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Mulheres que cochicham: um pouco da sua história

3 MULHERES QUE COCHICHAM E SUAS COXIAS

3.1 Mulheres que cochicham: um pouco da sua história

Como nenhuma história se faz desacompanhada de contradições, a vivência das mulheres mineiras só pode ser apresentada através do permanente conflito e negociação entre os grupos empobrecidos dos quais as mineiras faziam parte e as instituições que de um modo ou de outro, procuravam enquadrá-la. (Luciano Figueiredo, 2004.p130).

Ao descrevermos as coordenadoras de grupos de convivência de idosos partimos da observação do seu contexto histórico cultural. Segundo o levantamento de dados que realizamos no Estágio o psicólogo na comunidade em parceria com o programa de extensão PUC MAIS IDADE, a maioria das coordenadoras de grupos de convivência de idosos, que responderam aos questionários no ano de 2002 informaram ter nascido no Estado de Minas Gerais. Mais de 50% das que responderam ao instrumento foram nascidas e criadas em Belo Horizonte e região metropolitana. Ao contarem sua trajetória de vida algo em comum entre elas foi o fato de que os pais vieram de cidades vizinhas ou do interior de Minas para a capital. Contavam a história de seus pais trazendo detalhes sobre suas mães. Algumas, segundo elas, eram quitandeiras, outras eram filhas de fazendeiros da região metropolitana ou cidades vizinhas, algumas eram filhas de mulheres que lidavam juntamente com os maridos com pequenos comércios, outras eram filhas de costureiras, bordadeiras, lavadeiras ou donas de casa Esses ofícios das mulheres mães das coordenadoras foram os que mais apareceram nos questionários. Uma boa parte delas, cerca de 30% das que responderam disseram que suas mães vieram para a capital para acompanhar os maridos no trabalho. E cerca de 20% disseram que suas mães vieram para a capital para estudar e morar com parentes.

Quanto aos seus pais, as coordenadoras, na sua maioria (60%)responderam que os pais foram pequenos fazendeiros, agregados ou trabalhadores rurais e cerca de 20% delas eram filhas de militares. Os outros 10% delas responderam que os pais faziam outros ofícios típicos da cidade grande como alfaiates, pedreiros, motoristas. Quanto à situação civil, a maioria das coordenadoras de grupos de convivência de idosos são constituídas de viúvas e ou separadas (em torno de 60%) Uma boa parte delas (cerca de 15 a 20%) solteiras. E 20% a 25% delas são casadas. Esse dado fica

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um pouco contaminado tanto com o discurso de algumas que não vivem mais com os maridos mas que se declaram casadas, como com as solteiras que possuem um companheiro, por um período que já seria considerado uma união estável, mas que se declaram solteiras. Um outro dado interessante é que boa parte das que são viúvas e casadas disseram ter tido poucos filhos em comparação com as outras mulheres que viveram em sua época. Boa parte dessas mulheres foram casadas com militares (cerca de 35% das casadas) e disseram que suas mães vieram para a capital para estudar ou para acompanhar os maridos no trabalho. Observei que mais de 30% das coordenadoras de grupos de convivência de idosos eram filhas ou esposas de militares. O quadro abaixo relaciona algumas características das 10 coordenadoras de grupos de convivência cujas entrevistas foram analisadas neste trabalho e que podem servir para referenciar o leitor, e que se aproximam desses dados.

Quadro 4 Caracterização das coordenadoras entrevistadas ENTREVIS TADA IDADE ATUAL ESCOLARIDADE ESTADO CIVIL RENDA PESSOAL INFORMADA CONDIÇÃO/ MORADIA

CI-1 60 ensino superior casada R$1800,00 com o

marido CI 2 62ª fundamental Incompleto casada R$750,00 com o marido CI 3 65ª ensino médio Completo separada R$780,00 com o marido CI 4 72ª fundamental incompleto separada R$780,00 Com os filhos CI 5 67ª ensino médio profissional

solteira R$800,00 com a mãe

e um irmão

CI 6 72ª fundamental viúva R$750,00 com uma filha

CI 7 72ª ensino médio viúva R$1200,00 com a mãe

92 ENTREVIS TADA IDADE ATUAL ESCOLARIDADE ESTADO CIVIL RENDA PESSOAL INFORMADA CONDIÇÃO / MORADIA CI 9 80ª fundamental incompleto viúva R$980,00 com os filhos CI 10 82ª fundamental incompleto viúva R$980,00 com os filhos

