filiação partidário e origens sociais. São as deputadas ―socialistas‖, que em sua maioria vivem em concubinato ou são divorciadas, participaram de militância em associações, dispõem de diplomas superiores na área de Licenciatura, a autora as chama de les énarques. E as deputadas dos partidos considerados de direita (gaullistes,

libérales et d‟extrême droite). Estas, em sua maioria são casadas, exercem profissões ―mais

qualificadas‖ (chefes de empresas e professions intellectuelles supérieures), entram no Parlamento com mais de 50 anos e exerceram anteriormente carreiras de assistência parlamentar, Achin (2005) as chama de députées de terrain.

Na Alemanha, o eixo temporal é divido em as deputadas eleitas entre 1949 e final dos anos 60. As características sociais que predominam entre as deputadas nesse período são: mulheres viúvas, profissionalmente inativas, não possuem grau de escolarização superior, exerceram profissões mais modestas, são as deputadas do ‗pós-guerra‘, Achin (2005) as chama de anciennes démocrates. As deputadas eleitas na Alemanha depois dos anos 80, são mais jovens (entram no Parlamento com menos de 40 anos), são divorciadas ou vivem em concubinato, exercem profissões ‗mais qualificadas‘, o grupo não apresenta carreiras de

acesso singular, a autora as chama de députées alternatives. Entre deputadas eleitas entre o fim dos anos 60 na Alemanha e o fim dos anos 80, prevalecem mulheres com diplomas de curso superior em licenciatura, exercem profissões consideradas superiores, participaram de militância partidária ou de associação, são casadas ou solteiras e praticantes de crenças religiosas (católicas ou protestantes). Achin (2005) as chama de femmes de parti, em razão da estrutura de seu capital, sua carreira depende, em boa parte, da sua participação na organização partidária. Por meio das construções desses tipos o trabalho de Achin (2005) evidencia como a profissão política não se apóia sobre um equivalente universal e não pode ser delimitada mediante uma competência sem levar em conta, variações conjunturais e históricas.

No Brasil, há o trabalho de Avelar (2001), que fez uma comparação mais apurada sobre os diferentes níveis de participação feminina entre alguns países latino-americanos e o conjunto de países nórdicos. Avelar (2001) destaca que uma das causas das diferenças da participação feminina entre esses dois blocos de países é a diferença entre os países que têm forte tradição participativa e aqueles que têm um Estado forte aliado ao poder local, como é o caso dos países latino-americanos. A autora propõe uma discussão se existe ou não uma correlação positiva entre níveis de qualidade de vida e a representação política feminina. Os nórdicos são os que têm mais alto IDH e entre os países latino-americanos, a Argentina se destaca no IDH e na representação feminina. Há uma infinidade de fatores que atuam na ascensão política das mulheres, mas ao que tudo indica, é necessário um mínimo de redistribuição social de renda para que seja incrementada a representação dos segmentos. Quando discute sobre a participação das mulheres na política nos países latino- americanos, Avelar (2001) chama atenção para o fato de estes terem passado por regime político autoritário, porém com suas peculiaridades. Na Argentina, ainda sob repressão, as mulheres das famílias de mortos e desaparecidos no regime militar, aglutinaram-se em movimentos de protesto: Las Madres de La Plaza de Mayo, organização de protesto contra os militares, ocupando a praça quase diariamente, criaram uma rede de solidariedade. Mães, filhas, esposas, irmãs foram unidas por verem seus entes queridos desaparecidos, estas construíram e continuam construindo a base da representação política feminina naquele país.

“Não é sem motivo que, no ranking da representação sul-americana, a Argentina é o país com mais alta taxa de presença de mulheres na política formal, uma extensão de sua organização na sociedade civil” (AVELAR, 2001:54).

O Chile, devido o regime autoritário, dividiu as famílias e as mulheres entre pró- Pinochet e anti-Pinochet. As mulheres das famílias vítimas das mortes do regime também se uniram criando foco de solidariedade. O caso do México é distinto, um país de partido único por quase um século, nas últimas quatro décadas viu a emergência da organização das mulheres nos movimentos sociais, toleradas pelo regime autoritário do Partido Revolucionário Institucional- PRI. A grande dificuldade residia na construção de movimentos autônomos sem a interferência do Estado, porque a marca da intermediação clientelística nos programas sociais do governo neutralizava a construção de identidades políticas, fossem elas femininas ou não. Ou seja, um Estado forte e desmobilizador.

