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A narrativa Fantástica: características e procedimentos em Pays sans chapeau

Em nossa discussão acerca do imaginário cultural e sua construção em Pays sans

chapeau, problematizamos o Estruturalismo como ferramenta crítica literária do imaginário e

propomos o procedimento de comparação entre áreas. Esse modo de análise nos forneceu uma melhor visão a respeito do imaginário cultural referenciado em nosso objeto de estudo. Com isso, adotamos um pressuposto que já foi considerado subversivo nos estudos literários. Rompemos com a postura unilateral do viés Estrutural, que se limita à análise tão somente da narrativa e suas configurações, para compreender a semântica dessa obra: aquilo que Todorov (2017)118 denominou como “temático”. Ou seja, para nós, o próprio imaginário cultural haitiano é um dos referentes extratextuais solicitados por nosso corpus. No entanto, chega o momento de compreender os mecanismos e procedimentos adotados por Dany Laferrière para o estabelecimento do sobrenatural na referida obra.

O romance Pays sans chapeau é marcado por inúmeros acontecimentos e elementos insólitos, como vimos no capítulo anterior. O sobrenatural é corriqueiro na narrativa, mas oscila continuamente, tornando-se questionável. Esta complexidade da natureza dos elementos e acontecimentos sobrenaturais em nosso objeto de estudo pode ser proveniente de algumas características da obra de Dany Laferrière, como sua propensão ao gênero Fantástico. Segundo Todorov (2013, p. 148), o Fantástico “[...] é a hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente

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No capítulo anterior, não utilizamos os termos deste teórico ou sua teoria de identificação das temáticas da narrativa fantástica por causa dos estudos que propomos sobre o imaginário. Há de fato uma incompatibilidade entre teorias. Enquanto na visão de Todorov (2017) o imaginário é racionalizado e desenvolvido na psique do autor, o sentido de imaginário que adotamos é coletivo e dotado de epifania. Contudo, confiamos que até mesmo na leitura sobre o imaginário há uma duplicidade ao que diz respeito a esta questão, e visamos abordar a ideia de Imaginário do referido autor no presente tópico, com a intenção de também compreender a função do gênero Fantástico no eixo semântico da obra.

sobrenatural”. Isto é, o acontecimento sobrenatural e/ou seu elemento, possuem naturezas desconhecidas pelo narrador e/ou personagens de uma dada obra, causando o desequilíbrio do universo ficcional, o qual se promove enquanto real119. Deste modo, é necessário que o leitor implìcito da literatura Fantástica acredite no “real” sugerido pelo texto, para que oscile entre as explicações sobrenaturais e naturais quanto aos acontecimentos na narrativa. Enquanto não houver uma decisão a respeito da natureza dos eventos, seja por parte do leitor ou do narrador, estaremos diante do Fantástico.

Na narrativa, Vieux Os retorna a seu país após anos de exílio, com a intenção de escrever um livro sobre sua pátria e encontrar sua família e antigos amigos. Sem os eventos insólitos, nosso corpus seria o relato de viagem de um intelectual expatriado e preocupado com a situação de seu país: uma ficção dotada apenas de eventos “reais”, na falta de palavra melhor. No entanto, não é isso que acontece. Como sabemos, a história de Vieux Os é articulada aos eventos “estranhos” e situações que impõem certo mistério, com a insinuação do sobrenatural. Aqui, podemos visualizar exatamente as características apontadas por Todorov (2017), como um universo real que se contrapõe ao evento insólito.

Logo, um dos procedimentos120 adotador por Laferrière, para a garantia deste gênero é o estabelecimento de um universo ficcional semelhante ao mundo do leitor, em contraponto à sugestão do sobrenatural, com a finalidade de garantir dúvidas: “[...] é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados” (TODOROV, 2017, p.39). Todavia, como esse universo real pode ser instaurado no texto? Vejamos os exemplos encontrados em nosso objeto de estudo.