Fonte: banco de dados do Estágio supervisionado mantido pela pesquisadora na PUC MINAS

Um outro dado interessante é que nas histórias contadas, elas sempre traziam um propósito de preservação e manutenção de valores familiares, e regras rígidas no sentido de cumprimento das premissas religiosas. Entretanto, um dado interessante é que sempre contavam também nos fragmentos da sua história pequenos atos de rebeldia de que se lembravam ter feito. Esses dados mais gerais envolvendo outras coordenadoras além das entrevistadas, foram coletados quando do levantamento de dados dos grupos no momento em que eram vinculados ao estágio no curso de psicologia, e foram utilizados aqui apenas como pano de fundo para que possamos mostrar ao leitor uma referência sobre a história pregressa dessas mulheres antes de falarmos de sua atuação nos grupos.

Uma das dez coordenadoras de grupos entrevistadas além de ter mencionado seus sonhos de criança na sua trajetória de vida, numa das oficinas em que discutíamos o tema relações familiares, chegou a montar uma escultura em argila na qual produziu um violeiro tocando sua viola e disse:

“Meu sonho de mocinha era tocar violão, porque meu pai e meu irmão tocavam muito bem e eram sempre convidados para as festas. Mas um dia ele me pegou tocando no violão do meu irmão e disse que eu não podia fazer aquilo porque tocar violão não era coisa de moça direita. Fiquei muito triste mas de vez em quando eu ia pra fazenda das minhas primas eu tocava violão com um grupinho de amigas que eram pra frente. Eu era moça séria mesmo, só queria tocar violão, mas se a gente não podia fazer nem as coisas boas. Ai, então, Deus que me perdoa..., mas eu juntei com minhas primas e tive que dar meu jeito”. (CI 8 70ª.2006).

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Vejam que nesse cochicho ela aponta simultaneamente a exclusão feminina de certos espaços sociais e ofícios que não podiam ser ocupados pela mulher, mas simultaneamente, explicita os mecanismos que ela utilizou para fugir a esse cerco excludente. Ou seja, ia para a fazenda das primas e transgredia uma regra de sua cultura local que lhe era imposta e com a qual não concordava, mas de certa forma pedia a Deus perdão pelo que fizera para dar um jeito. É interessante notar aqui o exercício de solidariedade que é apontado, nesse acolhimento das suas primas na fazenda. Reuniam-se para fortalecer e para quebrar as regras. A proteção e o auxílio prestado pelas colegas, eram quase sempre reconhecidos e retribuídos, segundo seus próprios cochichos.

Outra coordenadora CI7,72a (2006) mencionou que se lembrava do “footing”, e

de como gostava desta prática. Ao indagá-la sobre o que era isso ela disse que era na verdade como um passeio que elas ficavam fazendo nas praças depois da missa e no “footing” os rapazes podiam olhar as moças e se interessar por alguma delas e ficar conversando um pouco na praça. Segundo contava, esse era o único espaço permitido socialmente e assim mesmo, apenas por alguns pais. Nesse espaço, as moças de boa família ficavam como num desfile, passeando na praça e os rapazes podiam avistá-las. Isso acontecia sempre nas praças das igrejas depois das missas, nos finais de semana. Ela mencionou numa das oficinas que um dia levou uma surra da mãe porque brigou com o irmão e disse a sua mãe que não queria ser mais mulher, e tomou uma surra por que dissera à sua mãe que ser mulher era a coisa pior

do mundo naquela casa. Disse que “era muito injusto ser mulher porque Tudo o meu

irmão podia, e eu nada podia”.

