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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

3.1. Números da Deficiência no Brasil e na Educação

A deficiência não é um atributo da pessoa, mas de um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas pelo meio ambiente social. Conseqüentemente, a solução do problema requer ação social e é de responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações necessárias para a participação plena das pessoas com deficiências em todas as áreas da vida social. A questão é, pois, atitudinal ou ideológica quanto às mudanças sociais, enquanto que no nível político é uma questão de direitos humanos (WHO, ICIDH-216 apud DISCHINGER, 2006, p.15).

Dentro da realidade brasileira existe um grande número de pessoas excluídas que enfrentam diariamente barreiras que dificultam a inclusão (BUENO, 2004; MENDONÇA, 2004; DISCHINGER, 2006). Dentro desse vasto grupo existem as pessoas que apresentam algum tipo de limitação ou deficiência (sensorial, físico- motora, múltiplas, cognitiva e/ou de comunicação) e fazem parte do foco do trabalho.

De acordo com Werneck (2000), a Terra tem cerca de 600 milhões de indivíduos com deficiências, sendo que aproximadamente 80% deles vivem em países em desenvolvimento como o Brasil. Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que 98% desses indivíduos são totalmente negligenciados e que, provavelmente, um terço deles seja de crianças.

Conforme dados do Censo Demográfico de 2000, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2002, aproximadamente 14,5%, mais precisamente, 24.537.984 de pessoas da população brasileira, apresentam algum tipo de deficiência, por conseqüência, sofrem de restrições para realizar suas

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WHO (World Health Organization); ICIDH-2 (International Classifications of Impairments, Activities

atividades. O percentual apresentado pelos dados do Censo de 2000 no Brasil apresenta, conforme Dischinger (2006), um índice superior aos 10% estimado pela OMS para os países em vias de desenvolvimento.

Silva (2004) apresenta um quadro onde aponta as cinco principais deficiências pesquisadas pelo Censo de 2000 e sua relação percentual com os dados estimados pela OMS para países em desenvolvimento. Pelo quadro apresentado pode-se notar que as estimativas e a realidade são compatíveis se orientadas pelo Código Internacional de Funcionalidade (CFI) que estariam entre 12 e 15%.

Salienta-se que os dados da OMS e do IBGE (Censo 2000) listados no Quadro 1 foram obtidos e reestruturados por Silva (2004) na intenção de retratar a realidade brasileira frente a configuração geral dos diferentes tipos de deficiências pesquisadas sem especificar o grau de alcance da restrição apresentada. Por exemplo, dentro do grupo deficiência visual encontram-se pessoas que apresentam perda parcial ou total da visão, como demonstrado no Quadro 1, representando um grande percentual dentro da população brasileira (6,97%), seguido pela motora (3,32%) e pela auditiva (2,42%).

Quando se compara o percentual obtido pelo Censo 2000 e a estimativa levantada pela OMS nota-se diferenças significativas, não apenas no que se refere a totalidade, mas principalmente, as estimativas referentes a cada tipo de deficiência separadamente.

Quadro 1: Deficiência no Brasil

Tipo de deficiência

Estimativa em relação à população com deficiência nos

países em desenvolvimento (Dados da OMS) Percentagem em relação à população brasileira (Dados do IBGE) Número de habitantes com deficiência no Brasil Percentagem em relação à população com deficiência brasileira Mental 5% 1,24% 2,09 milhões 8,3% Física 2% 0,59% 0,99 milhões 4,1% Auditiva 1,5% 2,42% 4,08 milhões 16,7% Visual 0,5% 6,97% 11,77 milhões 48,1% Motora - 3,32% 5,6 milhões 22,8% Múltipla 1% - - - Total 10% 14,5% 24,5 milhões 100% Fonte: Silva (2004, p.40).

Conforme Bevilacqua (2004), dos 24,5 milhões de pessoas apontadas pelo Censo Populacional de 2000 como apresentando algum tipo de deficiência, cerca de 70% não saem de casa por problemas socioeconômicos, ou por falta de

informações. Deste total, 15,14 milhões (MENDONÇA, 2004) têm idade e condições de integrarem o mercado formal de trabalho, desde que proporcionadas as necessárias condições de acessibilidade. Já Bueno (2004) coloca que as estatísticas oficiais em nosso país apontam que menos de 20% da população surda recebe algum tipo de atendimento.