Em relação às razões da baixa presença feminina na política, existem alguns estudos, tais como Avelar (2001), Araújo (1998), Miguel (2001) que apresentam algumas explicações. No geral são argumentos ligados às estruturas familiares, à vida pessoal, aos sistemas econômicos, às estruturas do Estado, aos tipos de regimes políticos e ao grau de tradicionalismo e religiosidade dos respectivos países. Outras dizem respeito às relações entre movimentos sociais e partidos políticos, cujo argumento central é o de que a participação e o ativismo local não resolvem o problema da exclusão política da mulher. Outras, ainda, sob enfoques institucionalistas, afirmam sobre a dificuldade de se conseguir dos partidos a adoção de desenhos institucionais que mudem os princípios de representação democrática.

Entretanto apesar da representatividade feminina na política ainda ser baixa, alguns avanços já podem ser observados, como os países que conseguiram atingir e até mesmo ultrapassar o percentual mínimo fixado pela ONU (ver quadro3). O objetivo de 30% fixado pela ONU para a representação de mulheres nos parlamentos, definido para 1995, é considerado como a ―massa crítica‖ de mulheres necessária para que tenham uma influência considerável nos trabalhos do parlamento. Exemplos de países que já ultrapassaram esse percentual é Ruanda18 (48,8%) e Suécia (45,3%).

Um marco, em relação ao aumento da participação de mulheres na vida política, foi a eleição para presidente no Chile de Michelle Bachelet, primeira mulher eleita na América do Sul. Michelle Bachelet criou o primeiro gabinete paritário, composto igualmente por homens

18 Ruanda pertence ao grupo de nações que atravessaram um período traumático, a exemplo do genocídio cometido em 1994 contra cerca de 800 mil pessoas, em sua maioria membros da etnia tutsi, por parte da minoria hutu. Nessa época, as mulheres de Ruanda tiveram de assumir responsabilidades que tradicionalmente não assumiam e que, terminado o conflito, não quiseram ceder. Mulheres de todo o mundo ajudaram as ruandesas a estabelecer um regime eleitoral que introduziu o sistema de cotas e uma sensibilidade de gênero a todo o processo. A política de Cotas para mulheres no Ruanda incide diretamente sobre o Parlamento, desde 2003, as mulheres ocupam 39 dos 80 assentos da Assembléia Nacional e 6 dos 20 lugares do Senado. (Dados fornecidos pelo secretário-geral da União Interpalamentar -UIP, Anders B. Johnsson, em www.ipu.org, acesso em 05/09/08)

e mulheres (10 ministros para cada um). No quadro 3 apresento a lista dos países que têm uma mulher como Chefe de Estado ou de Governo.

Quadro 3- Os 20 países onde as mulheres representam pelo menos 30% na Câmara Única ou baixa do Parlamento19- ano 2005.

Ruanda 48,8% Moçambique 34,8%

Suécia 45,3% Bélgica 34,7%

Noruega 37,9% Áustria 33,9%

Finlândia 37,5% Islândia 33,3%

Dinamarca 36,9% África do Sul 32,8%

Países Baixos 36,7% Nova Zelândia 32,2%

Argentina 36,2% Alemanha 31,8%

Cuba 36% Guiana 30,8%

Espanha 36% Burundi 30,5%

Costa Rica 35,1% Rep. Unida da

Tanzânia 30,4%

Fonte: site União Interparlamentar, www.ipu.org

Quadro 4- Países que têm uma mulher como Chefe de Estado ou de Governo-2006

País Cargo Chile Presidente Finlândia Presidente Irlanda Presidente Letônia Presidente Libéria Presidente

19 Nos países com parlamentos unicamerais a legislatura desenvolve sua prática política por apenas uma câmara (ou casa). No Bicameralismo a legislatura de um país é dividida em duas câmaras (ou casas), na maioria dos casos, os parlamentos bicamarais são divididos em "Câmara Baixa" (geralmente a Câmara dos Deputados ) e "Câmara Alta" (Senado).

Filipinas Presidente

Bangladeche Primeira- Ministra

Alemanha Chanceler

Nova Zelândia Primeira- Ministra

Moçambique Primeira- Ministra

São Tomé e Príncipe Primeira- Ministra

Fonte: www.ipu.org