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Em nosso grupo temos a oportunidade de sintetizar NPs bimetálicas (BNP: Bimetallic Nanoparticles) com controle em composição e tamanho, na fonte de agregados metálicos desenvolvida pelo Prof. Varlei Rodrigues [46]. A fonte cria clusters metálicos a partir da expansão adiabática de um gás de átomos metálicos, um esquemático da máquina é exposto na Fig. 2.16a. A formação do gás ocorre a partir da evaporação de um metal por um “magnetron sputtering”, onde os átomos são ejetados da superfície do metal após colidirem com átomos de argônio. O valor e a distribuição em diâmetro dos clusters é controlada com uma óptica iônica que altera a trajetória de clusters carregados. É possível observar o espectro de diâmetros dos cluster produzidos enquanto ocorre a síntese com um espectrômetro de massa por tempo de voo, como pode ser observado na Fig. 2.16b (ver [46] para mais detalhes). O porta amostra utilizado permite a deposição diretamente em grades de microscopia eletrônica para simplificar a análise das nanopartículas. É importante destacar que a caracterização da estrutura cristalina das NPs produzidas com XRPD (ou técnicas de raios X em geral como EXAFS, XANES, etc.) é limitada devido à dificuldade de produzir amostras com a massa mínima necessária.

Figura 2.16: a) Esquemático da fonte de agregados, da esquerda para direita: Magnetron sputtering (produção dos clusters), Óptica iônica e Espectrômetro de massa por tempo de voo (controle de tamanho), Porta Amostras (deposição). Imagem adaptada de [47]. Imagem de microscopia eletrônica de nanopartículas de Ag produzidas na fonte de clusters. Na parte inferior está a comparação entre a distribuição em tamanhos medida na imagem (barras) e durante a deposição (linha preta). Imagem gentilmente cedida por Moreira M.H.M .

As etapas do processo de formação das NPs são: (i) nucleação; (ii) crescimento dos núcleos a partir dos átomos do gás; (iii) agregação e coalescência de diversos cristais, como exposto na Fig. 2.17. É conhecido que as NPs resultantes podem não atingir o estágio final de coalescência tal que as NPs podem ter a estrutura cristalina deformada (Fig. 2.17 (5)) ou até mesmo aspecto amorfo [47]. Tratamentos térmicos são comumente utilizados para homogeneizar estruturas.

Figura 2.17: Processo de formação das NPs: (1) nucleação, (2) crescimento, (3) agregação de diversos cristais, (4) estágio inicial de coalescência, (5) a partícula no estágio final de coalescência é composta por diversos cristalitos. Figura adaptada de [47].

Nessa dissertação focamos no estudo de BNPs de AuAg; uma imagem de TEM das BNPs utilizada em nossos estudos está exposta na Fig 2.18. Diversos aglomerados podem ser observados devido uma alta densidade de BNPs depositadas no substrato. Tal escolha foi necessária para evitar que o alto ruído do detector bidimensional utilizado para medir os diagramas de difração (câmera CCD, Charge-Coupled Device) utilizado prejudicasse o desenvolvimento da metodologia apresentada nessa dissertação. No entanto, a alta densidade de NPs não influenciou os resultados obtidos, como será descrito no próximo capítulo.

Figura 2.18: Imagem de TEM da amostra de BNPs de Au0.70Ag0.30 utilizada em nossos estudos. Na parte inferior

está a distribuição em tamanho das NPs na imagem (barras em azul) e a distribuição em tamanhos pesada pelo volume (barras em vermelho). Experimentos de difração são sensíveis a todo o volume da estrutura tal que a distribuição pesada em volume é relevante em nossas análises.

2.5.1 Estrutura Cristalina de Nanopartículas de Au e Ag

O alto valor da razão superfície/volume das nanopartículas de AuAg influência na estrutura atômica e o formato desses pequenos cristais. A morfologia de uma nanopartícula é governada pela minimização da energia livre de superfície [48] e a forma de equilíbrio pode ser descrita pela construção de Wulff [49]. O fenômeno de facetamento ocorre devido as diferenças nas energias de superfície para cada família de planos cristalinos que podem estar expostos na superfície do cristal. Em metais nobres (Ag, Au), as facetas formadas por planos compactos possuem uma baixa energia superficial que permite a formação de pequenas distorções na estrutura interna da partícula (ex. maclas). Essas NPs são conhecidas como partículas multimacladas (MTPs).

Ligas de AuAg possuem alta miscibilidade (solução sólida em qualquer composição), devido à alta semelhança das estruturas (ambas fcc, parâmetros de rede quase idênticos: Au: 0.407 nm, Ag: 0.408 nm). Assim, esperamos que a estrutura cristalográfica das AuAg BNPs

tenha comportamento similar ao dos elementos puros. A forma monocristalina é o Cubo- Octaedro truncado nos planos (100) e (111) que conserva a estrutura fcc. NPs de Au e Ag apresentam comumente 2 variantes MTP: icosaedro e decaedro (Fig. 2.19). Icosaedros e decaedros são formados pela união de tetraedros com estrutura fcc distorcida, e são compostos por 20 e 5 tetraedros respectivamente.

Figura 2.19: Da esquerda para a direita: Cubo-Octaedro, Icosaedro e Decaedro. Figura adaptada de [50].

A construção de MTPs envolve a adição, camada a camada, de átomos a partir de um núcleo com uma geometria específica, tal processo implica no empacotamento compacto dos átomos da partícula [51,52]. Tetraedros com estrutura fcc formam MTPs com descontinuidades, como pode ser observado na Fig. 2.20a, para que tais descontinuidades não ocorram é necessário que os tetraedros se deformem como na Fig. 2.20b. As distorções garantem o empacotamento compacto, mas por consequência ocorre a mudança no grupo pontual da MTP. No icosaedro o grupo pontual é romboédrico (rho), no decaedro é ortorrômbico de corpo centrado (bco).

Figura 2.20: Continuidade estrutural para um decaedro orientado no seu eixo de simetria cinco. a) Tetraedros com estrutura fcc. b) Tetraedros com estrutura bco.

2.5.1.1 Decaedro

Na Fig. 2.21a está ilustrado um decaedro formado por tetraedros irregulares (AC=AD=BC=BD e AB=1.0515xAC). Para que não ocorram descontinuidades na estrutura é necessário que o eixo AB seja deformado em relação as outras arestas do tetraedro. No interior da célula unitária fcc, com parâmetro de rede a, é reproduzido um tetraedro (Fig. 2.21b). Caso o tetraedro A’B’C’D’ fosse regular, com lados a/√2, a estrutura fcc seria repetida, mas A’B’C’D’ deve ser similar a ABCD e as consequências da deformação podem ser vistas se levarmos em conta o ortoedro a’b’c’ na Fig 2.21b. Os átomos no eixo y se afastam e como consequência os átomos no eixo z se aproximam, mudando a célula unitária para um ortorrômbico de corpo centrado. As dimensões do bco serão a’=a/√2, b’=1.0515a’, c’=1.3764 a’. Embora o empacotamento compacto tenha sido preservado, o fator de empacotamento é modificado: para o fcc é 0,74048 e para o bco é 0.72360 [53].

Figura 2.21: a) Decaedro composto por tetraedros irregulares, por exemplo o ABCD em vermelho. b) Tetraedro A’B’C’D’ no interior de um fcc com parâmetro de rede a, também está exposto o romboedro de corpo centrado com arestas a’, b’ e c’. Caso A’B’= a/√2, célula unitária será o fcc, caso A’B’= 1.0515xAC, a célula unitária será ortorrômbica de corpo centrado. Figura adaptada de [53].

2.5.1.2 Icosaedro

MTPs icosaédricas são compostas por 20 tetraedros irregulares OABC com OA=OB=OC, AB=BC=AC=1.0515xOA (Fig. 2.22a). Podemos entender a mudança estrutural ao desenhar um romboedro dentro da célula fcc (Fig. 2.22b), ambas estruturas compartilham em sua origem o tetraedro OA’B’C’. Caso α = 60º a estrutura fcc é mantida (OA=AB=a/√2), mas para que OA’B’C’ seja similar a OABC é necessário que α = 63.53º. A distância entre

átomos na mesma face é preservada (OA = a/√2), mas a entre átomos em planos diferentes é modificada (AB=1.015 x OA). Devido a deformação, o grupo pontual torna-se romboédrico. O fator de empacotamento para o rho é 0.68818 [53].

Figura 2.22: a) Icosaedro composto de 20 tetraedros irregulares OABC, como o exposto em vermelho. b) Tetraedro OA’B’C’ (vermelho) e romboedro (azul) desenhados no interior do fcc. Caso α = 60º o grupo pontual é cúbico, α = 63.53º o grupo pontual é romboédrico. As dimensões do romboedro são OA = a/√2 e AB=1.015 OA. Figura adaptada de [53].