No Brasil apenas 3% das pessoas com deficiências, dentro da faixa de 14 a 60 anos, são atendidas pelos serviços formais de educação, de saúde e de reabilitação. Aproximadamente 35% da população com deficiência são crianças, sendo que estas se encontram quase 100% fora da porcentagem de atendidos (SASSAKI, 2001). Dos que estão sendo atendidos nem todos vão para o mercado de trabalho devido a uma série de barreiras e de falhas existentes dentro dos sistemas tradicionais de educação, de saúde e de reabilitação. Frente a esta realidade, a necessidade de inclusão torna-se mais acentuada. Mesmo sabendo-se que quando se começa a falar de percentagem divide-se as pessoas em categorias, esses dados são necessários, principalmente para justificar políticas públicas e ações de melhoria para a vida destes grupos excluídos.

Conforme a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pesquisa realizada pelo Centro de Políticas Sociais (CPS) do IBRE/FGV17 (CPS/FGV, 2003, p.23/24) afirma que:

A participação dos alunos por tipo de deficiência praticamente não se alterou entre 1999 a 2001. A variação de matrículas de alunos com deficiência visual caiu 8,23% entre 1999 e 2001; enquanto que para os portadores de condutas típicas cresceu 26,14%. O decréscimo mais acentuado foi com superdotados, que sofreu reduções na taxa de matrícula na ordem de 19,87%.

A partir da alfabetização a participação das PPDs18 no total das matrículas vai decrescendo, pois dentre os matriculados na alfabetização no ano 2001, cerca de 4,4% eram PPDs, enquanto que esse número decresce significativamente para o ensino fundamental (0,6%) e ensino médio (0%). Tal resultado acaba refletindo as dificuldades que as PPDs têm em ampliar seu grau de instrução. Por outro lado, é razoável a participação das PPDs na educação de jovens e adultos (supletivo), o que sugere que anos após a fase regular de idade na inserção educacional, as PPDs tendem a procurar e sentir necessidade de aprendizado.

Os Quadros 2 e 3 demonstram um pouco da realidade descrita nas citações acima, mas de forma mais detalhada. Tais quadros colocam a situação dos alunos com deficiência em relação a população geral e demonstram que sua participação é

17 IBRE/FGV – Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. 18 PPD – Pessoa Portadora de Deficiência.

muito baixa quando comparada ao restante da população, mesmo atestando-se que esta também enfrenta problemas, em alguns aspectos, semelhantes aos alunos com deficiência. Como pode ser visto, a taxa de não participação e de abandono é muito mais alta para as pessoas com algum tipo de limitação física ou sensorial, além de comprovar que o tempo que os alunos com restrições permanecem na escola é muito curto.

Como se pode verificar em relação ao Quadro 2 (CPS/FGV, 2003, p.4):

A escolaridade média das pessoas com deficiência é um ano menor que do grupo de pessoas sem deficiência. As taxas daqueles que nunca freqüentaram escola são de 16,3%, 21,6% e 33,7% para a população geral, para o subgrupo de pessoas com deficiência e pessoas com percepção de incapacidade (PPI19s), respectivamente.

Quadro 2: Distribuição (%) de Freqüência na Rede de Ensino Pública e Particular entre População com e sem Deficiência.

População Freqüenta a Rede Particular Freqüenta a Rede Pública Não freqüenta, mas já freqüentou Nunca freqüentou Total 100 5,94 25,57 52,13 16,36 PPD NPPD 100 6,63 27,99 49,91 15,47 PPD 100 1,86 11,21 65,32 21,62 PPI NPPI 100 6,03 25,91 52,18 15,92 PPI 100 2,2 11,91 52,18 33,70

Fonte: CPS/FGV (2003, p.43) a partir do Censo 2000/IBGE.

Quadro 3: Informações Sobre Algumas Questões Sociais da População com e sem Deficiência.

População Sem Escola %20 Crianças e Adolescentes %21 Total 169.872.856 24,92 31,7 NPPD 145.272.599 24,51 35,42 PPD 24.600.256 27,34 9,7 PPI 4.267.930 42,26 17,09

Fonte: CPS/FGV (2003, p.14) a partir dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE.

No Quadro 4 apresentam-se os números levantados pelo Censo de 2000 relativos à escolaridade dos alunos com e sem restrições mostrando nitidamente as diferenças existentes entre o grau de escolaridade desses grupos. Nota-se que aumentando o grau da restrição aumenta-se a diferença na distribuição da escolaridade, assim como quando se analisa o avanço no nível acadêmico. A

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PPI – representam as pessoas com incapacidade de ouvir, de andar ou de enxergar, com deficiência física ou mental (CPS/FGV, 2003).

