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3 AS PISADAS NA AREIA E OS RUMOS TEÓRICOS DA PESQUISA: O SUL (S)

4 O TEMPO VOA E O MUNDO GIRA: RUMO AOS CAMINHOS METODOLÓGICOS, O LESTE (L)

4.4 BREVES EXPLANAÇÕES SOBRE A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

4.4.1 Narrativas autobiográficas: o conhecimento de s

Quando tecemos assuntos relacionados às histórias de vidas, estamos de certa forma mexendo com o baú das memórias, suscitando lembranças, fatos, acontecimentos, momentos, vivências. Nesse sentido, narrá-las ou mesmo falar sobre si compreende uma gama de sensações provocadas no imaginário. Algumas delas boas, que nos estimulam e nos causam alegrias, outras nem tanto, que em certa medida, nos causam desconfortos emotivos, mas que nos servem de material para possíveis reflexões.

Em relação à historicidade do método em questão, podemos encontrá-lo conforme as palavras de Moura (2004, p. 124) quando nos diz que:

O método (auto) biográfico trata-se de uma perspectiva metodológica que, inicialmente, utilizada no campo da Sociologia, após sofrer um movimento de retração, recuperou fôlego e, mais recentemente, passou a ser incorporada na pesquisa educacional. Largamente empregada entre os anos 1920 e 1930, pelos sociólogos da Escola de Chicago, animados com a busca de alternativas à sociologia positivista, após esse sucesso o método (auto) biográfico sofreu um colapso súbito e radical, caindo em quase completo desuso nas décadas seguintes.

Segundo a mesma autora, nos anos de 1980, importantes pesquisadores retomaram com força, ao divulgar no campo da educação, histórias de vidas de professores, nesse período destaca-se os pesquisadores Antônio Nóvoa (1992) e Ivor Goodson (2001).

Valendo-se das importantes descobertas nas pesquisas (auto) biográficas, convém citar as contribuições do CIPA - Congresso Internacional de Pesquisa Autobiográfica. No Brasil, Elizeu Clementino de Souza69 (2004), destaca-se como

pesquisador ao discutir as dimensões metodológicas ligadas às histórias de vida, memória, narrativas e às (auto) biografias. Segundo Souza (2004, p. 13).

A escrita da narrativa remete ao sujeito a uma dimensão de auto-escuta, como se estivesse contando para si próprio suas experiências e suas aprendizagens que construiu ao longo da vida, através do conhecimento de si. É com base nessa perspectiva que a abordagem biográfica instaura-se como um movimento de investigação-formação, ao enfocar o processo de conhecimento e de formação que se vincula ao exercício de tomada de consciência, por parte do sujeito, das itinerâncias e aprendizagens ao longo da vida, as quais são expressas através da meta-reflexão do ato de narrar- se, dizer-se de si para si mesmo como uma evocação dos conhecimentos construídos nas suas experiências formadoras.

Conforme o autor, penso que narrar as próprias vivências seja um exercício provocador, pois estamos resgatando e revelando essência a partir das experiências. Partindo pela perspectiva, o movimento de investigação-formação é interpretado como uma abordagem biográfica ao qual se mostrou neste estudo como um trânsito somatório em pesquisas qualitativas, já que me coloco na condição de pesquisador/pesquisado e partícipe de um grupo social, condutor-conduzido de minhas vivências no terreiro Reino de Jurema.

69 Fonte Site (Plataforma Currículo Lattes): Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil (2004). Membro do Conselho de Administração da Associação Internacional das Histórias de Vida em Formação, França.

Concomitante ao ato de imbricar-se na escrita de si, conceituamos a ‘narrativa’ também pelas palavras de Oliveira (2015) quando nos diz que narrativa designa a qualidade estruturada da experiência vista como relato. Logo, penso que tais relatos, trazem à tona o exercício da memória que é considerado um elemento inevitável para o trabalho autobiográfico. Segundo a mesma autora (2015, s/p), reportando à memória, nos diz que:

Utilizar-se da memória é fazer uso deste exercício de voltar atrás, buscar aquilo que nos afeta, que deixou marcas, adentrar, arriscar e lembrar fatos e passagens que nem sempre trazem satisfações. Rememorar é organizar o pensamento em forma de relato escrito, oral, visual. Buscar dar uma organicidade ao pensamento para melhor exteriorizá-los.