Em Pays sans chapeau, constatamos vários nomes de cidades, bairros e lugares referentes aos ambientes existentes no Haiti do nosso mundo, como o bairro de Martissant, uma das zonas mais pobres e superpovoada de Porto Príncipe. Na obra, esse local é também

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O sentido de real aqui se encontra em uma perspectiva estruturalista, discutida por Roland Barthes (1915- 1980) em seu texto O efeito do real (1971) Segundo ele, o real no texto literário não é o mimético da realidade, conforme apontada nos estudos de Aristoteles. Ao analisar as literaturas do Realismo, Barthes chegou À conclusão de que os “pormenores inúteis” encontrados nas descrições detalhistas do texto literário eram significantes importantes para a estrutura de uma dada obra. Suas conclusões indicam que o real na literatura é uma simulação da presença de elementos e não se trata de uma projeção da realidade, mas uma referência a algo existente da realidade.

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Todorov (2017) demonstra que estudar uma narrativa, por meio de sua estrutura é ter como pressuposto que há semelhanças entre outras produções e o objeto estudado. Ele nos indica que para um estudo rigoroso é necessário que identifiquemos as características de variadas narrativas e as comparemos, as agrupando pelas propostas semelhantes concernentes aos vários arranjos que podemos encontrar. Embora não façamos um estudo comparativo entre várias obras do Fantástico, confiamos que as teorias de Todorov (2013; 2017) são suficientes para a verificação de características que possuem o Fantástico como gênero. Os procedimentos destacados aqui já foram comprovados em outras literaturas por este teórico.

um dos mais temidos pelas personagens secundárias Marie e René. Outra cidade haitiana é referenciada na obra: Bombardopolis, uma comuna localizada no noroeste do Haiti. Ela é ficcionalizada no romance e se torna um lugar prodigioso e, ainda, o ambiente preferido de pessoas que vivem no além e que costumam visitar o mundo dos vivos.

O Haiti de Laferrière também se aproxima constantemente das imagens dos países americanos subdesenvolvidos121 que conhecemos. Através das descrições de Vieux Os, visualizamos uma nação de terceiro mundo, que enfrenta crises políticas e problemas econômicos sérios, beirando a miséria. A luta pela sobrevivência é evidente e nos mostra o cotidiano de um povo em situação precária, mas que faz de tudo para ganhar seu pão. Em seu passeio pela cidade, Vieux Os descreve as multidões do centro da capital haitiana, as crianças que brincam na rua, um trânsito caótico e entre outras características de Porto Príncipe. Esse contexto nos revela uma realidade urbana, fatídica e difícil, enfrentada até os dias de hoje pelo povo haitiano.

Basta lembrar as nossas análises sobre a Estética da Degradação, no primeiro capítulo desse estudo. Quando dissertamos acerca da nova escrita haitiana, tínhamos em mente as características realísticas do Haiti, que se apresenta em nosso corpus. Tentamos destacar essa maneira como Laferrière referencia a realidade local de sua nação, que está mergulhada no caos, massacrada pela ditadura, enfrentando as consequências da ocupação norte-americana e de um contexto histórico difícil. A partir desse ambiente, nosso autor explora as deteriorações humanas em prol do sobrenatural.

Essas referências ao Haiti possuem uma utilidade interna à obra. Elas impõem a estabilidade de um equilíbrio inicial e garantem o real do universo ficcional. Assim, pode-se confiar que Vieux Os se encontra em Porto Príncipe e está empenhado em escrever um novo livro sobre seu país, como se sua viagem fosse uma ocasião perfeita para saudar antigos amigos e se reencontrar com sua nação.

Todorov (2013) postula outra forma de garantir o “real” do universo ficcional: por meio do narrador, o qual deve deter características naturais. Ou seja, quem conta a história da trama deve dispor de uma mínima identificação para com seu público. Nesse sentido, a narração feita por Vieux Os não é um mero detalhe. Esse narrador-personagem se aproxima de seu autor em diversos momentos da narrativa. Em uma das passagens do romance, quando Vieux Os decide procurar o doutor Legrand Bijou para conseguir informações sobre o

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Utilizamos este vocabulário em consonância com os termos adotados, em Pays sans chapeau, por Dany Laferrière. No munimos de seu linguajar para acentuar as críticas sociais encontradas na trama em questão. O mesmo se aplica ao nossa insistência com o termo “terceiro mundo”, aplicado aqui para designar diversas nações que ainda são consideradas emergentes ou em desenvolvimento.

exército zumbi, ele se apresenta à recepcionista do psiquiatra haitiano como Laferrière. Vejamos o diálogo que ocorre entre os dois:

- A quem devo anunciar? - Laferrière.

