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Narrando o processo de ensino (e aprendizagem)

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4. TECENDO UMA NARRATIVA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM LÍNGUA INGLESA: MILLENNIALS

4.1 PENSAMENTOS EMERGENTES

4.1.2 Narrando o processo de ensino (e aprendizagem)

Dos quatro professores que cederam suas narrativas para a atual pesquisa, três tiveram contato com o ensino-aprendizagem de línguas por meio de cursos de inglês em escolas de línguas, nas quais foram alunos e posteriormente, convidados a se tornarem professores. Entretanto, um deles teve pouco contato com esse ambiente antes de tornar-se professor, o que pode ter impactado sua experiência inicial na docência de uma segunda língua. Dentre os demais, as metodologias de ensino-aprendizagem aplicadas pelas escolas de línguas nas quais aprenderam o idioma e iniciaram suas carreiras docentes são descritas como lineares, que incentivavam a constante repetição e o condicionamento tanto do profissional quanto do aluno, conforme descrito pelo Professor 2:

Existia treinamento e não talvez educação. Condicionamento, talvez. Não que tenha sido ruim, de forma alguma, me deram uma oportunidade muito interessante e eu sou eternamente grato por isso. Mas, é por isso, talvez pela falta de uma teoria, de uma busca ou estudo mais aprofundado que talvez no futuro eu iria pedir demissão da empresa (Professor 2 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica).

Tais metodologias mais tradicionais e lineares de ensino de línguas, que se baseiam em repetir e decorar estruturas são muito criticadas, entretanto, ainda hoje há diversos professores e escolas que trabalham com elas, tanto no ensino particular quanto em escolas de línguas. Esse fato não se resume apenas às gerações mais velhas, pois pode-se perceber o Professor 4 como contraponto das opiniões apresentadas pelos professores 1, 2 e 3 quando pensamos na forma como seu aprendizado da língua influenciou em suas práticas como docente. Ele explica que:

Professor 4: É... eu comecei a estudar bem pequeno, na ****, quando eu tinha 8 anos

Pesquisadora: Nossa, bem pequenininho mesmo

Professor 4: Bem pequenininho mesmo... Eu fazia o Kids, né da época, é... E na **** sempre foi o método de né, repetição, que é horrível, mas eu acho ótimo ao mesmo tempo.

Pesquisadora: Cada um gosta pra um método diferente, né?

Professor 4: Eu acho horrível porque é cansativo, mas eu acho que funciona. É... então desde meus 8 anos eu fiquei na **** por, 7 anos e meio acho, fiquei dos 8 aos 15...

(Professor 4 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

O Professor 4 parece nadar contra a maré do pensamento no ensino, ao admitir que não necessariamente gosta da metodologia adotada pela escola, entretanto, para ele, tal metodologia é cômoda tanto para alunos quanto para professores.

Professor 4: Eu gosto mais da ****, muito “aluninho ****, gosta da ****”. E eu acho também... E eu acho assim, para o professor, é muito mais fácil ensinar numa escola ****, né, numa escola tipo a ****, que seja tudo “regradinho”, do que numa escola que tenha essa abrangência toda, que o professor tem que pensar mais na aula. Por hoje a gente chega vê se a gente não sabe alguma coisa de vocabulário e de gramática, e dá a aula e da outra ponta pra você dar...[...] É mais fácil, mais cômodo, porque você não tem que preparar uma aula de verdade, a aula tá lá feita, você só chega lá, lê o grammar né? E pensa em alguma atividade pra você fazer, uma brincadeira e é isso que você faz.[...]

Pesquisadora: E você acha que isso foi ruim em algum momento pra você? Pensando que hoje em dia você é um professor de línguas. Professor 4: Então, eu acho que como atualmente eu dou aula na ****, isso não faz diferença. Mas eu me sinto um pouco ruim porque você nunca sabe do que se trata. Você nunca sabe a diferença de um have been e have done, você só sabe pelo uso, mas não sabe claramente isso. E isso são coisas que o treinamento da **** pede que a gente explique e a gente não teve um embasamento na **** pra saber qual a diferença das gramáticas de verdade. Eu acho que é bom por um lado, mas tem seus contras. (Professor 4 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