É interessante notar o quanto nesses fragmentos da história dessas mulheres, elas trouxeram questões concernentes à dominação e ao preconceito de gênero no cerne de sua experiência cultural, bem como, trouxeram também o exemplo intergeracional de mulheres que de alguma forma desafiavam o que estava posto. E aquelas que não o faziam, e ficavam quietas descreviam seus lares mantidos com o rigor de normas e costumes vigentes que fortaleciam a exclusão feminina, especialmente dos lugares de reconhecimento social e político. Por isso embora não se rebelassem naquele momento, ou o fizessem de forma tímida e amedrontada,

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construíam espaços e coxias para dizer o que pensavam fora do alcance dos pais ou dos que faziam cumprir tão rigidamente as normas. Essa afirmação nos faz refletir sobre o que sugere Luciano Figueiredo, (2004. P.142)32:

“Em que lugar encontraríamos a mulher mineira? Começamos pela negação, que parece ter sido a característica central na vida dessas mulheres. Estiveram nas minas excluídas de qualquer exercício de função política, nas câmaras municipais, na administração eclesiástica, proibidas de ocupar cargos da administração colonial que lhes garantissem reconhecimento Social.” (FIGUEIREDO,2004, P.138). Historicamente o processo de grupalização das mulheres mineiras foi antes de tudo um caminho encontrado como verdadeira linha de fuga aos processos de dominação e exclusão. Neste aspecto esse mesmo autor ao estudar a história das mulheres em Minas gerais, afirma que no período de colonização e na corrida do ouro em Minas eram as mulheres, forras e escravas quem davam trabalho para as autoridades, porque por via de suas bandejas de quitutes e pela venda de alimentos e bebidas, se articulavam em grupos e favoreciam os escravos, facilitavam fugas e funcionavam além de conselheiras, como verdadeiras forças solidárias em contraposição aos processos de dominação existentes. Assim afirma Luciano Figueiredo (2004, P.143):

Malgrado essas dificuldades antepostas pelos termos da colonização [...] a originalidade da presença feminina em Minas deve ser captada no olhar que passeia em outras direções. Ante a exclusão que atravessou o além mar e as escarpas montanhosas do sertão colonial tais segmentos contrapunham a força de sua resistência e a persistente capacidade de definir novos papeis para as mulheres em atitudes de resistência cotidiana na luta pela ampliação dos espaços de sobrevivência, na promoção da sociabilidade dos grupos. (FIGUEIREDO,2004, P.143).

Esses aspectos aqui apresentados dão base para refletirmos sobre uma questão importante na história das coordenadoras hoje e que se apoia numa anterioridade cultural. Se as mulheres eram as cochichadeiras, o lugar dos grupos na cultura também foi marcado anteriormente como o de coxias diversas, uma vez que os grupos se tornaram muitas vezes os lares dessas mulheres. Lembremos que na

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história, as poucas mulheres que habitavam Minas Gerais no período da colonização eram mulheres forras33 e escravas e suas coxias se faziam em suas vendas, ou pontos de comércio onde vendiam seus quitutes. Nas coxias, cochichavam seus ideais de liberdade. Mas suas coxias muitas vezes se transformavam em palcos sangrentos, pois se eram excluídas dos lugares de poder e dos espaços de reconhecimento estavam por certo incluídas de maneira intensa nos programas e projetos de perseguição aos negros, aos ladrões, aos traidores do governo. Segundo mostra Luciano Figueiredo:

“As vendas eram quase sempre o lar das mulheres forras (alforriadas) ou escravas que nelas trabalhavam no trato público. O destaque da presença feminina no comércio concentrava-se nas mulheres que eram chamadas de “negras do tabuleiro”. Elas infernizaram autoridades de aquém e além mar. Todos os rios de tinta despejados na legislação persecutória e punitiva não foram capazes de diminuir seu ânimo em Minas e pelo Brasil afora” (DEL PRIORE, 2004, p 132).

