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Os Princípios da Complexidade

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2. NOVA GERAÇÃO, NOVOS PARADIGMAS

2.1 A EVOLUÇÃO DOS PARADIGMAS E A ABERTURA DE NOVOS HORIZONTES

2.1.2 Os Princípios da Complexidade

A fim de facilitar o entendimento dos novos paradigmas propostos com a complexidade, Morin (2005) sugere “três princípios” ou macroconceitos que contribuem para o entendimento dessa nova visão da realidade. São eles: o princípio dialógico, o princípio recursivo e o princípio hologramático. Para Morin (2008 p. 330), são princípios-guia ou ferramentas que auxiliam a religar os saberes disjuntos e reduzidos pelo paradigma simplificador e são de caráter indissociável, visto que são intrinsecamente interligados.

No total, Morin (2008 p. 93-97) propôs sete princípios da complexidade, derivados dos três princípios iniciais: o princípio sistêmico, o princípio hologramático, o princípio do circuito retroativo, o princípio do circuito recursivo, o princípio da auto-organização, o princípio dialógico e o princípio da reintrodução do sujeito cognoscente. No entanto, neste estudo, apenas os três princípios que Morin (2005) classifica como essenciais e indispensáveis para dinamizar a epistemologia da complexidade serão colocados em evidência.

Aproximações também podem ser suscitadas entre a conversa hermenêutica e a complexidade, uma vez que as conversas são tecidas em conjunto, o significado será produzido por meio da interação de participantes e pesquisador e as impressões de ambas serão compartilhadas por meio dos princípios recursivo, hologramático e dialógico, apresentados a seguir.

2.1.2.1 O princípio dialógico

Para ilustrar o princípio dialógico, Morin (2006, p. 15) demonstra incialmente que “para compreendermos alguns fenômenos complexos, é necessário que juntemos duas noções que a princípio são antagônicas, e que são, ao mesmo tempo, complementares”. Nesse cenário podem ser citados exemplos como a vida e a morte, a ordem e o caos e até mesmo a linearidade e a sistematicidade.

Na perspectiva de Morin (2005 p. 74), o princípio dialógico “une duas noções antagônicas que aparentemente deveriam se repelir simultaneamente, mas são indissociáveis e indispensáveis para a compreensão da mesma realidade”. Portanto, o princípio dialógico, que é capaz de entender diversos fenômenos como sendo simultaneamente antagônicos e complementares permite, integrar um movimento de religação.

Dessa forma, enquanto o paradigma simplificador parece enxergar a dualidade como promotora de conflitos, o princípio dialógico da complexidade não se pretende eliminar as dualidades, contradições e incertezas, mas, sim, reconhecer que ambos os aspectos se encontram presentes na complexidade intrínseca da vivência humana.

O dialogismo vem para religar, articular e estabelecer a comunicação entre outros aspectos da complexidade, como a ordem e a desordem ou a parte e o todo, visto que são diferentes faces de um mesmo todo, antagônicas, porém complementares, interdependentes, indissociáveis e, portanto, aspectos comunicantes de uma mesma realidade (MORIN, 2005 p. 73-74).

Na essência dessa visão, a autonomia e a dependência podem ser consideradas princípios complementares, nos quais alguém não pode viver em completa anomia ou heteronomia, ambos os conceitos convergem e se conversam a fim de formar a autonomia. Para exemplificar esta perspectiva, podemos pensar na narrativa do Aluno 1, que inicialmente durante a conversa hermenêutica descrevia “ter aprendido inglês praticamente sozinho” por causa da interação com jogos digitais, leitura e vídeos na plataforma Youtube:

O que eu aprendi foi praticamente inteiro sozinho. Eu jogo muito, eu leio muito, então muito do meu vocabulário veio disso. E eu assisto muito vídeo no Youtube. Se você olhar a quantidade de vídeos que eu assisto, 99% dos Youtubers que eu sigo são americanos ou ingleses ou australiano. É tudo em inglês e eu peguei muito vocabulário com isso. (Aluno 1, Conversa Hermenêutica)

Entretanto, apesar de tais ferramentas proporcionarem ao aluno a autonomia necessária para o desenvolvimento do vocabulário em uma segunda língua, elas não supriam o contato humano necessário para prática e conversação, desenvolvimento que foi realizado nas trocas com seus professores.

Minha parte de conversação de inglês, eu acho que no último ano melhorou muito, tanto fazendo as aulas com você quanto as aulas com o Nate. Na parte de conversação, ok, eu ainda erro umas coisinhas, tipo pronuncia, conjugação de verbos, mas é muito menos do que eu errava no mesmo período do ano passado. Esse ano eu tive uma evolução legal na parte de conversação, mas na parte de gramática eu ainda peco muito. (Aluno 1, Conversa Hermenêutica)

Assim, o princípio dialógico sugere que apenas o autodidatismo não seria capaz de suprir o todo necessário ao aprendizado, mas o dialogismo entre momentos de autonomia e momentos de dependência do professor para interação poderiam contribuir para o melhor desenvolvimento do aluno.