A mesma metodologia que incentiva o comodismo do professor também foi evidenciada pelo Professor 4 em outra de suas narrativas, explicitando como tais processos também são replicados nas aulas por meio de tablets de forma a facilitar a função do professor que não precisaria mais repetir as estruturas aos alunos, já que elas estariam todas disponível na tela, diminuindo ainda mais a interação necessária ao processo de ensino-aprendizagem. Não se pode negar a competência de tais metodologias que foram responsáveis pela formação de grande parte dos professores dessa pesquisa e, dessa forma, jamais teriam alcançado tamanho sucesso se estas não fossem eficientes para o ensino-

aprendizagem. Entretanto, as narrativas dos demais professores apontam que essa mentalidade foi aos poucos desconstruída por eles, como para a Professora 1:

Professora 1: No começo, por alguns anos eu via aquela metodologia como “Nossa, a mais certinha, que dá mais resultado” e ao longo do tempo a gente vai percebendo que tem várias maneiras da pessoa entender. Pode ser de vários métodos...

Pesquisadora: Vai quebrando o estereótipo de que só existe uma metodologia.

Professora 1: Isso, tem vários métodos dentro dele, uma mescla de atividades e abordagens. Eu acho que você começa a questionar algumas coisas. (Professora 1 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

A Professora 1 admite já ter um dia pensando de forma similar ao Professor 4, mas tais estereótipos passaram a ser questionados a partir das experiências da professora. Ao analisarmos o perfil do Professor 4 podemos perceber que ele é o mais jovem dentre os professores participantes da pesquisa, o que abre margem para que seu pensamento ainda passe por diversas transformações.

Os professores participantes da pesquisa também descreveram como suas experiências com a aprendizagem da língua influenciaram, em muitos momentos, em suas práticas pedagógicas atuais, levando aos poucos seu pensamento sobre o ensino-aprendizagem a se modificar.

Professora 1: Então, com alguns alunos eu uso livro e vou modificando algumas coisas. Porque desde a época que eu estava na escola eu ficava pensando “Deixa eu dar uma mudadinha aqui”.

Pesquisadora: Você vê que a atividade não está dando certo e modifica pra ficar mais compatível com os alunos?

Professora 1: Isso, por exemplo, isso da repetição, eram muitas repetições toda aula, e não dava tempo, aí chega na segunda repetição o aluno estava cansado. Então a gente dava uma certa...

Pesquisadora: Burlada no sistema?

Professora 1: Burlada no sistema, muito bem. Aí eu inseria umas atividades que não necessariamente estavam “proibidas” assim. (Professora 1 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

Retoma-se aqui o princípio recursivo, na forma como esses professores foram educados e a partir de suas experiências de vida refletem sobre maneiras de melhorar a educação. Tais professores são autores da educação de novos alunos e, consequentemente, também poderão ser responsáveis pelo

nascimento de novos profissionais da área que sejam capazes de também pensar o ensino de línguas de forma inovadora.

Para três desses professores, a busca pelo estudo mais aprofundado do ensino de línguas os levou a questionar as metodologias com as quais trabalhavam e validou sentimentos e práticas que já aconteciam secretamente em suas salas de aula, como para o Professor 2:

Professor 2: Yes, sim, com certeza. Ai quando veio o final de 2015 eu já queria fazer alguma coisa, formalmente pra me certificar ou estudar inglês formalmente. Aí eu procurei o CELTA, que é um curso que eu acredito que é interessante pra todo mundo que quer se desenvolver na área de ensino. E foi um divisor de águas pra mim por me apresentar formalmente técnicas e teorias que pautavam as vezes coisas que eu já fazia e coisas que eu comecei a fazer em sala de aula.

Pesquisadora: Aquelas ideias que você tinha, você foi vendo que não era só da sua cabeça, mas existia uma teoria por trás daquilo.

Professor 2: Sim, e isso me confortou de certo modo e me motivou a trabalhar com a educação. Mas não nesse momento com uma metodologia com a qual eu estava trabalhando já há 6 anos. A gente evolui e percebe que há muito mais possibilidades na sala de aula do que só o que a gente fazia e conhecia até então. (Professor 2 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica).

O estudo e a mudança de pensamento levaram esses três professores ao caminho das aulas particulares, nas quais teriam mais liberdade para experimentar com seus alunos, sem os medos e as barreiras impostas pelas escolas nas quais lecionavam anteriormente, como cita a Professora 1:

É, estamos em um processo. Eu estudei 4 anos só como aluna e depois mais 10 anos como professora estudando. Mas eu não tinha muito contato até mais ou menos na época da Pós eu não tinha muito contato com outras metodologias, só de ouvir falar uma coisa ou outra de outras escolas de idioma. Depois da Pós que eu comecei a me preocupar mais em estudar um pouco de teoria. Nesse ponto, além de tudo que a gente aprendeu na Pós, a pensar em outros caminhos, porque eu só trabalhei em uma escola e aí agora eu tô dando aula particular e fica aquela coisa, “Mas, o que que eu faço agora?” Eu uso uma coisa que eu já conhecia e misturo com algo novo.

