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1 INTRODUÇÃO: SUSPENDE A BANDEIRA E VAMOS TRABALHAR

2 DOS CAMINHOS CRUZADOS, ENTRE SAGRADOS E PROFANOS: O NORTE (N)

2.6 SEXTO GRÃO DE AREIA: O REINO DE JUREMA

Parto do princípio que nada acontece por acaso, que somos encaminhados por ventos desconhecidos, alguns fracos, outros nem tantos, por ora algumas tempestades, mas a bonança sempre vem. Assim foi minha descoberta ao encontrar o terreiro de umbanda Reino de Jurema.

No anseio de continuar minha busca espiritual, recebo a informação da existência de um terreiro de Umbanda. Naquele instante, era o motivo necessário

31 O termo “corporeidade” trago aqui como algo relativo e particular de um determinado corpo. Utilizamos esse termo no teatro, pois designamos a corporeidade do ator em detrimento de suas práticas treinadas ao longo de sua carreira. Pode ser relativa também à bailarinos, quem pratica a dança. Entretanto, para ampliar essa pesquisa, tanto o corpo como a corporeidade estão no entendimento e contribuições refletidas por Merleau-Ponty (2006) designando reflexões dentro da fenomenologia.

para me confortar com uma energia revigorante diante da nova notícia. Ao procurar o endereço do terreiro Reino de Jurema, fui acompanhado de uma amiga ao local, casualmente, estava acontecendo uma sessão de caridade aberta ao público.

Eram passados das vinte horas de uma quinta-feira, do mês de setembro de 2015, e ali nos aproximávamos de uma casa de material, beirando a esquina, situada na periferia da cidade, como ilustra figura 9. Com olhos curiosos, aproximei- me daquele lugar no qual algumas pessoas circulavam pelas proximidades e, vagarosamente, junto à de minha amiga, perguntamos a um jovem se ali era o Reino de Jurema.

Confirmando nossa procura, eis a segunda pergunta realizada por ela. Se estava acontecendo uma sessão de caridade e se poderíamos tomar um passe32? O

mesmo rapaz, de forma educada e receptiva, disse-nos que era uma sessão aberta e que poderíamos entrar. Descemos do carro um pouco temerosos na verdade, já que não tínhamos até então a intenção de entrar no terreiro. Ao adentrarmos no recinto, tivemos uma recepção calorosa. Com um sorriso carismático, nos passaram para o salão onde eram feitos os atendimentos. Primeiramente, retiramos os calçados e direcionamos à consulta no salão de atendimentos.

32A expressão “tomar passe” refere-se ao ato de nos envolvermos com energias e nos elevarmos espiritualmente através de espíritos, guias ou entidades incorporadas nos médiuns. Posso tomar um passe no terreiro de umbanda, ou em um centro espírita são equivalentes.

Figura 9 - Localização do terreiro Reino de Jurema. Foto 1 – Fachada do Reino de Jurema. Fotos de 2 a 9 – Espaço interno do terreiro

Fonte: Savian, 2019 - Google Maps

Meus sentidos naquele instante não tinham direcionamentos, muito menos objetivos analíticos. Visitar um terreiro desconhecido é como se estivesse pegando um texto dramático a ser lido pela primeira vez. Não sei a sequência dos fatos, o contexto da leitura, tampouco a mensagem deixada. Entretanto o visitante, ou no caso, o leitor são agentes de uma descoberta.

Saímos do ‘passe’ leves e com uma sensação de paz interna. No retorno de nossas casas, não tínhamos outro assunto senão tecer comentários sobre a visita, pois estávamos encantados pela simplicidade e com a grandiosidade energética daquele espaço que nos sensibilizou. Naquele momento, continuava pela busca do ‘sagrado’.

Passados alguns dias, e eu ainda estava envolvido com as percepções diante daquela visita. Algo de muito especial acontecera e não tive, dentro daquele período, como descrever o que era exatamente. Foi então que combinei com minha amiga de conhecermos melhor o Reino de Jurema e conversar com a cacique dirigente do terreiro.

Numa tarde ensolarada, em algum dia do mês de outubro de 2015, ali estavam nós três sentados naquele espaço, rodeado de imagens de santos católicos, orixás africanos e de uma série de simbologias materiais inerentes à Umbanda do Reino de Jurema. Nossa conversa foi baseada em religiosidade e no funcionamento do terreiro. Aquela senhora, de uma forma calma e objetiva, nos apontava alguns conceitos e práticas em Umbanda que até então eu nunca tinha parado para refletir. Esses conceitos que me refiro giravam em torno da transparência ao praticar rituais dentro do espaço. Motivo esse que, em outras ocasiões, eram tratados em forma de segredo por alguns dirigentes de outros terreiros. A sensação que tive naquele instante era de estar numa sala de aula, rodeado de assuntos interessantes onde o aluno poderia dialogar, trocar ideias e construir o aprendizado.

“Se vocês me perguntarem o porquê daquele prego estar ali, eu vou dizer o

motivo. Tudo o que vocês estão enxergando tem um significado aqui dentro. Desconfiem “daqueles” orientadores espirituais que omitem ou não falam os motivos da existência das práticas realizadas dentro de um terreiro”.33Tais palavras ficaram registradas em minha memória e talvez esse tenha sido o principal motivo para que eu depositasse segurança e firmeza para continuar acreditando na religiosidade e me envolver, profundamente, com o terreiro visitado.

“Próxima quinta-feira teremos sessão de caridade, vocês estão convidados a participarem da corrente. Venham de branco!”, afirma Leda Palma. Uma mistura de

euforia e adrenalina tomou conta do meu corpo. A frustração que antes era visível em meus olhos agora se transformou em esperança. O anúncio de uma nova oportunidade em continuar a busca pela espiritualidade renascia.

Penso que os caminhos cruzados surjam nesses momentos de aflição, alegria, de tensão e calmaria, dúvidas e certezas. São caminhos desconhecidos, mas visíveis para nossas pisadas. Os ventos levam, embalam e conduzem. Entre sagrados e profanos me construo e desconstruo. Não sei sobre o futuro, mas posso direcioná-lo. As pedras em que trilho transformam-se em flores deixando, assim, um rastro colorido. E a rosa dos ventos continua a girar.

3 AS PISADAS NA AREIA E OS RUMOS TEÓRICOS DA PESQUISA: