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3. Categorias & Conhecimento Semântico

3.3 Níveis de categorização e freqüência de ocorrência de protótipos

Um resquício deixado pela concepção tradicional de categorização, baseada em atributos semânticos dispostos de maneira hierárquica, são os três níveis de categorização chamados de nível subordinado, nível básico e nível superordenado. De acordo com McClelland & Rogers (2003), estes níveis ainda expressam a idéia quilliana bastante difundida de que nosso conhecimento semântico estaria organizado hierarquicamente e que o desenvolvimento conceptual partiria de categorias específicas (nível subordinado) para categorias gerais (nível superordenado).

É sabido, no entanto, que o desenvolvimento conceptual inicial de crianças não se dá nem do específico para o genérico nem do genérico para o específico, mas se incia a partir de palavras presentes em categorias do nível básico. Este seria possivelmente o nível de entrada para o desenvolvimento conceitual, possibilitando que, posteriormente, o desenvolvimento se dê do genérico para o específico. Parece haver um processo de diferenciação conceptual que segue este padrão de desenvolvimento taxonômico. De acordo com Taylor (2008) e McClelland & Rogers (2003), estudos em L1 indicam que são os exemplares localizados no nível básico de uma dada categoria que são os mais freqüentemente usados por crianças e adultos. Um exemplo fornecido em McClelland & Rogers (2003:317) refere-se ao fato de que, normalmente, para moradores de zonas urbanas, as palavras árvore, passarinho e cachorro são as primeiras a serem aprendidas, antes dos termos superordinados planta ou animal, ou dos termos

subordinados pinheiro, canário ou poodle. E isto parece ser uma verdadeira contradição, pois, como vimos acima, o desenvolvimento conceptual se dá do genérico para o específico. Outro fenômeno importante é a generalização a partir das palavras do nível básico: crianças tendem a chamar muitos animais (especialmente os de quatro patas) de au-au (ou simplesmente cachorro).

A explicação para isto, segundo Rosch (1978), McClelland & Rogers (2003), Rogers & McClelland (2004) vem do fato de que nosso sistema cognitivo explora representações que correspondem a blocos (bundles) de atributos que co-ocorrem no meio que nos cerca. Tais categorias básicas possuem propriedades estatísticas especiais pelo fato de que seus membros partilham muitas propriedades entre si e poucas com exemplares de categorias distintas, por isto são úteis. Murphy (2002) também destaca que estas categorias básicas otimizam os apectos informativo e distintivo que expressam, ou seja, não são tão genéricas a ponto de não serem informativas nem são tão específicas a ponto de não serem eficazes em relação ao aspecto distintivo, pois possuem poucas características distintivas. Rogers & McClelland (2004:16-17) dão o exemplo de poltronas: elas possuem muitas propriedades em comum umas com as outras, mas a maioria destas características é partilhada também com outros tipos de cadeira. Por isto, objetos numa mesma categoria básica tendem a partilhar muitas propriedades uns com os outros, e poucas com exemplares de outras categorias, fazendo com que tais categorias básicas sejam consideradas mais úteis em termos comunicativos.

Para Taylor (2008:49), os conceitos de protótipo e de nível básico são interdependentes, ou seja, o primeiro relaciona-se com a organização horizontal das categorias, ao passo que o último remete à organização vertical destas em taxonomias.

McClelland & Rogers (2003) e Rogers & McClelland (2004) destacam que uma característica importante dos exemplares considerados prototípicos em uma dada categoria é o seu alto grau de freqüência de ocorrência na categoria. É a partir deste protótipo que outros membros da mesma categoria vão sendo incorporados. Os protótipos abrem o caminho para que ocorra, gradualmente, uma co-variação coerente entre os outros membros que farão parte ou não de uma dada categoria. A co-variação coerente é explicada da seguinte forma em McClelland & Rogers (2003)

Uma co-ocorrência consistente de um conjunto de propriedades entre diferentes objetos. O conceito é diferente de uma correlação simples na medida em que ele geralmente se refere à co-ocorrência de mais de duas propriedades. Por exemplo, ter asas, ter penas, ter ossos pneumáticos e ser capaz de voar co-ocorrem todos consistentemente em pássaros (p.318)44

McClelland & Rogers (2003) e Rogers & McClelland (2004) propõem ainda uma explicação conexionista, mecânica, para os processos de categorização e diferenciação que subjazem nosso desenvolvimento conceptual (ou seja, do geral para o específico, e incialmente centrado em protótipos de alta freqüência). A proposta incorpora as contribuições de Rosch e busca eliminar resquícios ainda presentes da concepção clássica de categorização (i.e., hierarquizada e ainda rígida). Não há espaço aqui para discutir a proposta dos autores, mas a argumentação baseia-se nos pressupostos conexionistas básicos discutidos no capítulo anterior, ou seja, representações emergentes e distribuídas, que se constituem, em última instância, em configurações ou padrões específicos de ativação em redes reguladas por princípios hebbianos (i.e., redes neurais, cujo processamento simples entre suas unidades vai, de maneira gradual, constante e probabilística, ajustando o peso entre suas conexões em conseqüência de sua experiência com o meio). Segundo Clark (1993), os princípios de categorização propostos por Rosch são, em essência, um mecanismo de detecção de padrões, carecterística principal dos próprios modelos conexionistas discutidos no capítulo anterior. Também, a concepção de léxico mental de Elman (2004) discutida no capítulo seguinte é um excelente exemplo da proposta conexionista sobre a natureza dos processos de categorização e desenvolvimento conceptual aqui discutidos.

Finalmente, uma discussão mais aprofundada sobre conceitos e teorias de categorização foge ao escopo desta tese. Sobre o assunto, o leitor encontrará em Murphy (2002) e Rogers & McClelland (2004) dois livros dedicados exclusivamente ao tema45.

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Minha traduçao de: Consistent co-occurence of a set of properties across different objects. The concept

is distinct from simple correlation in that it generally refers to the co-occurrence of more than two properties. For example, having wings, having feathers, having hollow bones and being able to fly all consistently co-occur in birds.

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O que nos interessa a partir deste ponto é estabelecer uma relação direta entre a teorização de Rosch e a discussão feita nos capítulos vindouros.