(Professora 1, Conversa Hermenêutica)

Tais professores não descartaram aquilo que já sabiam, porém, passaram a pensar em novas formas de aplicação desses conteúdos à luz daquilo que haviam descoberto sobre as necessidades de seus alunos. Inicialmente, muitos deles se sentiram confusos ao desbravar o mundo das aulas particulares,

entretanto, as necessidades dos alunos se tornaram o guia de professores como o Professor 2:

Pesquisadora: E como era a dinâmica dessas aulas particulares? Era parecido com o da **** ? Diferente?

Professor 2: Era uma prática muito mais intuitiva e desenfreada, digamos, ou não guiada, as minhas decisões em sala de aula eram pautadas por talvez, pelo que os alunos me falavam que precisavam, que queriam ou o que eu achava que eles gostariam de falar. (Professor 2 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

O Professor 3 também aponta que as necessidades dos alunos foram aos poucos se tornando uma questão chave no preparo de seus materiais para aulas particulares:

E quando você tem essa questão do particular, o particular é feito pro aluno, é uma coisa mais voltada pro aluno, então você tem uma liberdade muito maior. Na questão de você estar olhando pro aluno, vendo a dificuldade do aluno e tendo a liberdade de criar um material que vai resolver esse problema pra ele. [...] (Professor 3, Conversa Hermenêutica)

Para muitos deles, como para o Professor 2, as aulas particulares parecem proporcionar maior liberdade, pois eles poderiam oferecer a esses alunos em sala aquilo que cada um deles havia buscado individualmente com jogos, músicas e filmes.

E nas minhas aulas online geralmente é assim mesmo. Se a gente pensar que no nosso dia a dia a gente está falando sobre o nosso dia e contando, desabafando, sugerindo. A partir do momento que isso é trabalhado na língua, é significativo para o aluno. E também, obviamente as aspirações deles. Se o aluno quer fazer um intercâmbio, se o aluno quer melhorar as oportunidades de trabalho, se o aluno quer estudar inglês pra ver Netflix sem legenda, eu também levo em consideração. Para que você quer fazer inglês ou você quer estudar inglês? (Professor 2, Conversa Hermenêutica).

A liberdade de criar suas aulas e materiais levou tais professores a desbravarem o mundo das redes, cada um a seu modo. Os professores 2 e 3 ampliaram os horizontes de suas salas, permitindo que os alunos pudessem interagir presencialmente ou online e também passando a adentrar a área de formação de outros educadores, como narra o Professor 3:

Professor 3: E essa sala de aula pode ser tanto presencial quanto online?

Pesquisadora: Isso! Na verdade, a aula em si é dividida nos dois. Ela é dividida... metade da aula é na parte online, o estudo do aluno e a parte presencial ou online, que depende muito da logística, depende muito mais da logística do que de qualquer outra coisa.

Por que eu coloco essa parte do online? Os professores são livres pra buscar novas formas. Sim, eles sempre são livres pra buscar novas formas e aprender. A gente é muito democrático aqui nesse sentido, pintou uma coisa nova, conseguiu, trás! (Professor 3 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

O compartilhamento do conhecimento sobre o ensino-aprendizagem de uma segunda língua não aconteceu somente por meio da formação de novos professores. A Professora 1, além de experimentar com aulas por Skype também desenvolveu um método para compartilhar seus conhecimentos na rede social Instagram:

Professora 1: E já fazia muito tempo que eu aprendia uma coisa e logo esquecia. E ai eu comecei a anotar, a fazer um pequeno arquivo que agora já deve ter umas 15 páginas, que eu fui acrescentando, assim. Apesar de eu sempre gostar muito de escrever, né, só que ai eu montei, fiz esse documento do Google mesmo pra ir acrescentando e ai eu vou colocando em ordem alfabética. Aí eu pensei em juntar tudo isso e como uma forma de eu praticar também, espalhar e compartilhar essas expressões e comecei a fazer em forma de quizz, ou as vezes colocando alguma frase. Mas geralmente, 95% usando o quizz do Instagram.

Pesquisadora: Então a sua rede social principal pra isso é o Instagram? Professora 1: É. No face eu sigo várias páginas de professores com dicas de inglês, no YouTube eu uso bastante também pra aprender e usar nas minhas aulas, mas de uma forma mais ativa mesmo é no Instagram.

Pesquisadora: Aí você pega aquilo que você tinha aprendido e transforma naquela ferramenta do quizz do Instagram em que o aluno pode escolher a resposta correta.

Professora 1: Isso, isso!

Pesquisadora: Aí você dá o feedbak no dia seguinte? Professora 1: Geralmente.

(Professora 1 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

Com os Professores 1, 2 e 3 criou-se uma rede recursiva de conhecimento, na qual eles são capazes de aprender a partir das necessidades dos alunos e compartilhar aquilo que foi aprendido tanto com alunos quanto com demais profissionais da área. Ao analisar suas trajetórias de ensino- aprendizagem, três temáticas emergiram dos Professores 1, 2 e 3: mudança, transformação e a necessidade da educação. O Professor 2 descreve a mudança de mentalidade ao longo de sua trajetória de ensino-aprendizagem e

reconhece o impacto que é capaz de causar não só em seus alunos individualmente, mas também em suas realidades e pensamentos:

Professor 2: Eu noto que hoje em dia eu respeito muito mais o background, eu tenho aprendido a respeitar muito mais a jornada dos alunos ou dos professores-alunos porque nem tudo que eles não sabem e eu sei é idiotice. Que era provavelmente como eu pensava no começo da minha carreira tipo, “Nossa, você já deveria saber isso”, ou não, por exemplo. Eu comecei a ser um pouco mais acolhedor às dificuldades, aos lacks que esses alunos ou alunos-professores tinham. [...]

Pesquisadora: E se você fosse analisar essa trajetória como um todo, o que você acha que mais mudou?

Professor 2: A minha visão sobre a educação. Talvez antes, quando eu comecei, era só um meio de ganhar dinheiro, não tanto dinheiro. Mas agora eu vejo que o impacto que eu posso causar é muito maior, principalmente porque formando professores o impacto que eu posso causar aumenta exponencialmente. Porque eu não estou só educando alguém em uma língua ou querendo que a pessoa desenvolva habilidades linguísticas, mas eu também estou tentando mudar realidades e pensamentos. Então qualquer coisa que eu falo, eu sinto que pode ser bem ou mal interpretada e isso vai impactar alguns alunos a mais do que seria apenas um aluno aprendendo inglês. (Professor 2 e Pesquisadora, Conversa Hermenêutica)

Já o Professor 3 vê a transformação na maneira como seus alunos agora são capazes de expandir seus próprios horizontes por meio do contato com a língua inglesa.

[...] então eu ser esse gancho, não só com o trabalho, mas eu ser esse gancho, eu ter a minha escola que é esse gancho pra fazer essas pessoas abrirem a própria cabeça, abrirem o próprio horizonte. “Agora eu sou uma pessoa global, eu consigo falar com qualquer pessoa do planeta, eu consigo ler material de qualquer lugar do mundo. Eu tenho um mundo de informação na minha mão, não só o Brasil, agora eu tenho o mundo”. Todo mundo escreve em inglês, todo mundo faz vídeo em inglês, então você tem acesso ao mundo e não só ao local. Então eu ser esse gancho, eu ter uma escola que é esse gancho pra pessoa ganhar mais, pra pessoa ser uma pessoa mais realizada e a pessoa ser uma pessoa global. Eu acho que eu não me vejo fazendo outra coisa, real! (Professor 3, Conversa Hermenêutica)

Por fim, o Professor 2, em uma mirada otimista, reconhece a necessidade do ser humano pela educação, mesmo que ele pense nem todos a reconheçam.

E eu acredito que qualquer trabalho que envolva educação sempre vai ter demanda por esse serviço. Porque o ser humano naturalmente se educa, a partir do momento em que se aprende qualquer coisa nova, a partir do momento que se vive. A educação já está presente no nosso dia a dia, mas a gente não considera, talvez, novas coisas como

educação, but I do eu considero. (Professor 2, Conversa Hermenêutica)

Chega-se aqui a um ponto de convergência entre as narrativas de alunos e professores da geração Millennial. As narrativas apresentadas demonstram como cada um deles encontrou na interação com as diferentes formas de tecnologia a condição ideal pra aprendizagem ou prática da língua inglesa, ainda assim, o pensamento desses professores e alunos parece apontar para a necessidade de uma nova tríade no ensino-aprendizagem: o aluno e a máquina em interação com o professor.

4.2 REDES DIGITAIS E REDES DE RELIGAMENTO: NAVEGAR,

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