Mas porque faço essa ligação tão estreita entre as mulheres coordenadoras de grupos de convivência e as mulheres de minas escravas e forras? Se adentrarmos um pouco mais nas questões sócio econômicas, educativas e políticas dessas mulheres pesquisadas, veremos que suas origens remontam as origens das classes mais populares, e os costumes que trazem para o cotidiano de suas vivências são predominantemente os costumes desses grupos. As histórias contadas por elas sobre a forma de criação dos seus filhos e a forma como foram criadas pelos pais, revela o modelo de criação adotados por grande parte das pessoas de baixa renda. Esses costumes continuam prevalecendo, em parte hoje, na forma como opinam na criação dos seus netos embora essas mulheres se contradigam algumas vezes em relação a costumes e valores de hoje e de outrora.

Para se ter uma ideia, pelos dados que obtive dos grupos, a maioria das 142 coordenadoras de grupos de convivência, para ser mais exata,120 delas possuíam uma renda pessoal inferior a dois salários mínimos sendo que mais de 50% delas recebem uma renda igual a um salário mínimo. E apenas sete delas, aproximadamente, 5% não recebia qualquer rendimento próprio. A maioria das que

33 Mulheres alforriadas pela lei da escravatura. Na época constituíam o maior número de mulheres presentes nos espaços públicos de trabalho dos homens.

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não possuíam renda própria viviam na época, da ajuda dos filhos ou dos irmãos. A maioria delas como se pode ver nas próprias imagens filmadas, são negras e pardas. As poucas que são mais embranquecidas, ao mencionarem suas histórias trazem sempre no bojo delas, as memórias de serviços prestadas por pessoas de sua família a figuras de autoridade que ocupavam lugares políticos importantes. Uma das coordenadoras de um grupo de idosas, por exemplo, sempre mencionava em sua história de participação política, a história de sua família. E ao mencionar sua história mostrava-se emocionada quando falava da ligação afetiva de seu tio com o presidente Juscelino Kubitschek. Certa vez comentou no grupo sobre uma questão que mobilizou muitas colegas e deixou as opiniões divididas, pela força e comoção de seu discurso sobre um ponto polêmico em sua morte e que é ainda hoje atual nas notícias dos jornais e que inclusive vem sendo debatida pela Comissão Nacional da Verdade34 e continua rodeada de mistérios.

Meu tio (...) era o motorista e o homem de confiança do presidente JK. Dona Sara as vezes convidava a gente para brincar coma Marcia, a Maria Estela e outras meninas no sitio. JK era um homem bonito alto muito elegante e muito simples. Eu lembro como hoje o dia 22 de agosto de 1976 quando deram a notícia pra nós que meu tio tinha morrido junto com ele num acidente próximo de Rezende, no Estado do rio de Janeiro. Morrido não, porque nada me tira da cabeça, que eles foram assassinados. Eu fico orgulhosa do meu passado e do passado da minha família porque a gente sempre tava de olho na política, por causa do meu tio. Ele era um homem bom e honesto, mas sofria muito por causa da sujeira da política e de tudo o que fizeram com JK.” (CI 6 72ª,2006).

Outro tema interessante trazido na trajetória de vida de uma das coordenadoras e abordada por ela na entrevista individual foi acerca dos seus sofrimentos por causa de sua cor. Em sua fala estão presentes também os mecanismos de exclusão das mulheres dos lugares de poder eclesiásticos tais como foram apontados no texto de FIGUEIREDO (2004). Trata-se de sua trajetória de lutar

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Comissão Nacional da Verdade é o nome de uma comissão brasileira que tem por objetivo investigar violações de direitos humanos consideradas graves e ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil por agentes do estado. A lei que a institui (Lei nº 12.528 de 2011) foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011. a comissão foi instalada oficialmente em 16 de maio de 2012. É formada por sete membros nomeados pela presidente do Brasil Dilma Rousseff e catorze auxiliares,para atuarem por dois anos, sendo que ao final desse período, publicarão um relatório dos principais achados, que pode ser público ou enviado apenas para o presidente da república ou o ministro da defesa.

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pelo desejo de se tornar uma freira. Ela descreve, emocionada, o que se passou com ela no final da década de sessenta:

“Naquela época, eu já havia passado por diversas casas de formação mas elas não aceitavam “gente de cor”. (Aliás, gostaria de dizer que nunca aceitei nem entendi posicionamentos como esse na igreja. Passei por mais de dez casas de irmãs. Eu ficava muito triste, por que as vezes era dispensada na porta mesmo. (CI5 67ª 2006).

