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O espaço sagrado: interfaces entre religiosidade e a geografia

3 AS PISADAS NA AREIA E OS RUMOS TEÓRICOS DA PESQUISA: O SUL (S)

3.4 O ESPAÇO GEOGRÁFICO E SEUS MÚLTIPLOS OLHARES

3.4.1 O espaço sagrado: interfaces entre religiosidade e a geografia

Na perspectiva do campo simbólico, cultural e fenomênico, estudos sobre espaço sagrado na geografia vem ganhando destaque entre os pesquisadores. Ressalvo que o termo ‘sagrado’ não está associado a uma particularidade empírica de meus anseios, objetivos e afinidades, mas, sim, é um termo que é utilizado por geógrafos dando ênfase a mais uma categoria estudada dentro da geografia cultural.

Nesse sentido, investigadores brasileiros ganharam destaque, dentre eles, Rosendahl (2014), Gil Filho (2001) e Corrêa (1999). Concomitante, também fazem parte do repertório de autores que contribuem com estudos sobre espaços e

religiosidades na Geografia, Otto (2007), Mircea Eliade (1992) e Ernst Cassirer (1994).

Existe uma diferença conceitual entre espaço e espacialidade que considero importante salientar, dada sua significativa importância para esta pesquisa, apesar de utilizar-me da categoria ‘espaço sagrado’ como conceito na Geografia. Ao definir as diferenças, parte-se de pressupostos as palavras de Pereira e Torres (2016, p. 96).

O espaço, na perspectiva de Kant e Cassirer, pode ser identificado como certo mecanismo cognitivo/mental de conformação da realidade, uma forma de intuição sensível que possibilita-nos conhecer os fenômenos; enquanto que a espacialidade seria a expressão espacial de tais fenômenos. Pois, se naturalmente os seres humanos ao apreenderem os fenômenos, o fazem em termos espaciais, é notório que cada fenômeno (exterior) exibirá, necessariamente, uma determinada espacialidade.

Nessa perspectiva, é possível perceber que as espacialidades estão contidas no próprio espaço, identificando as singularidades expressadas naquele determinado lugar. Partindo desse entendimento citado pelo autor e, aproximando da pesquisa, dado o terreiro Reino de Jurema, o escopo das espacialidades é definido pelas múltiplas manifestações fenomênicas emergidas pelas materialidades e imaterialidades característicos do próprio terreiro. Neste sentido, o espaço sagrado, que é o conceito fundamental a ser analisado nesta pesquisa, está impregnado de um sentido de espacialidade, porque é a revelação de uma realidade dada pelas percepções dos sujeitos mediadas por suas crenças religiosas.

Para Rosendahl (2014), a ideia do sagrado está ligada com o pensamento de estudiosos da religião. Algumas religiosidades se apresentam com aparência de triunfo entre os grupos religiosos, entretanto, a pesquisadora diferencia de outras religiosidades como enfrentamento cotidiano ao retratar a (in) tolerância religiosa dos grupos religiosos envolvidos. Segundo Rosendahl (2014, p. 11) “é conhecimento nosso que a experiência religiosa, quer do devoto, quer do profissional religioso imprime, no tempo-espaço sagrado, formas e funções simbólicas religiosas”.

Ao delimitar o espaço sagrado, aproprio-me de uma sacralidade particular e temporal, visto inserções nesta investigação como pesquisador-pesquisado. As formas e funções simbólicas citada pela autora, em certa medida, constroem o meu tempo no sagrado, tendo em vista minha participação direta e indireta nas vivências em terreiros de umbanda. Essas experiências, estão abarcadas no tempo ‘imanente

e transcendente’, esclarecidas pelas seguintes palavras segundo Rosendahl (2014, p. 12)

A concepção de tempo sagrado do historiador Mircea Eliade (1962), é um tempo mítico primordial feito presente na experiência hierofânica. É fundamental reconhecer que a manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Podemos afirmar que para o homem religioso, o espaço e o tempo não são homogêneos nem contínuos. A experiência religiosa pressupõe uma vivência no tempo sagrado. Tais experiências nos levam para fenomenologia do tempo, estamos nos referendo ao tempo imanente e o tempo transcendente. As vivências religiosas se expressam nestas temporalidades.