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Refere-se às pessoas com escolaridade inferior a 1 ano. 21

alfabetização adulta, como pode ser visto no Quadro 4, é um dos elementos que demonstra a disparidade da crença na incapacidade e a necessidade real de alfabetização das pessoas com deficiência.

Na análise realizada pela CPS coloca-se em relação ao Quadro 4 que (CPS/FGV, 2003, p.4):

Pessoas com deficiência e aquelas com percepção de incapacidade concluem com menor freqüência as séries com idade hábil, e interrompem o processo educacional, especialmente na fase de alfabetização. Um reflexo é a maior taxa de matrícula em alfabetização de adultos, uma vez que cerca de 31,8% e 10,7% do total das matrículas nesse nível são de pessoas com deficiência e pessoas com percepção de incapacidade, respectivamente.

Quadro 4: Distribuição (%) de Escolaridade entre PPDs, não PPDs, PPIs e não PPIs.

Total NPPD PPD NPPI PPI

População que freqüenta creche ou escola 100 94 5.99 98.8 1.11

Ensino Seriado

Creche 100 98.2 1.79 99 0.91

Pré-escolar 100 97.4 2.59 99 0.96

Classe de alfabetização 100 95.3 4.67 98.4 1.57

Ensino fundamental ou primeiro grau - regular seriado

100 95.6 4.33 99.1 0.87

Ensino médio ou segundo grau - regular seriado 100 95.4 4.57 99.4 0.58

Pré-vestibular 100 94.8 5.12 99.3 0.64

Superior - graduação 100 94.7 5.29 99.3 0.66

Superior - mestrado ou doutorado 100 92.8 7.15 99.2 0.71

Ensino Não - Seriado

Alfabetização de adultos 100 68.1 31.8 89.2 10.7

Ensino fundamental ou primeiro grau - regular não seriado

100 90.2 9.78 95.2 4.77

Ensino médio ou segundo grau - regular não seriado 100 93.4 6.6 99 0.98

Supletivo

Supletivo (ensino fundamental ou primeiro grau) 100 88.5 11.4 97 2.98 Supletivo (ensino médio ou segundo grau) 100 92 7.91 98.8 1.12 Fonte: CPS/FGV (2003, p.44) a partir dos microdados do Censo 2000/IBGE.

O Quadro 4 enfatiza a necessidade de educação para as pessoas com deficiência, demonstrando tanto o baixo índice de freqüência destes desde a fase escolar primaria até a educação superior. Por outro lado, quando se considera a educação de adultos, esses números aumentam significativamente, além de retratarem o atraso nos estudos desse grupo. Tais dados tornam bem clara a realidade das pessoas com deficiência, que ao depararem com o mercado de trabalho, são obrigados a freqüentarem supletivos e/ou outro tipo de educação não seriada como demonstrado nas últimas cinco linhas do quadro. Se estas pessoas encontram condições de aprendizado quando adultas, certamente teriam tido condições de aprenderem quando crianças.

Pode-se acrescentar também, conforme o apresentado pelo Censo Demográfico realizado em 2000, que entre as crianças e os adolescentes brasileiros de 0 a 17 anos, cerca de 2,9 milhões têm alguma deficiência. Pelas estatísticas da Secretaria de Educação Especial do país, contudo, apenas 448.601 têm acesso à educação em creches, pré-escolas, ensino fundamental e médio da rede pública e ensino particular (CLARO, 2003).

Entre os jovens com 15 anos ou mais, com pelo menos um tipo de deficiência, ainda segundo dados do IBGE, 32,9% têm no máximo dois anos de escolaridade. Os outros índices relacionados a essa faixa etária demonstram que 16,7% têm entre 4 e 7 anos de estudo; 10,7%, entre 8 e 10 anos de escolaridade; 10%, entre 11 e 14 anos e 10,2% têm 16 anos ou mais. Esses dados indicam que praticamente um terço da população com deficiência em idade de entrar no mercado de trabalho tem no máximo dois anos de estudo, um quadro que precisará ser revertido para que as pessoas com deficiência possam incluir-se efetivamente à sociedade, ocupando os cargos reservados para elas por lei nas empresas (CLARO, 2003).

De acordo com Kasper (2007), o percentual de crianças brasileiras com deficiência na faixa etária entre 0 e 14 anos é de 4,3%, aproximadamente 7,3 milhões de crianças, sendo que a Região Sul do Brasil apresenta um percentual de 3,7% de crianças nesta faixa etária dentro de seu percentual de pessoas com deficiência, ou seja, 14,3% sobre sua população total. No Brasil, o Censo de 2000 aponta que o percentual de crianças entre 7 a 14 anos fora da escola é de 5,5%, sendo que este índice sobe para 11,4% se forem consideradas somente as crianças com deficiência.

Se forem analisados os dados do Censo Escolar elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 640.317 alunos com deficiência encontravam-se matriculados no sistema de ensino brasileiro no ano de 2005. Ao longo dos anos de 1988 a 2005, o Censo Escolar do INEP tem demonstrado uma tendência na queda de matriculas nas escolas especiais e um aumento na rede de escolas regulares, sendo que as escolas públicas brasileiras já concentram 60% dos alunos com deficiência (SEESP, 2006 apud KASPER, 2007).

O município de Florianópolis, estado de Santa Catarina, atendeu 227 crianças e adolescentes com deficiência em sua rede de ensino regular no ano de 2006, conforme dados da Secretaria Municipal de Educação (SME). Como demonstrado no Quadro 5, o município de Florianópolis recebeu um total de 302 alunos com

deficiência, sendo a grande maioria no Ensino Fundamental (227), seguido pela Educação Infantil com 75 alunos e o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), no qual não houve a presença de nenhum aluno com deficiência. Analisando os dados do Ensino Fundamental nota-se que a área motora e a área mental correspondem às áreas de maior concentração, seguidas pela auditiva e a visual, respectivamente.

Quadro 5: Números de Alunos com Deficiência na Rede de Ensino Regular do Município de Florianópolis no Ano de 2006.

Nível de Ensino Área

Visual Área Auditiva Área Mental Área Motora

Múltiplas Síndromes TID22 Outros Total

Educação Infantil 11 13 10 24 4 4 1 8 75

Ensino Fundamental 25 34 53 58 19 13 5 20 227

EJA 0 0 0 0 0 0 0 0 0

TOTAL 36 47 63 82 23 17 6 28 302

Fonte: SME de Florianópolis (2006), adaptado pela Autora.

Considerando que estes dados referem-se apenas ao ensino municipal, pode- se concluir que quando se analisa os dados das escolas estaduais e das escolas particulares da grande Florianópolis estes números crescem consideravelmente, de acordo com a SME (2006). Conforme os dados apresentados tem-se a área motora com 27,33% dos casos atendidos, seguidos pela área mental com 20,33%, a área auditiva com 15,66%, a área visual com 12%, outros tipos com 9,33%, as deficiências múltiplas apresentando um índice de 7,66%, as síndromes com 5,66% e a TID com 2% dos casos, como se pode perceber no Quadro 5.

O INEP, em relação ao ano de 2006, coloca que em Santa Catarina 7602 alunos encontram-se incluídos no Ensino Fundamental, sendo 2275 no serviço estadual, 4983 no municipal e 344 na rede privada, contra um total de 7834 alunos com deficiência inscritos na Educação Especial (INEP, 2006). Florianópolis, de acordo com o Censo do INEP (2006), tem 347 alunos com deficiência incluídos no Ensino Fundamental, dado este diferente do divulgado pela SME (2006). Destes 347 alunos, 79 encontram-se na rede estadual, 194 na municipal e 74 na rede privada, contra 107 alunos da Educação Especial (privada), o que demonstra o grau de inclusão no Ensino Fundamental, principalmente na rede municipal de ensino (INEP, 2006).

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TID – Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. Compreende um amplo conjunto de distúrbios, abrangendo a todo o espectro do autismo, transtornos desintegrativos (processos de regressão que ocorrem entre os 2 aos 10 anos até a criança se tornar autista), Síndrome de Asperger e de Rett. De 10 a 20% das crianças com TID apresentam epilepsia clínica ou subclínica (VALENTE, 2004).

Todos os números relacionados anteriormente reforçam a necessidade do ensino de qualidade para crianças com deficiências. Destaca-se o fato desse fracasso e dessa evasão escolar estarem diretamente ligados ao despreparo das escolas em receber e atender estas crianças. Essa realidade pode ser modificada se as escolas forem preparadas para lidar com as diferenças, respeitá-las e ultrapassá- las, fazendo delas parte de suas rotinas, sem privilegiar um ou outro aluno. Oferecer ensino básico de qualidade para todos, com ou sem deficiências, significa melhorar a qualificação e dar condições de tais crianças, quando adultas, competirem no mercado de trabalho.