É interessante observar que ela expressa de maneira clara seus sentimentos em relação ao que estava acontecendo. Amplia a fala na entrevista dizendo que mesmo na situação em que havia uma vocação para ocupar posição culturalmente avaliada como “a serviço a Deus” e uma entrega humana ao espaço do sagrado, ela sentira a dor da discriminação e o peso do estigma com toda a sua força, como se mulher negra não fosse digna daquele lugar. Noutra ocasião da entrevista esta mesma coordenadora se mostrou indignada com o que ela denominou de profanação do espaço sagrado no convento por ações que ela nomeou como desumanas e mesquinhas, como por exemplo o de impingir regras de serviços e regras de descanso diferenciadas e mais duras para as irmãs negras. Lembrou-se de um famoso poema de Neimar de Barros chamado Deus Negro. E disse que nesse poema Deus aparecia no final para as pessoas que haviam desprezado os negros e ele também era negro. Ela elogiou o autor do poema e disse que ficava impressionada com a forma como o preconceito racial e as atitudes racistas contaminavam até os lugares mais sagrados.

Como eu tinha muita vontade de ir para o Carmelo cheguei até a procurar o apoio de um religioso que foi extremamente franco comigo. Ele disse que ele não poderia me ajudar. Disse que eu deveria procurar as irmãs de Jesus Cristo Crucificado, que trabalhavam dentro da cidade O. Lá eu poderia ser aceita para trabalhar no campo, porque o Carmelo não aceitava “gente de cor”. Eu me lembro que estava com minha tia nesse dia. Ela hoje possui 95 anos e ainda se lembra do fato). Fui então conhecer estas irmãs e tive uma péssima impressão da separação que existia entre as irmãs brancas e negras porque parecia que as irmãs que eram “gente de cor” eram empregadas das outras. Eu ficava triste, chorava pelos cantos... mas não podia fazer nada, a não ser tentar de todos os modos conseguir realizar o objetivo de me tornar uma freira.CI 5 67ª(2006).

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É interessante observar nessa fala os conteúdos verbais que sinalizam os movimentos de resistência e persistência e assinalam a arma que ela utilizaria nesta luta. Tornar-se uma religiosa. Ou seja, ocupar o lugar que queria. Mas esse lugar não seria representado por ela apenas como um lugar para si e sim como um lugar de onde poderia transformar a realidade.

Recortes como esses nos cochichos das mulheres, idosas coordenadoras de grupos não apenas confirmam essa herança e proximidade cultural com as mulheres mineiras escravas e forras que marcaram a história com sua luta por ideais libertários, mas também nos leva a refletir sobre como o tempo e a cultura cuida ainda de transmitir sua barbárie, como salienta Walter Benjamim apud Oliveira (1999 p.30) ao mencionar o processo de transmissão cultural da barbárie. Essa é uma das formas pelas quais os estigmas que deterioram identidades ao longo de toda existência são sustentados e continuam sua ação perversa, caso não sejam contidas as formas de dominação e de exclusão, que os sustentam, já que segundo afirma Goffman (1988 P.141)

“A manipulação do estigma é uma característica geral da sociedade, um processo que ocorre sempre que há normas de identidade (...) a estigmatização daqueles que tem seus antecedentes morais pode nitidamente funcionar como um meio de controle social formal. A estigmatização de membros de certos grupos raciais religiosos ou étnicos tem funcionado aparentemente, como um meio de afastar essas minorias de diversas vias de competição.” (GOFFMAN, 1988, P.141).

Por isso mesmo quero esclarecer também que essa significação sobre a aproximação cultural entre as mulheres idosas pesquisadas com as mulheres escravas e forras do período colonial mineiro, é uma interpretação já de segunda mão. Ou seja, uma interpretação da pesquisadora sobre a forma como vivem e interpretam sua existência. Pois embora estes elementos de semelhança estejam presentes de