Neste sentido, para esta pesquisa o que me interessa enquanto método (auto) biográfico são os elementos trazidos de minhas memórias, assim como os relatos trazidos dos sujeitos observados. As transcrições das entrevistas e as respostas dos questionários aplicados tornam-se, diante disso, abordagens metodológicas que foram esmiuçados em forma de conceitos, a partir de interlocutores que discutam as relações epistêmicas encontradas nessas descobertas narradas.

A busca pelo ‘ser religioso’ e pesquisador’ trata-se de experiências, em certo aspecto, que reverberam nas performances de meu corpo durante as práticas ritualísticas no Reino de Jurema, juntamente com os sujeitos partícipes observados. As relações producentes entre espaço, corpo e sujeitos, estão atrelados na condição pesquisador-pesquisado que, por sua vez, reverberam no conhecimento de ‘si’ ao revelar-me em meio às subjetividades no terreiro. Diante disso, busco em Souza (2004, p. 13) as seguintes palavras:

A escrita da narrativa remete o sujeito a uma dimensão de auto-escuta, como se estivesse contando para si próprio suas experiências e as aprendizagens que construiu ao longo da vida, através do conhecimento de si.

Ao debruçar-me em minhas memórias, resgato o espaço sagrado como algo intrínseco diante de algumas passagens numa infância vivida. E essa relação que construo corrobora-se também nas relações existentes entre os sujeitos observados do Reino de Jurema.

A roda de conversa realizada com os sujeitos do Reino de Jurema foi transcrita e se tornou material para análise, cujos resultados foram trazidos no

próximo capítulo desta dissertação. O teor dessa conversa possibilitou fluxos de informações sobre umbanda, colocando em questão assuntos relacionados ao tema, como os preconceitos, os medos de se identificarem como umbandistas e o respeito pelas ritualísticas sagradas da umbanda.

Nesse viés, identifico-me com o processo que Souza (2004), o qual reporta a importância da abordagem de história de vida para fomentar a investigação- formação entre professores. Paralelo à pesquisa do autor, associo meus anseios investigativos pela relação estabelecida entre pesquisador e religioso no Reino de Jurema. Nesse aspecto, percebo a complexidade oferecida pelo terreiro subjacente às pluralidades sagradas constituídas nele.

Vale lembrar que nesse processo de pesquisas narrativas, o apontamento levantado por Abrahão (2004) apud Nóvoa ([?], p. 134) nos alerta para a seguinte reflexão:

O discurso (auto) biográfico comporta sempre inúmeros riscos. Ninguém se diz impunemente. As tentações da vaidade ou do niilismo perseguem os esforços para dar sentido a percursos feitos pelo caminho do que somos, mas também pelos caminhos do que nos obrigam a ser. [...] o conhecimento pertence sempre a alguém, é fruto de um diálogo consigo mesmo, com os outros e com as coisas. [...] Tudo se decide na consciência do acto. No seu equilíbrio e sensatez. Na aceitação de que a (auto) leitura, mesmo partilhada, não constitui uma verdade mais certa do que as outras leituras. Não se trata de uma mera descrição ou arrumação de factos, mas de um esforço de construção (e de reconstrução) dos itinerários passados. É uma história que nos contamos a nós mesmos e aos outros. O que se diz revela uma escolha, sem inocências, do que se quer falar e do que se quer calar.