Partindo das considerações tecidas, também é interessante reconhecer o movimento circular que permeia a relação entre as partes e as partes e o todo. Portanto, será tecida, na sequência, a discussão a respeito do princípio recursivo.

2.1.2.2 O princípio recursivo

O paradigma simplificador defende um pensamento acentuadamente linear, no qual uma determinada causa sempre resulta em um mesmo efeito. A recursividade ressalta a máxima de que somos ao mesmo tempo produtos e produtores, tanto de nós mesmos quanto da sociedade ao nosso entorno. Dessa forma, não há apenas a linearidade de causa e efeito, produtor e produto, nesse

fundamento a causa também produz um efeito, que se torna causa novamente, de forma sucessiva, assim como o produtor que um dia será produto.

Uma organização recursiva é necessária para a própria produção da sociedade, como exemplifica Morin (2014, p. 182):

Uma sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos e essas interações produzem um todo organizador que retroage sobre os indivíduos para co-produzi-los enquanto indivíduos humanos, o que eles não seriam se não dispusessem da instrução, da linguagem e da cultura.

O princípio da recursividade traz uma ruptura com qualquer modelo previsível, que não é capaz de considerar a complexidade das interações e inter- relações resultantes de uma ação, conforme destaca Morin (2005, 2008).

A recursividade sugere um movimento circular no qual “os efeitos sempre retroagem sobre as causas e as retroalimentam” (MARIOTTI, 2007 p. 140), de forma a reconhecer a circularidade das relações de causa e efeito.

Exemplificando essa definição, a rede de computadores é alimentada por seus usuários, que ao mesmo tempo são alimentados de conhecimento por ela, criando dessa forma novos conhecimentos a serem inseridos na rede, numa espiral recursiva, na qual hora você produz o conteúdo, hora o recebe.

A recursividade também pode ser fortemente observada na formação de professores, como descrito pela Professora 1 em sua narrativa:

[...] eu terminei o curso e já tava dando aula. E peguei turmas de níveis diferentes assim, mas eu acho que consegui me adaptar porque era a escola que eu tinha estudado mesmo, então eu já estava mais acostumada. Eu tentava prestar atenção na minha professora pra ver se eu pegava alguma coisa do que eu tinha aprendido no treinamento, por exemplo. Mas era difícil porque eu já entrava no modo aluna e esquecia. (Professora 1, Conversa Hermenêutica)

Os alunos são formados por seus professores e alguns deles optam por seguir a carreira acadêmica, tornando-se também professores, que educarão novos alunos e, consequentemente, também poderão ser responsáveis pelo nascimento de novos profissionais da área.

Um turbilhão é uma organização estacionária, que apresenta forma constante; no entanto, é constituída por fluxo ininterrupto. O fim do turbilhão é, ao mesmo tempo, seu começo, e o movimento circular constitui simultaneamente o ser, o gerador e o regenerador do turbilhão (MORIN, 2014, p. 283).

Outro exemplo sugerido por Morin (2008) é a constituição da própria sociedade, na qual somos produto e produtores ao mesmo tempo. Morin (2008 p. 190) afirma que “nós produzimos a sociedade que nos produz”. Dessa forma, os indivíduos são capazes de produzir seu meio social com suas interações, ao passo que a sociedade, como um todo, nos fornece os aspectos que constituem cada indivíduo, como nossa língua e cultura. Este é, então, um processo recursivo no qual “os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores do que os produz” (MORIN, 2005 p. 74).

Morin (2015 p. 112) sugere que somos produtos de ciclo de reprodução biológica no qual somos produtos produtores, nele, nos tornamos produtores para que o ciclo continue. Assim como a sociedade, que é produto da interação de seus indivíduos, criando outras qualidades que retroagem sobre eles, como a linguagem e a cultura. Desse modo, os indivíduos produzem a sociedade, que produz os indivíduos.

Pode-se sugerir também como exemplo desse princípio a apropriação dos Millennials da linguagem tecnológica, que além de ser utilizada por eles de modo a ser atualizada e transformada recursivamente, é também parte da formação desses indivíduos.

Tal associação complementar nos permite religar ideias que se rejeitam mutualmente, como as ideias de vida e morte. Dessa forma, abrem-se os caminhos para religar noções sem negar a oposição entre elas. Tal movimento circular permite a transformação, a reconstrução, a reorganização da sociedade humana, conforme ela regenera seus valores e atitudes, conforme explicita Morin (2008)

Assim, ao considerar com mais precisão a dinâmica existente nas relações entre os indivíduos entre si (as partes) e entre os indivíduos e a sociedade (as partes e o todo), nota-se que estes interagem de maneira imprevisível, tornando latente a complexidade presente nas relações humanas. Este aspecto é abordado pelo princípio hologramático, que será apresentado a seguir.

2.1.2.3 O princípio hologramático

Ao apresentar o princípio hologramático, Morin (2006, p. 13) traz a ideia de que “a parte está dentro do todo, mas o todo está no interior das partes”. Portanto, não se pode conceber o todo sem conceber suas partes e nem as partes sem o todo. Assim, um sistema não pode ser visto e compreendido ao se analisar apenas uma de suas partes.

