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NATUREZA ÍNTIMA

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 102-109)

Ao filósofo Farias Brito Cansada de observar-se na corrente

Que os acontecim entos refletia,

Reconcentrando-se em si m esm a, um dia, A Natureza olhou-se interiorm ente!

Baldada introspecção! Noum enalm ente O que Ela, em realidade, ainda sentia

Era a m esm a im ortal m onotonia De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:

“Terei som ente, porventura, rosto?!

“Serei apenas m era crusta espessa?!

“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,

“Quando m ais em m im m esm a m e aprofundo

“Menos interiorm ente m e conheça?!”

A FLORESTA

Em vão com o m undo da floresta privas!

-- Todas as herm enêuticas sondagens, Ante o hieroglifo e o enigm a das folhagens,

São absolutam ente negativas!

Araucárias, traçando arcos de ogivas, Bracej am entos de álam os selvagens, Com o um convite para estranhas viagens,

Tornam todas as alm as pensativas!

Há um a força vencida nesse m undo!

Todo o organism o florestal profundo É dor viva, trancada num disfarce...

Vivem só, nele, os elem entos broncos, -- As am bições que se fizeram troncos, Porque nunca puderam realizar-se!

A MERETRIZ

A rua dos destinos desgraçados Faz m edo. o Vício estruge. Ouvem -se os brados

Da danação carnal... Lúbrica, à lua, Na sodom ia das m ais negras bodas Desarticula-se, em coréas doudas, Um a m ulher com pletam ente nua!

É a m eretriz que, de cabelos ruivos, Bram ando, ébria e lasciva, hórridos uivos

Na m esm a esteira pública, recebe, Entre farraparias e esplendores, O eretism o das classes superiores E o orgasm o bastardíssim o da plebe!

É ela que, aliando, à luz do olhar protervo, O indum ento vilíssim o do servo Ao brilho da augustal toga pretexta, Sente, alta noite, em contorções som brias,

Na vacuidade das entranhas frias O esgotam ento intrínseco da besta!

É ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos, Com as m ãos chagadas, esprem endo os peitos,

Reduzidos, por fim , a âm bulas m oles, Sofre em cada m olécula a angústia alta De haver secado, com o o estepe, à falta Da água criadora que alim enta as proles!

É ela que, arrem essada sobre o rude Despenhadeiro da decrepitude, Na vizinhança aziaga dos ossuários Representa, através os m eus sentidos,

A escuridão dos gineceus falidos E a desgraça de todos os ovários!

Irrita-se-lhe a carne à m eia-noite.

Espicaça-se a ignom ínia, excita-a o acoite Do incêndio que lha inflam a a língua espúria.

E a m ulher, funcionária dos instintos, Com a roupa am arfanhada e os beiços tintos,

Gane instintivam ente de luxúria!

Navio para o qual todos os portos Estão fechados, urna de ovos m ortos, Chão de onde um a só planta não rebenta,

Ei-la, de bruços, bêbeda de gozo Saciando o geotropism o pavoroso De unir o corpo à terra fam ulenta!

Nesse espolinham ento repugnante O esqueleto irritado da bacante Estrala... Lem bra o ruído harto azorrague

A vergastar ásperos dorsos grossos.

E é aterradora essa alegria de ossos Pedindo ao sensualism o que os esm ague!

É o pseudo-regozij o dos eunucos Por natureza, dos que são caducos Desde que a Mãe-Com um lhes deu início...

É a dor profunda da incapacidade Que, pela própria hereditariedade A lei da seleção disfarça em Vício!

É o j úbilo aparente da alm a quase A eclipsar-se, no horror da ocídua fase

Esterilizadora de órgãos... É o hino Da m atéria incapaz, filha do inferno, Pagando com volúpia o crim e eterno De não ter sido fiel ao seu destino!

É o Desespero que se faz bram ido De anelo anim alíssim o incontido, Mais que a vaga incoercível na água oceânea...

É a Carne que, j á m orta essencialm ente, Para a Finalidade Transcendente Gera o prodígio aním ico da Insânia!

Nas frias antecâm eras do Nada

O fantasm a da fêm ea castigada, Passa agora ao clarão da lua acesa E é seu corpo expiatório, alvo e desnudo

A síntese eucarística de tudo Que não se realizou na Natureza!

Antigam ente, aos tácitos apelos Das suas carnes e dos seus cabelos, Na Óptica abreviatura de um reflexo,

Fulgia, em cada hum ana nebulosa, Toda a sensualidade tem pestuosa

Dos apetites bárbaros do Sexo!

O atavism o das raças sibaritas, Criando concupiscências infinitas

Com o eviterno lobo insatisfeito;

Na hom ofagia hedionda que o consom e, Vinha saciar a m ilenária fom e Dentro das abundâncias do seu leito!

Toda a libidinagem dos m orm aços Am ericanos fluía-lhe dos braços, Irradiava-se-lhe, hírcica, das veias E em torrencialidades quentes e úm idas, Gorda a escorrer-lhe das ártérias túm idas Lem brava um transbordar de ânforas cheias.

A hora da m orte acende-lhe o intelecto E à úm ida habitação do vício abj ecto Afluem m ilhões de sóis, rubros, radiando...

Resíduos m em oriais tornan-se luzes Fazem -se idéias e ela vê as cruzes Do seu m artirológico m iserando!

Inícios atrofiados de ética, ânsia De perfeição, sonhos de culm inância, Libertos da ancestral m odorra calm a, Saem da infância em brionária e erguem -se, adultos,

Lançando a som bra horrível dos seus vultos Sobre a noite fechada daquela alm a!

É o sublevam ento coletivo

De um m undo inteiro que aparece vivo, Num a cenografia de dioram a, Que, m om entaneam ente luz fecunda,

Brilha na prostituta m oribunda Com o a fosforecência sobre a lam a!

É a visita alarm ante do que outrora Na abundância prospérrim a da aurora,

Pudera progredir, talvez, decerto, Mas que, adstrito a inferior plasm a inconsútil,

Ficou rolando, com o aborto inútil, Com o o ... do deserto!

Vede! A prostituição ofídia aziaga Cuj o tóxico instila a infâm ia , e a estraga

Na delinqüência ... im pune, Agarrou-se-lhe aos seios im pudicos

Com o o abraço m ortífero do Ficus Sugando a seiva da árvore a que se une!

...

Enroscou-se-lhe aos abraços com tal gosto, Mordeu-lhe a boca e o rosto...

...

...

...

...

Ser m eretriz depois do túm ulo! A alm a Roubada a hirta quietude da urbe calm a onde se extinguem todos os escolhos:

E, condenada, ao trágico ditam e, Oferecer-se à bicharia infam e Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos!

Sentir a língua aluir-se-lhe na boca E com a cabeça sem cabelos, oca...

...

Na horrorosa avulsão da form a nívea Dizer ainda palavras de lascívia ...

G UERRA

Guerra é esforço, é inquietude, á ânsia, é transporte...

É a dram atização sangrenta e dura Da avidez com que o Espírito procura

Ser perfeito, ser m áxim o, ser forte!

É a Subconsciência que se transfigura Em volição conflagradora... É a coorte Das raças todas, que se entrega à m orte

Para a felicidade da Criatura!

É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo De subir, na ordem cósm ica, descendo

À irracionalidade prim itiva...

É a Natureza que, no seu arcano, Precisa de encharcar-se em sangue hum ano

Para m ostrar aos hom ens que está viva!

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 102-109)

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