- Ah! o senhor é o escritor? Claro! Eu o vi na tevê, ontem à noite. Concordo plenamente com o que o senhor falou... Espere, acho que ele acabou de chegar... Vou transferir a ligação...122 (LAFERRIÈRE, 2011, p. 78)

O procedimento de utilizar o homônimo de Laferrière, atribuindo-lhe ao narrador- personagem, garante uma identidade verídica à Vieux Os, bem como a veracidade ao que ele conta. A evocação do nome do autor da obra, neste diálogo, personifica e caracteriza Vieux Os com imagem do plano real do leitor. Ou seja, o nome de Laferrière concede ao seu narrador-personagem uma identidade humana, no mundo do leitor. Consequentemente, não encontramos descrições sobre o narrador-personagem, posto que a imagem de o autor Dany Laferrière materializa-se na narrativa. Além disso, as situações que ocorrem com Vieux Os ou os diálogos entre ele e as personagens da trama, garantem seu perfil. Assim, é testificada a veracidade da condição deste recém-chegado.

Outro aspecto em Vieux Os, que pode promover uma identificação entre leitor e narrador, é sua identidade “estrangeira”. Em vários momentos da narrativa, constatamos que ele é percebido como um estranho. Logo no primeiro dia de chegada, durante seu passeio pela cidade, o escritor se depara com um engraxate que oferece seus serviços. Ao começar seu trabalho, o rapaz o questiona sobre sua chegada:

- Acabou de chegar, patrão? - Como é que você sabe?

- Patrão, dá pra ver, tá na cara. Posso lhe dar um conselho? - Vá em frente. 123 (LAFERRIÈRE, 2011, p. 47)

A resposta do engraxate a Vieux Os demonstra que nosso narrador-personagem é também reconhecido como alguém que não pertence àquele lugar. Quando ele solicita explicações sobre a facilidade com a qual foi identificado, o rapaz argumenta que sua

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“- Qui dois-je annoncer? -Laferrière.

- Ah ! vous êtes l‟écrivain ? Mais oui ! Je vous ai vu à la télé, hier soir. Je suis assez d‟accord avec ce que vous avez dit... Attendez, je crois qu‟il vient d‟arriver... Je vous le passe tout de suite... (LAFERRIÈRE, 1997, p.92) 123

- Vous venez d‟arriver, patron? - Comment vous savez ça?

- Patron, ça se voit comme le nez au milieu de la figure. Puis je vou donner un conseil? - Allez-y” (LAFERRIÈRE, 1997, p. 56).

condição é perceptível. Muitas situações como esta são encontradas na narrativa. O próprio narrador-personagem alega sua falta de familiaridade à sua cultura materna, como durante o diálogo entre o amigo de sua mãe e ele. Durante uma visita à Marie, Pierre encontra com Vieux Os por acaso. Em dado momento da conversa que se passa entre os dois homens, Pierre conta sobre o dia em que o norte-americano Neil Armstrong pisou na lua. Ele afirma que o astronauta famoso acreditava ser o primeiro homem a visitar o satélite natural da terra, porém, ao chegar lá, deparou-se com um haitiano sentado na superfície do referido satélite natural, pedindo-lhe um cigarro.

A conversa se prolonga e Vieux Os tenta compreender do que se trata essa história. Depois de tantas explicações, concedidas por Pierre, o narrador-personagem se dirige ao leitor: “Não, eu ainda não tinha entendido, mas não queria dizer isso ao senhor Pierre para não decepcioná-lo. É nisso que dá passar quase vinte anos fora do seu país. Já não entendemos as coisas mais elementares” 124

(LAFERRIÈRE, 2011, p. 96). Essa passagem é um dos eventos que não recebe explicação, na obra. Aqui, percebemos mais uma afirmação sobre o estranhamento a uma questão aparentemente basilar para a compreensão da espiritualidade haitiana, por parte do narrador-personagem.

