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CAPÍTULO I – A RELAÇÃO TRABALHO E EDUCAÇÃO E A CRISE

1.2 Divisão internacional do trabalho

1.2.1 Mundialização da economia

O processo de internacionalização da economia ocorrido a partir da Segunda Grande Guerra, para além de romper as fronteiras do capital, sobretudo do capital financeiro, difundiu também, em escala global, “as diretrizes do metabolismo social do capital” (ANTUNES, 2009, p. 26).

Essa difusão, porém, deu-se no bojo das novas relações internacionais, que interferiram, através do plano político e econômico, nas relações sociais de modo geral. No entanto, tais interferências nem sempre são postas de maneira direta. O que os estudos de Martins e Neves (2015) nos revelam é que são ações engendradas no seio dos organismos internacionais18 e que, por isso, são legitimadas nas relações internacionais devido à suposta

imparcialidade desses organismos.

Desse modo, os organismos supranacionais19 assumem papel estratégico na

reorganização das relações internacionais e na (re)divisão internacional do trabalho. Através

17 De processo formativo nas diversas instituições da sociedade (BRASIL, 1996b apud Neves, 2015, p. 19). 18 Organismos internacionais (MARTINS; NEVES, 2015), multilaterais (CASTIONI, 2010) ou supranacionais

(SILVEIRA, 2010) são instituições criadas pela articulação de vários países, para que, em tese, interfiram de maneira autônoma e imparcial nas relações internacionais com o objetivo de garantir direitos humanos universais promovendo a paz e a diplomacia, bem como o desenvolvimento social. São exemplos desses organismos: a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), entre outros.

19 Adotamos aqui o termo cunhado por Silveira (2010), concordando que os organismos internacionais exercem

não apenas influência, mas também poder sobre grande parte dos países, exceto os países centrais com maior autonomia sobre esses organismos.

do financiamento dos países centrais e de grandes corporações, desenvolvem ações no mundo inteiro, sobretudo, nos países de capitalismo dependente.

No campo da política, esses organismos tornaram-se estratégicos para difusão do novo ideário do neoliberalismo de Terceira Via. Ademais, assumiam um “papel de organizador das relações internacionais capitalistas contemporâneas” (NEVES; PRONKO, 2008, p. 92 apud MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 49).

Não obstante, também assumiram a tarefa de construir uma nova concepção de esquerda, uma espécie de esquerda “renovada”, que tomaria uma postura menos radical, possibilitando o constructo de um grande consenso no qual o capitalismo se apresentasse sob uma face humanizada, contanto que a classe trabalhadora abandonasse as pautas que pudessem mudar a essência do capital (MELO; SOUZA; MELO, 2015).

A atuação desses organismos nos países de capitalismo dependente dá-se, sobretudo, através da interferência nas políticas públicas das diversas áreas da sociedade. Tal interferência busca garantir seu desenvolvimento condicionado às demandas dos países centrais. Seja em relação à produção de conhecimento e tecnologia, ao desenvolvimento da indústria, à formação de mão de obra adequada ao novo modelo produtivo, bem como à fidelidade da dívida pública desses países (CASTIONI, 2010). Por isso, esses organismos se mostram tão presentes nas discussões, proposições, financiamentos e influência nas políticas de educação.

No Brasil, foi pela relação junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que as interferências na política econômica nacional tomaram forma. Embora a relação com essa organização se dê desde 1948, foi em 1999 que a relação se tornou mais “umbilical”, com a criação de um programa voltado para o país (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 48).

As ações no campo da educação, mediadas pelo Capitalismo Neoliberal de Terceira Via, deram-se através do que Martins e Neves (2015) chamaram de Nova Pedagogia da Hegemonia. Essa nova pedagogia funciona como uma estratégia situada nas relações macroeconômicas, na qual as associações sem fins lucrativos funcionam como corrente de transmissão dos projetos desenvolvidos no comando dos organismos supranacionais. Não só isso, o autodenominado “terceiro setor” passou a executar políticas sociais em diversas áreas, mas, principalmente, ações de formação ético-política.