Rosendahl (2014) reconhece uma tipologia do sagrado a partir de três níveis, são elas: fixo (relativos aos santuários, lugares de devoção dos fiéis); o não fixo ou móvel (aos espaços de mobilidade do sagrado); e, imaginalis. Neste último, trata-se de uma categoria, investigada por Rudolf Otto (1992), que, conforme seu pensamento, a concepção de lugar sagrado reside no mundo imaginallis (recintos de qualidade numinosa que os distingue do espaço cotidiano), correspondente ao imaginário do religioso. Tais definições são correlacionadas com o espaço sagrado do terreiro de umbanda que, no caso Reino de Jurema, é definido e contemplado pelas três tipologias definidas pela autora.

O terreiro é fixo, quando ele se estrutura em um local alocado no espaço urbano-periférico na cidade de Santa Maria. É considerado ‘não fixo ou móvel’ no instante que defino que algumas de suas ritualísticas não são praticadas em seu recinto como, por exemplo, as práticas sagradas realizadas na procissão em homenagem à Iemanjá na praia do Cassino/RS e em procissões realizadas em ruas urbanas, geralmente, no mês de abril, em homenagem à Ogum55. O deslocamento

da imagem do santo (a) e a devoção dos fiéis, de certa forma, são simbioses entre o religioso e a simbologia sacra retratada pela imagem em questão.

O terreiro também se encontra no campo do imaginallis, terceiro nível de tipologia do espaço sagrado citado por Rosendahl (2014), pois se trata da construção de um lugar frequentado por sujeitos que estejam ligados aos preceitos de umbanda e o que converge às ritualísticas de sua cultura. Nesse ínterim, as simbologias contidas nas crenças da umbanda convergem para o desenvolvimento dos imaginários dos sujeitos praticantes que significam as ritualísticas produzidas no terreiro (assim como explicam o próprio terreiro). Neste sentido, que os espaços

55 Ver fonte: O sincretismo entre São Jorge e Ogum na umbanda: ressignificações de tradições europeias e africanas. Marques, J.A. e Morais, A.M. (2011)

fixos e fluxos do sagrado se constituem como espacialidades, uma vez que o espaço real das ações e objetos são reconstituídos pelos simbolismos das crenças religiosas manifestadas nas intenções dos religiosos. É como se um espaço real e outro imaginário se fundissem na manifestação daquilo que representa uma geografia do sagrado.

Por mais que as lideranças do Reino de Jurema estruturem o terreiro a partir das ritualísticas, conforme a cultura umbandista, cada sujeito, médium trabalhador ou não, cria o seu próprio sagrado, mediante sua fé, crença e como os mesmos reverberam seus sentidos56.

Os elementos simbólicos em umbanda são provenientes de toda a sacralidade advinda pelos movimentos sincréticos, mas que carregam em sua gênese a ancestralidade africana. Tais elementos estão configurados pelo uso de imagens de santos, velas, colares de pescoço (as guias), cânticos musicalizados (os pontos), bebidas e comidas para oferendar, pedras, flores, ervas e corpos57.

Segundo Barros (2008, p. 55), “os terreiros afro-brasileiros são considerados espaços sociais, míticos, simbólicos”. Poderíamos definir terreiro58 como categoria

geográfica, visto que, segundo Souza (2013), é um termo nativo que representa a configuração e identificação de um espaço singular para aqueles que o frequenta e o produz. No entanto, para esta investigação, utilizo a expressão “espaço sagrado” como conceito geográfico a fim de discutir o que constitui o terreiro de Umbanda Reino de Jurema/RS.