A fim de ilustrar esse princípio, Morin (214 p. 181) utiliza a representação de um holograma, que consiste em uma “imagem física cujas qualidades de relevo, de cor e de presença são devidas ao fato de cada um dos seus pontos incluírem quase toda a informação do conjunto que ele representa”.

Em oposição, um pensamento simplificador enxergará a realidade, primordialmente de maneira linear e fragmentada. Esse tipo de visão, frequentemente, conduzirá o pensamento ao resumo ou reducionismo de conceitos, pois considera apenas as principais características das partes para a interpretação do todo. Tais conceitos sustentam a crença de que a soma das partes sempre resultará no todo, um holismo6 que desconsidera as partes, a fim

de compreender o todo de maneira generalizada, abrangendo uma visão parcial, unidimensional e simplificadora do todo (MORIN, 2014).

Um exemplo desse princípio estaria sugerido na metáfora da tapeçaria contemporânea, utilizada por Morin.

Pense numa tapeçaria contemporânea. Ela comporta fios de linho, de seda, de algodão e de lã, com cores variadas. Para conhecê-la seria interessante conhecer as leis e os princípios de cada um desses tipos de fios. Entretanto, a soma dos conhecimentos sobre cada um desses tipos de fios da tapeçaria é insuficiente para conhecer não somente essa nova realidade já tecida, ou seja, as qualidades e propriedades próprias a esta textura, mas também é incapaz de nos ajudar a conhecer sua forma e configuração (MORIN, 2005, p. 13).

6 Holismo: abordagem utilizada pelas ciências humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos fenômenos, em oposição à procedimentos analíticos, nos quais os componentes são estudados isoladamente. Na inspiração de Morin, busca-se nutrir o conceito de dialogismo, que prioriza relações parte-todo.

O mesmo princípio está presente na própria organização de nossa sociedade, na qual, desde o nascimento, somos ensinados seus princípios, ou partes, como a linguagem, os ritos e necessidades sociais, assim como a introdução da cultura na escola e em outras instruções, dessa forma, participamos ativamente da construção do todo cultural que permeia nosso cotidiano.

Outro exemplo que pode ser suscitado é a formação de uma sala de aula, que não pode ser compreendida somente ao analisar-se os alunos, professores ou ambiente educacional separadamente. O próprio processo de ensino- aprendizagem de uma língua funciona em uma dinâmica hologramática, na qual nãos se pode compreender somente a gramática separada do vocabulário e da conversação. Apesar de as três partes serem necessárias no aprendizado de uma segunda língua, independentemente elas não representam a língua em questão e esta língua não seria completa sem elas. O Professor 3 ilustra esse conceito ao descrever a forma como compreendeu o verb to be:

E escola é aquela coisa, é sempre o normal do to be e dos pronomes, mas é engraçado porque quando você entende essa parte o resto fica mais fácil, porque o resto faz sentido. Eu devo ter passado umas várias tardes tentando decorar isso e tentando entender. E aí eu simplesmente sentei e comecei a estudar por mim mesmo, sentar e decorar. Copiar até encher um caderno e depois de uns dias as coisas começaram a fazer sentido, que aí a professora falava alguma coisa, os textos, algumas coisas na sala. E foi aumentando esse sentido, foi fazendo cada vez mais (Professor 3, Conversa Hermenêutica).

A narrativa do Professor 3 nos mostra como cada uma das partes foi essencial na compreensão de uma nova estrutura linguística, apontando como o conteúdo como um todo passou a fazer mais sentido quando a compreensão de uma das partes foi explicitada após a interação com a sala e o estudo em casa.

Nesse sentido, o princípio hologramático resume a intenção de Morin (2005) de reconhecer as imprevisíveis, contínuas e infinitas interconexões entre as partes e o todo que compõem os sistemas complexos, nas quais o todo pode ser maior e menor que a soma de suas partes. O autor propõe a reflexão de que

este aspecto dependeria, então, dos movimentos e inter-relações das partes, que podem resultar, simultaneamente, tanto em produtos emergentes, nos quais o todo é maior que a soma de suas partes, quanto em fatores inibidores, que acarretam no todo inferior à soma de suas partes.

Dessa forma, a tessitura de um pensamento complexo ressalta a importância da construção de um conhecimento não-fragmentado e propõe uma visão sistêmica da realidade, na qual a diversidade, a singularidade, a imprevisibilidade, as incertezas e as ambiguidades são reconhecidas e capazes de conceber organização em meio ao caos, buscando estabelecer o equilíbrio.

Morin (2005 p. 75) evidencia que: “Portanto, a própria ideia hologramática está ligada à ideia recursiva, que está ligada, em parte, à ideia dialógica”. Nesse pensamento é revelada a característica indissociável e complementar entre os princípios da complexidade discutidos anteriormente e que serão importantes ferramentas na investigação proposta neste estudo.

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