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Em todas as estruturas que testamos, a rPDF derivada da medida PED resultou em um resíduo menor que a SAED quando as medidas foram comparadas com simulações feitas com o modelo cinemático da difração eletrônica. Nossos resultados não demostraram uma mudança drástica como a observada na literatura recente (redução do resíduo ~ 20%) [3]; provavelmente, isso se deve a diferença no tamanho e homogeneidade estrutural das NPs analisadas (síntese química úmida). Nesta seção tentamos compreender as origens físicas das diferenças entre as medidas SAED e SAPED, e como isso gera a diminuição do resíduo observada.

A SAED de uma amostra de partículas corresponde a tradicional difração de raios X de pó. Numa medida de difração de pó há diversos cristais orientados aleatoriamente em relação ao feixe de elétrons incidente estático (ver Fig. 4.4b), a intensidade difratada total é dada pela Eq. 4.1 (𝑔 representa o modulo de um vetor no espaço recíproco):

𝐼 ó(𝑔) = 𝐼 ( 𝑔, 𝜃, 𝜙) 𝑑𝜃𝑑𝜙 (4.1)

Para um cristal estático e um feixe incidindo em todas as orientações possíveis, a intensidade total também será dada pela equação 4.1. Medidas PED são, em princípio, similares a esse caso, mas o feixe somente varre orientações (´,´) num cone de ângulo de abertura fixo (ver Fig. 4.4b). Como descrito no Cap 2.3, valor de abertura do cone é limitado por aberrações nas lentes a ângulos da ordem de graus (0.5-3 graus), também é importante considerar o cristal analisado a fim de evitar a superposição das zonas de Laue [4]. Para descrever a intensidade difratada total de uma medida PED a equação 4.1 deve ser modificada para limitar a posição do feixe ao cone de precessão (Eq. 4.2):

I (𝑔) = 𝐼 (𝑔, 𝜃 , 𝜙 )𝑑𝜃 𝑑𝜙 (4.2)

Figura 4.4. a) Orientação genérica de um cristal na direção determinada pelos ângulos (𝜃, 𝜙) em coordenadas esféricas. A difração de pó considera a média para todas as direções no ângulo solido total 4π. b) Na difração PED o feixe somente varre orientações (´,´) num cone de ângulo de abertura fixo.

Considerando as equações 4.1 e 4.2, uma medida PED combinada com um conjunto de cristais aleatoriamente orientados poderia ser descrita pela equação 4.3 (ver representação geométrica na Fig. 4.4):

𝐼(𝑔) = 𝑑𝜃𝑑𝜙 𝐼 (𝑔, 𝜃 − 𝜃 , 𝜙 − 𝜙 )𝑑𝜃 𝑑𝜙 (4.3)

Com a equação 4.3 podemos analisar a efetividade de uma medida PED no contexto da difração de pó. Imediatamente pode ser considerada uma equivalência entre as variáveis de integração (𝜃, 𝜙) e (𝜃 , 𝜙 ) e inverter a ordem das integrais. Assim é realizada primeiro a integral sob todas as possíveis orientações do cristal (𝜃, 𝜙), e após a da orientação do feixe em precessão (θ', ϕ'). Nesse caso, é realizada a média em todas as orientações do cristal (1ª integral), uma vez que todas as orientações possíveis já foram contempladas o padrão de pó já está formado, logo, PED (2ª integral) não possui efeito na intensidade final da difração de pó. No entanto, nos nossos resultados e nos apresentados em [3] é observado que os resíduos obtidos em rPDF são menores quando a difração de pó eletrônica (SAED) é combinada com PED.

A melhora observada pode ser explicada se optamos por uma visão mais realista do processo de formação de um eDP de anéis. De fato, os anéis são formados pela adição incoerente dos diagramas de difração de cada nanocristal individual. Ou seja, os anéis de difração não são gerados por um cristal que é orientado em todas as orientações, mas pela adição de muitos cristais em orientações diferentes (ver Figura 4.5) [5]. Dessa forma, a descrição da intensidade difratada para cada vetor 𝑔 se constrói pela simples somatória da contribuição de cada NP (índice n na Eq. 4.4)

𝐼 ó(𝑔) = 𝐼 (𝑔) (4.4)

Figura 4.5. Construção de um diagrama SAED de NP pela somatória incoerente da difração de cada NP (note a mudança do SAED ao ir incrementando o número de partículas aleatoriamente orientadas 1,8,50,100). Ao considerar um número grande de NPs os anéis parecem contínuos. Figura adaptada de [5].