Outra função estratégica desses organismos nos países dependentes diz respeito à formação de um novo padrão de consumidores. Seja para o consumo das novas tecnologias da informação e da comunicação, seja para o “mercado do conhecimento”. Nesse nicho, a

educação a distância, enquanto “mercadoria-educação” (RODRIGUES, 2007b, p. 6), destaca- se no novo mercado.

A Terceira Revolução Industrial, além de determinar a reconfiguração da produção, também incidiu sobre o consumo e a assimilação dessa nova cultura, chamada por Pierre Levy (1999) de Cibercultura. De todo modo, para a “mundialização da produção, a própria internacionalização do consumo exige a ampliação de uma força de trabalho com melhores níveis educacionais” (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 58-59). Os autores complementam:

Ao mesmo tempo, uma elevação quantitativa global dos níveis de escolaridade também responde à demanda por educar politicamente para consenso amplas parcelas da população. As formas clássicas de dominação de classe ganham intenso reforço de mecanismos variados de obtenção do consenso. Lembrando que, em determinados países e/ou regiões de países, pode tratar-se das primeiras gerações de famílias que estão adentrando ao sistema escolar. Sendo a escola o principal espaço de formação de organizadores da cultura, os organismos internacionais empenharam-se organicamente no desenvolvimento de programas, movimentos e iniciativas que redefinissem as diretrizes e bases da educação escolar ao longo da primeira conjuntura do neoliberalismo de Terceira Via no mundo e no Brasil. (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 59)

O papel aceito pela burguesia brasileira nessa divisão internacional do trabalho, conforme apresentado, incide não apenas na produção, mas também no tipo de consumo do país. Por outro lado, põe em voga a contradição entre a indústria e o setor de serviços, posto que a indústria também almeja disputar esse mercado interno, mesmo que de forma subordinada.

Apesar da indústria nacional requerer o desenvolvimento científico-tecnológico do país, com vistas ao seu desenvolvimento, a orientação política dominante no bojo do Estado brasileiro é para o consumo e a adaptação de tecnologias.

Portanto, a formação para o trabalho simples disseminada por meio dessa perspectiva adaptativa da ciência e tecnologia não buscou formar cientistas, o que converge com a atuação da burguesia brasileira em não assumir um protagonismo na produção do conhecimento científico novo. (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 63- 64)

Essa divisão do trabalho nos remete à distinção entre trabalho simples e trabalho complexo. Em ambos os casos, o trabalho varia de acordo com a sociedade na qual ele se realiza. Logo, varia conforme o desenvolvimento das forças produtivas de cada sociedade e cada momento histórico. O que diferencia trabalho simples de trabalho complexo é que o trabalho complexo corresponde ao trabalho simples pontencializado, sobretudo através da educação. Como tal,

Na dupla condição de trabalho concreto e de trabalho abstrato, o trabalho simples e o trabalho complexo no capitalismo vão se configurando incessantemente movidos

em boa parte pelas necessidades do constante aumento da produtividade do processo de trabalho e da força de trabalho e, simultaneamente, pelas estratégias de consolidação da hegemonia da classe burguesa na produção da vida que interferem no estágio de organização e nível de consciência política das classes sociais, bem como nas formas de expressão cultural (sentimentos, pensamentos e ação cotidiana). (FALLEIROS et al., 2015, p. 27)

Assim, é por meio da educação, através da formulação e da implementação de novas “estratégias político-pedagógicas para a qualificação técnica da força de trabalho” (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 42) que os organismos supranacionais buscam ampliar a acumulação do capital, ao mesmo tempo em que formam os trabalhadores para a acumulação flexível e para o consenso. Garantindo, também, a formação de um “exército industrial de reserva conformado às novas necessidades do mercado nacional” (MELO; SOUZA; MELO, 2015, p. 42) e internacional.