Ao confessar sua confusão ao leitor, Vieux Os cria um laço com seu público, revelando a sua não familiarização com o imaginário local e sua abertura ao desconhecido. É possìvel que esse “estrangeirismo” creditado ao narrador-personagem promova uma identificação para com o leitor, o qual o acompanha na busca por respostas sobre os eventos insólitos da obra. Essa característica de Vieux Os o promove enquanto um haitiano que está redescobrindo a cultura e permite que o leitor o acompanhe nessas „descobertas‟.

Nesse raciocínio, os sentimentos de estranhamento, vividos pelo narrador-personagem, podem ser compartilhados com o leitor, que igualmente pode desconhecer os eventos e elementos que serão apresentados na narrativa. A afirmação constante de que o escritor famoso é um recém-chegado e estranho às suas origens garantirá ao leitor que as descobertas daquele universo ficcional são verídicas. Da mesma forma, essas características reafirmam que o narrador-personagem será alguém confiável aos olhos do leitor, numa busca pela confirmação ou refutação da presença do sobrenatural.

De acordo com Todorov (2017), a dúvida diante do insólito, experimentada pelo narrador, é um dos recursos mais utilizados por autores do Fantástico. Essa situação se deve

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“Non, je n‟avais pas encore compris, mais je ne voulais pas le dire à M. Pierre pour ne pas le décevoir. Voilà ce que c‟est que d‟avoir passé près de vingt ans hors de son pays. On ne comprend plus les choses les plus élémentaires” (LAFERRIÈRE, 1997, p. 115).

ao fato de que o leitor costuma compreender a narração como um testemunho de alguém disposto a desvendar os mistérios do enredo. Assim, em conjunto com o narrador, o leitor procurará “[...] uma explicação racional para estes fatos bizarros” (TODOROV, 2017, p. 93).

Todorov (2017) estipula que, dentre os vários tipos de narradores, aquele que se utiliza da primeira pessoa (eu) em seu discurso e que se coloca também enquanto personagem é o mais propício para provocar a ambiguidade no texto fantástico, pois ele possui mais credibilidade do que os demais tipos de personagens. Para o teórico búlgaro, o discurso de um narrador-personagem é demasiadamente confiável aos olhos do leitor, porque sua narração se configura como um discurso baseado nas experiências de alguém que, verdadeiramente, vivenciou as incertezas diante do sobrenatural. Sendo assim, o narrador-personagem que “vacila” (ROAS, 2014) frente ao insólito é um recurso importante para estabelecer confiança ou desconfiança sobre os acontecimentos narrados.

Nesse sentido, David Roas (2014) indica que o pacto ficcional também é um dos motivos pelo o qual o leitor tem confiança naquilo que é narrado: “[...] aceitamos sem questionar tudo o que ele nos conta, de modo que nossa atitude hermenêutica como leitores fica condicionada a uma suspensão voluntária das regras de verificação” (ROAS, 2014, p. 51). A “verificação” referida nesta passagem significa que o leitor não desconfia do narrador, mas procura verificar a natureza dos mistérios que se apresentam na trama em conjunto com este segundo. Ou seja, quando o leitor inicia a leitura da obra ele aceita o pacto e, consequentemente, é conduzido por um narrador.

Depois do estabelecimento de uma realidade haitiana e da adoção de um narrador- personagem “estranho” à cultura materna, qual o outro procedimento que garantirá as hesitações em nosso corpus? Antes de responder essa questão, gostaríamos de retomar nossa primeira definição sobre o Fantástico.

Como vimos inicialmente, esse gênero literário solicita uma transgressão do universo real pelo elemento ou evento insólito, provocando dúvidas ao narrador, ou às personagens, e ao leitor. De acordo com Todorov (2013; 2017), para uma obra ser declarada fantástica, ela deve manter a dúvida até o fim. É necessário que ela termine sem assegurar respostas ou explicações sobre os acontecimentos insólitos, suspendendo a confirmação ou a não- confirmação do sobrenatural. Contudo, esse estudioso aponta que a narrativa fantástica não

sobreviveu125 até os dias atuais. Para ele, seria impossível que em sua contemporaneidade a Hesitação de uma obra seja mantida até o limite final da narração.

Observamos que o teórico búlgaro-francês expôs esta questão, motivado pelas mudanças na paisagem industrial-tecnológica de épocas anteriores a ele, e ainda com o adendo do avanço científico da psicanálise. Ele ainda recorre aos empréstimos da psicanálise para explicar o vasto campo semântico-temático das narrativas do Fantástico, salientando que essa ciência explicaria quase todas as questões concernentes à exploração do sobrenatural em literaturas do século XVIII e XIX.

Para Todorov (2013; 2017), as mudanças promovidas no século XX foram tão radicais que conceberam uma nova compreensão sobre fenômenos ditos “sobrenaturais”, mas que ainda eram desconhecidos pelos autores tradicionais do fantástico. Logo, o leitor, munido de uma nova realidade, poderia decidir entre as explicações que suscitassem o insólito, encontrando respostas para este. Neste viés, o teórico aponta os subgêneros que usariam o Fantástico como gênero “evanescente”:

Um fenômeno inexplicável acontece; para obedecer a seu espírito determinista, o leitor se vê obrigado a escolher entre duas soluções: ou atribuir esse fenômeno a causas desconhecidas, à ordem normal, qualificando de imaginários os fatos insólitos; ou então admitir a existência do sobrenatural, trazendo pois uma modificação ao conjunto de representações que formam sua imagem no mundo. O fantástico dura o tempo dessa incerteza; assim que o leitor opta por uma ou outra solução, desliza para o estranho ou para o maravilhoso. (TODOROV, 2013, p. 191- 192)

Comumente, inúmeros autores recorrem à utilização do Fantástico, como momento de passagem, para transferir-se ao âmago de outros gêneros, como o Maravilhoso e o Estranho. Essa explicação nos fornece outra constatação em nossa narrativa, que trataremos nos tópicos seguintes. Contudo, ainda em relação a declaração sobre a “morte” do gênero Fantástico em Todorov (2013; 2017), percebemos certo equívoco no que diz respeito ao fim das literaturas fantásticas. Em seu livro Ameaça do fantástico, David Roas (2014) propõe que o gênero sofreu algumas modificações e evoluiu, adotando uma nova forma de se comportar perante os seus subgêneros. Para ele, desde os estudos pioneiros sobre o Fantástico até o século passado, os linguistas muniram-se de visões excludentes e reducionistas na tentativa de definir este gênero. Ele destaca as características do Fantástico:

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Todorov (2013) aponta que esse gênero surgiu no século XVIII de forma sistemática e perdurou até o século posterior. Ele afirma que o que a literatura produz hoje é um gênero evanescente, uma Hesitação Fantástica que pode ser resolvida pelo público leitor da obra.

[...] a literatura fantástica é o único gênero literário que não pode funcionar sem a presença do sobrenatural. E o sobrenatural é aquilo que transgride as leis que organizam o mundo real, aquilo que não é explicável, que não existe, de acordo com essas mesmas leis. [...] A narrativa fantástica põe o leitor diante do sobrenatural, mas não como evasão, e sim, muito pelo contrário, para interrogá-lo e fazê-lo perder a segurança diante do mundo real (ROAS, 2014, p. 31).

Na citação acima, observa-se que o sobrenatural é característica principal da narrativa, e sua função transgressora é a tentativa de discussão sobre a realidade do mundo do Leitor. É neste ponto que Todorov (2013; 2017) e Roas (2014) discordam. Para o primeiro, a função do sobrenatural no texto fantástico é também promover transgressão do real do universo fictício e, ao mesmo tempo, promover ponderações sobre tabus presentes na sociedade, tais como: a necrofilia, as doenças mentais, o religioso minoritário, entre outros. Contudo, Todorov (2013; 2017) mantém o argumento de que a hesitação perante aquilo que é aparentemente sobrenatural será o que configura o Fantástico. Já Roas (2014) constrói uma análise do sobrenatural como categoria. Para este teórico, o elemento sobrenatural não causa uma hesitação no texto, mas projeta a hesitação para uma discussão extraliterária, numa espécie de jogo provocador de emoções e “flexibilizador” da realidade no mundo do leitor. Trata-se da hesitação que provocará questionamentos acerca das realidades que se contrapõem, em uma dada obra fantástica.

As dúvidas e vacilações propostas por Todorov (2013; 2015), como foco de análise no texto fantástico, não são alvo dos estudos de Roas (2014). No entanto, para este estudioso, a