Neste ponto, é importante enfatizar que a inversão das integrais considerada em nossa discussão precedente (o caso ideal), não pode ser realizada para descrever um experimento de SAED. Portanto, devemos considerar como é o diagrama de difração de cada NP; se esse diagrama possui picos cuja intensidade foi modificada por efeitos de espalhamento múltiplo (difração dinâmica), obviamente a intensidade dos anéis também será dinâmica. Como foi descrito na seção 2.2, os efeitos da difração dinâmica podem alterar padrões de difração de diferentes formas: (i) relação entre as intensidades dos picos de difração; (ii) distorções no formato dos picos (largura e posição); (iii) presença de reflexões proibidas cinematicamente (ou cujo fator de estrutura é nulo, 𝐹 = 0).

Nesse ponto a contribuição de utilizar PED fica clara, as intensidades num eDP de uma NP isolada 𝐼 apresentará valores mais próximos dos preditos pela teoria cinemática. Assim, o diagrama de anéis SAPED originado da soma das contribuições de NPs individuais será mais cinemático (Eq. 4.5) [6,7]. Portanto, nossos resultados são coerentes, deve ser esperada uma diminuição do resíduo se o modelo utilizado para avaliação é baseado na aproximação cinemática.

𝐼 ó (𝑔) = 𝐼 (𝑔) (4.5)

Reflexões proibidas também podem aumentar o resíduo obtido no caso de monocristais orientados num eixo de zona, condição que maximiza a intensidade dessas reflexões. É possível considerar que em um pó as contribuições de NPs bem orientadas é minoritária, mas nesse caso uma parte da intensidade difratada ainda é redistribuída para esses feixes proibidos. Em nossas medidas não há picos não esperados, descartando influências detectáveis de reflexões proibidas em nossos resultados. A presença de picos proibidos em amostras policristalinas já foi reportada, com sua intensidade diminuindo ao utilizar precessão, portanto sua influência não deve ser descartada a priori [3]. Provavelmente a integração (média) angular fornecida pelo cone de precessão diminui estatisticamente o peso de diagramas de NP em perfeita orientação em eixo de zona.

A figura 4.6 apresenta uma comparação dos diagramas de difração SAED com e sem a utilização de PED. Uma análise rápida permite deduzir não há diferença significativa nas intensidades dos picos de difração, mas as posições diferem consideravelmente. Para explicar

a movimentação relativa dos picos, a primeira opção seria pensar que ocorreram erros no procedimento de calibração dos valores de 𝑄. Realizamos um controle cuidadoso da calibração e verificamos que as diferenças eram reais. Alguns cuidados foram tomados durante a calibração: (i) a posição dos picos (em pixel) é determinada durante a correção das distorções dos anéis, onde a posição sem distorção é otimizada, como descrito no apêndice A; (ii) somente são utilizados picos que sejam reconhecíveis (sem sobreposição agressiva). As diferenças nas posições dos picos ao comparar SAED e SAPED também foi observada por outros grupos [3], assim como distorções e deslocamentos foram previstos por simulações da difração de pó eletrônicas completamente dinâmicas em NPs de Au e Ag [8]. Pontos de difração também podem ser deslocados e deformados devido a erros de excitação [9], originados da pequena espessura da NP. Estudos baseados em simulações já indicam que PED reduz a manifestação de tais desvios [10].

Na difração PED as intensidades difratadas são derivadas da integração de um volume da esfera de Ewald [11]. Isso gera as intensidades quase-cinemáticas e mais picos visíveis nos diagramas de difração eletrônica. Como efeito há o aumento no número de pontos de difração em alto 𝑄, medir feixes difratados associado a grandes vetores 𝒈 (ou pequenas distancias interplanares) aumenta a precisão da caracterização cristalográfica. Devemos naturalmente nos perguntar se este fenômeno pode também vir a reduzir os resíduos nos estudos de rPDF+PED. Comparando as medidas SAED e SAPED em alto 𝑄 (Fig. 4.6c), não é possível verificar diferenças significativas ou o aumento das intensidades SAPED em relação a SAED.

Resumindo, nossos resultados sugerem que o ganho de qualidade na rPDF+PED é devido as intensidades “quase-cinemáticas” de cada NP, gerada na difração de pó em modo PED. Essa melhoria pode ter sua origem na diminuição do peso estatístico de orientações em eixo de zona (que geram difração com fortes efeitos dinâmicos) no modo PED; também a integração derivada da precessão diminui efeitos de deformação de picos de difração dependentes do erro de excitação (pontos da rede reciproca podem ser bastante estendidos devido à pouca espessura das NPs).

Figura 4.6. Comparações entre a medida de SAED (linha vermelha) e SAPED(linha azul): a) Visualizando todo o intervalo de medida em 𝑄; b) Baixos valore de 𝑄 e c) Altos valore de 𝑄.