Parafraseando a citação acima, o exercício que nós pesquisadores nos propomos, diante dos desafios encontrados para fomentar os resultados, em certa medida correspondem aos nossos desejos. Penso que como sujeitos narradores, estamos a margem de convidar-nos ao reconhecimento de fatos e ações que nos evidenciam positivamente. Entretanto, concordo com o autor quando o mesmo nos diz que a vaidade ou o niilismo tornam-se condutas muito próximas desse processo de construção cognitiva. Por isso, a importância de tecermos empatia com as pluralidades de conceitos que nos convidam para uma visão mais ampla de nossos pensares.

Se tratando da realidade dos sujeitos no terreiro Reino de Jurema, o sentido que as abordagens narrativas repercutem no processo de formação dos sujeitos envolvidos, partem da necessidade de escutar as vozes e os enredos ou de os

construir e (re) construir. “[...] demarca novas tendências de dar sentido as experiências aos contextos e as histórias de vida [...]” Souza (2004, p. 82-83).

A partir do pensamento do autor, acredito que a visibilidade da cultura umbandista esteja envolvo as falas rememoradas das narrativas dos sujeitos entrevistados e até mesmo no meu próprio pensamento. Experienciar aqui cabe como um importante alicerce para desnudarmos toda uma significância dos sentidos que a pesquisa é construída.

Sendo assim, aproprio-me de um esquema em formato de fluxograma, conforme ilustra figura 16, para compreendermos as conexões dos métodos utilizados e os caminhos percorridos para chegar aos resultados desta pesquisa.

Figura 16 - Esquema em fluxograma apontando os caminhos analíticos para responder aos anseios da pesquisa

Fonte: SANTOS, Mateus Machado, 2019.

A partir do esquema ilustrado pela figura 16, busquei como critérios para análise, apontamentos que me respaldassem o cruzamento das metodologias surgidas. Vale lembrar que a expressão ‘surgidas’ veio de encontro ao processo

como se deu os caminhos da pesquisa e como fui me identificando com os interlocutores que respaldaram essa triangulação.

4.4.1.1 Sujeitos da pesquisa e as ferramentas metodológicas utilizadas

Para chegar na segunda etapa, passei por questionamentos que, de certa forma, incentivavam-me a buscar hipóteses para um objeto de pesquisa específico que estivessem ao meu alcance enquanto pesquisador. Tais indagações, cercados por vários pensamentos, giravam em torno de duas possibilidades: primeiro a de investigar o primeiro terreiro de umbanda de Santa Maria/RS; e segundo, buscar terreiros que ainda mantivessem em suas práticas, a umbanda de tradição, mais voltada às origens de quando foi instituída. Por questão de exequibilidade, pensei

“por que não investigar o terreiro de umbanda que frequento e trabalho como médium?”. A partir desse momento, comecei a tecer aproximações com os

propósitos dos estudos e correlacioná-los com o Reino de Jurema.

A relevância de adentrar em um espaço cultural diferente do que costumamos frequentar traz consigo uma gama de situações que devemos cuidar. Geertz (1978) nos aponta para uma análise e descrição da estrutura significativa da cultura em questão a partir do estudo da percepção dos indivíduos nela presentes. Nesse aspecto, por que não escolhi estudar a história do primeiro terreiro de umbanda em Santa Maria/RS? Por que não escolhi o terreiro de umbanda mais antigo e em atividade na cidade de Santa Maria/RS? Por que não escolhi investigar o espaço sagrado de uma outra religião? Enfim, paralelo a estes questionamentos, sobressaía a vontade de estudar o terreiro que me acolheu. Naquele instante, o Reino de Jurema passou a ser o meu foco e o objeto de pesquisa.

Entre curvas e retas, as pisadas nas areias continuam. Vou deixando registros de que ali estive, tropecei, e ajoelhei, porém mais adiante me ergui e continuei na jornada, confirmando o terreiro Reino de Jurema como objeto de pesquisa. Num primeiro instante, convidei quatro sujeitos-médiuns para fazer parte da investigação.

Os critérios para esta escolha foram definidos pela seguinte ordem:

1) A presença de dois sujeitos do sexo masculino e dois sujeitos do sexo feminino;